Cearense relata ter sofrido transfobia em serviço de atendimento em Brasília

Estudante disse não ter o nome social reconhecido por funcionário de unidade de atendimento do programa Na Hora, com operação do banco BRB. Foi aberto um BO contra o colaborador

13:16 | Jul. 30, 2022

Por: Gabriela Almeida
Estudante abriu BO contra funcionário (foto: Arquivo Pessoal)

O cearense Dan Kaio Lemos, de 43 anos, relata ter sido vítima de transfobia durante um processo que precisou realizar em unidade de atendimento do programa Na Hora, cuja operação é do Banco Regional de Brasília (BRB), na última semana. Morando no Distrito Federal (DF) há pouco menos de um ano, o estudante — que é um homem trans —, disse que um funcionário do local se recusou a reconhecer o seu nome social, infringindo lei.  

Kaio foi morar no DF ainda neste ano, para concluir o Doutorado em Ciências Sociais na Universidade de Brasília (UnB). O cearense precisou do banco para realizar o procedimento do Passe Livre Estudantil, que o garantiria usufruir de transporte gratuito, e conseguiu realizar o processo na primeira tentativa, feita há pouco mais de uma semana.

No entanto, ele precisou ir à agência e refazer a solicitação, pois o beneficio acabou vindo com um número de passagens inferior ao que ele precisaria. Quando chegou ao local, um funcionário teria "rido" após analisar seus documentos e ver que ele era um homem trans.

Segundo Kaio, o colaborador dava "risadas sarcásticas" e dizia que o processo "não daria certo", pois o aluno portava um documento da faculdade que registrava seu nome social, sendo esse "incompatível". O estudante rebateu informando que já havia dado certo na primeira tentativa, então o atendente seguiu com os trâmites.

No dia seguinte, o cearense recebeu a informação de que o processo foi recusado. Ele precisou então retornar ao serviço e acabou sendo atendido pelo mesmo funcionário. "Quando ele me viu deu uma risada e disse 'Você aqui de novo? Eu falei que não ia dar certo!'", conta o homem. 

Mesmo reforçando ao atendente que o reconhecimento do nome social é garantido por lei e que a primeira tentativa havia dado certo, Dan continuou ouvindo recusas dele. Foi então que o estudante procurou a gerente e foi direcionado para outra funcionária.

Nessa momento, o funcionário foi até onde ele estava e tentou, segundo Kaio, "coagir" a atendente a não realizar o processo. "Ele gritava (...) As pessoas ouvindo, ele dizia que não era pra aceitar", relembrou. Logo após a cena, o estudante conseguiu realizar o procedimento e teria recebida da gerente do local uma desculpa, informando que o colaborador era "assim mesmo".

Boletim de ocorrência por homotransfobia

A lei a qual Kaio se referiu algumas vezes é a de número 8.727, assinada pela ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016. O decreto, publicado no Diário Oficial da União, "autoriza o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal". 

De acordo com o estudante, que é ainda Coordenador Nacional do Instituto Brasileiro de Trasmasculinidade (Ibraht), ele procurou uma delegacia especializada em trabalhar com a criminologia do racismo e da transfobia e abriu um Boletim de Ocorrência (BO) contra o funcionário, que agora pode responder pelo crime de homotransfobia, inafiançável por lei.

“Estou há dois dias nesse processo, lutando, não vou desistir e vou até o fim. (...) A gente precisa criar essa cultura de denunciar, porque se a gente não denunciar outras pessoas trans vão passar por isso (...) não aceito esse ato de transfobia”, desabafa Kaio.

O POVO procurou a assessoria do BRB, solicitando explicações quanto ao caso. Em resposta, a empresa afirmou por meio de nota que "a BRB Serviços repudia qualquer forma de discriminação e tem seus valores pautados pelo respeito às pessoas" e ressaltou que a unidade não se trata de uma agência do banco. 

A empresa explicou que houve necessidade de complementar a documentação de Kaio para alteração cadastral e "evitar fraudes sujeitas a qualquer CPF". Não foi mencionada nenhuma ação relacionada ao comportamento do funcionário ou de apoio à vítima. (Colaborou Alexia Vieira)