Série Grandes Nomes: "A desigualdade mata", diz padre Júlio Lancelotti
Série Grandes Nomes é realizada há quase duas décadas pelo Grupo de Comunicação O POVO, com cinco entrevistas semanais com grandes nomes de diferentes áreas de atuação do Brasil
20:40 | Jun. 20, 2022
Padre Júlio Lancelotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo, foi o primeiro entrevistado do projeto Grandes Nomes 2022, que teve início nesta segunda-feira, 20. A série é realizada há quase duas décadas pelo Grupo de Comunicação O POVO. Pedagogo, ele já escreveu livros sobre religião e direitos humanos. Hoje, padre Júlio atua ativamente entre a população em situação de rua em São Paulo e tem como luta romper a lógica da indiferença social.
Descendente de imigrantes italianos, ele nasceu em 1948 e sempre esteve envolvido no meio cristão, uma vez que estudou desde o ensino fundamental em escolas religiosas. Participou efetivamente do primeiro seminário teológico aos 17 anos, mas foi mandado embora por julgamentos preciptados de que não servia para ser padre. Em 1985, ele foi ordenado a padre pelo Papa João Paulo II.
"Foi em 1980, quando o Papa João Paulo II veio pela primeira vez ao Brasil, que me causou um grande impacto, me incentivando a estudar novamente teologia", explica padre Júlio. Levando uma vida de devoção a Deus, ele acabou se envolvendo em trabalhos com camadas da população mais pobres.
"Conviver com os que são descartados te engaja em uma luta de transformação. Estar junto dos empobrecidos levanta questionamentos sobre qual a origem desse empobrecimento e qual o motivo do aumento tão grande da pobreza, da fome, da miséria e do descarte que vive a população em nosso País, em todas as regiões. A desigualdade mata", pontua o padre.
Por meio dessa luta, o líder religioso também busca agir para combater a aporofobia, que corresponde à aversão e ao desprezo pelos pobres. A prática, embora não seja tão conhecida, é comum na sociedade em geral, consiste na discriminação que as camadas mais pobres sofrem.
De acordo com padre Júlio, a apatia também pode ser considerada uma forma de aporofobia. "Indiferença é estar longe, não querer se comprometer, não ver e não enxergar essa situação. A apatia traz uma frieza, que é corrosiva e também fere. A grande questão é que nós estamos tornando o efeito como responsável pela situação, mas esquecemos da causa. A população em situação de rua não é a causa dos problemas sociais."
A mensagem que padre Júlio busca reforçar é sobre não somente ofertar o aliemento aos mais necessitados, mas oferecer amor, palavras calorosas e presença física. "Nós, muitas vezes, temos o conceito de amor somente como algo romântico, mas ele também é decisão, escolha e dor", pontua. Para ele, também existe divisão social dentro das próprias igrejas.
"Padres com aporofobia também estão dentro da igreja. Isso é inevitável, porque a igreja é multiclassista, é uma entidade como todas as outras instituições, como, por exemplo, universidades. Em todas as grandes instituições existe essa diversidade de posições. O que não podemos é querer eliminar o outro por pensar diferente", explica o padre.
Igrejas acolhedoras
"Papa Francisco tem deixado muito claro que a igreja deve ser um espaço de portas abertas para acolher a todos e não rejeitar ninguém. Sem preconceito, sem discriminação, sem homofobia, sem racismo e sem misoginia. Ele usa muito a imagem da igreja como um hospital de campanha que deve socorrer os feridos", pontua padre Júlio Lancelotti.
Para o líder religioso, a igreja deve ser um lugar não somente para socorrer os feridos, mas para celebrar a fé junto com eles depois de recuperados. A solidariedade, a fraternidade e a compaixão não são dimensões religiosas, são dimensões humanas: "Há muito religioso desumano, sem compaixão e sem misericórdia".
Ataques em resposta às boas ações
Padre Júlio explica que mesmo que o amor seja a principal pauta para ajudar e acolher pessoas em situação de vulnerabilidade, a resposta que recebe de uma pequena parcela da sociedade é o ódio em forma de ataques, principalmente na internet. Para ele, as fake news vinculadas ao seu nome e ao seu trabalho são considerados os golpes mais sérios.
Por vezes, o líder religioso expõe na internet, como forma de conscientização, alguns dos ataques que recebe pela quantidade assustadora e exagerada de ódio contido em palavras ofensivas. “Há um gabinete de ódio que se multiplicou, e nós não temos que entrar nesse jogo. Nós temos que romper o círculo da violência. Nós não vamos combater ódio com ódio”, completa.
Grandes nomes 2022
Nesta semana, do dia 21 ao 24, outras quatro personalidades serão entrevistadas, das 11 às 12 horas, com transmissão nas redes sociais do O POVO. Ao longo do tempo, o projeto tem ouvido personalidades que fazem diferença no País e que se destacaram por suas contribuições à sociedade.
As apresentações são feitas pela jornalista Camilla Lima, sob a coordenação geral de Nazareno Albuquerque e coordenação executiva de Valéria Xavier, do O POVO. O projeto tem patrocínio da Assembleia Legislativa do Ceará e do Sebrae-CE. Grandes Nomes foi o primeiro projeto desenvolvido pelo núcleo de projetos especiais do O POVO, em 2003.
A experiência vitoriosa deu sequência a mais duas, "O POVO Quer Saber" e "Seminário Empreender". Nasceu como projeto da rádio O POVO CBN e se expandiu para as demais plataformas do Grupo. A cada ano, são escolhidos cinco grandes nomes de diferentes áreas de atuação e com notável reconhecimento do público brasileiro e, em particular, cearense.
Ao longo de 19 anos, foram entrevistados Chico Anysio, Elke Maravilha, Zilda Arns, Kennedy Alencar, Marina Silva, Natalia Pasternak, Ricardo Galvão, Camilo Santana, Severino Ramalho Neto, Carlos Lupi e Luiza Trajano, entre tantos outros nomes expressivos. O jornalista Nazareno Albuquerque coordena o projeto desde a primeira edição.
Sequência de entrevistas desta semana:
- Terça (21): Karla Karenina, atriz, escritora e diretora teatral (entrevistada pela jornalista Juliana Montenegro);
- Quarta (22): Juca Kfouri, jornalista esportivo (entrevistado pelo jornalista Brenno Rebouças);
- Quinta (23): Joaquim Melo, empreendedor social e criador do Banco Palmas (entrevistado pelo articulador regional do Sebrae, Pedro Silva);
- Sexta (24): Geraldo Azevedo, cantor, compositor e violonista (entrevistado pelo jornalista Marcos Sampaio).