Mais de 50% de crianças em educação infantil não têm acesso a momentos de leitura
A leitura de livros literários não esteve presente em mais da metade das 3.467 turmas avaliadas no estudo
17:14 | Jun. 12, 2022
Cerca de 55% das turmas de educação infantil não têm acesso a momentos em que o professor designa para a leitura de livros de histórias. O dado faz parte da pesquisa realizada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidiga (FMCSV), em parceria com a USP, que estuda práticas inadequadas e avalia a qualidade da educação ofertada para crianças de zero a seis anos no Brasil. A leitura de livros literários não esteve presente em mais da metade das 3.467 turmas avaliadas no estudo.
As classes fazem parte de 12 municípios escolhidos para participar do estudo. No Ceará, Fortaleza e Sobral foram escolhidas para serem avaliadas. As outras cidades envolvidas são Belo Horizonte, Boa Vista, Campo Grande, Goiânia, Joinville, Porto Alegre, Porto Velho, Recife, Rio de Janeiro e Suzano. No entanto, não foram divulgados dados regionalizados.
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O estudo mostra a desigualdade na qualidade da educação infantil no Brasil. Na avaliação do acesso à literatura, apenas em 27% das turmas a oportunidade é apresentada de forma satisfatória, com interação e protagonismo dos alunos.
Para Marisa Ferreira, do Instituto Vera Cruz, a leitura é uma das formas que permite a entrada da criança no mundo letrado. Livros de literatura também são essenciais para entender e desenvolver emoções através de narrativas, o que não é suprido pelos livros didáticos. Marisa comentou a pesquisa em uma das mesas promovidas pela Fundação no evento de lançamento dos resultados da pesquisa, em São Paulo.
Educação infantil: Brincadeira na escola
Além deste, o estudo leva em conta outros fatores pedagógicos importantes para o desenvolvimento das crianças, como a presença da brincadeira na escola. De acordo com a pesquisa, em 42% das turmas não houve a oportunidade de brincadeiras livres, que promovem a autonomia dos alunos com mediação dos professores. A porcentagem é ainda maior quando observada apenas turmas de pré-escola, de crianças entre 4 e 5 anos, com 48% delas não tendo acesso a esse tipo de atividade.
Educação infantil: Como foi feita a avaliação?
A avaliação foi feita de uma forma inédita utilizando a Escala de Avaliação de Ambientes de Aprendizagens dedicados à Primeira Infância (EAPI). A metodologia foi elaborada pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (LEPES) da USP. Os parâmetros considerados na escala são respaldados na Base Nacional Curricular Comum (BNCC).
Currículo, interações e práticas pedagógicas implementadas na escola são parte de uma das principais dimensões avaliadas pela escala. Porém, a infraestrutura e a gestão das unidades educacionais também foi observada. Os fatores foram organizados entre inaceitáveis, inadequados, regulares, bons e ótimos. Avaliadores visitaram escolas nos 12 municípios participantes e observaram as práticas em sala por 3 horas e 30 minutos de um dia rotineiro.
Mariana Luz, CEO da FMCSV, defende a importância da avaliação na educação infantil e alerta para uma carência de dados sobre o assunto no Brasil. "Uma educação infantil sem qualidade pode gerar um dano para a criança", explica. O estudo também pode, segundo ela, mostrar "caminhos para a melhora".
90% das crianças não aprendem sobre diferentes etnias na escola
Outro aspecto avaliado pelo estudo foi a criação de oportunidades de aprendizado sobre relações étnico-raciais. Dentre as turmas visitadas, 89,8% não tiveram educação voltada para esse assunto. Em 10.899 horas de observação de turmas para realização da avaliação, nenhum momento de educação sobre os legados das culturas africanas, afro-brasileiras ou indígenas foi realizado.
Segundo o estudo, as crianças devem ter acesso a músicas, poemas, contos, mitos, bem como serem apresentadas às diferentes manifestações culturais por meio de culinária, artesanato, dança, moda e vocabulário. Além disso, devem entender a pluralidade de etnias e ancestralidades. Apenas 10% das turmas tiveram essa oportunidade.
O dado alarmante se junta a outra estatística produzida pelo estudo sobre racismo. Segundo a pesquisa, 0,5% das turmas observadas tiveram casos de interações verbais negativas relacionadas a grupos etnico-raciais. Isso corresponde a casos de racismo registrados em pelo menos 17 salas de educação infantil, mesmo com a presença de avaliadores externos.
O pesquisador do Lepes Daniel Domingues afirma que uma política de visitas frequentes às unidades deve ser implementada. "O estado deve regular isso. Não pode deixar normalizar". O estudo ainda mostrou que em 10,8% das turmas houve interações negativas verbais, como gritos, ameaças e humilhações, e em 2,9% chegaram a ter interações físicas. "Teve avaliação nossa que a criança foi arrastada para fora da sala pela orelha", relata.