Ilustrador recria fotos de parentes que já morreram e famílias fazem fila de espera: "Não dou conta"

O ilustrador Murilo Rossi conta como tem sido sua experiência de trabalhar com a saudade sob encomenda, em reconstrução realista de fotos

Imagine um parente seu que morreu há muitos anos e que você não tem uma boa foto com ele. Ou mesmo alguém que foi embora recentemente e deixou saudade. A falta dos entes queridos que se foram é um tema que ganhou ainda mais força na pandemia de Covid-19. E a tecnologia tem ajudado aplacar um pouco a dor do luto e do saudosismo.

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O ilustrador Murilo Rossi conta ao O POVO como tem sido sua experiência de trabalhar com a saudade sob encomenda, em reconstrução realista de fotos. Murilo, além de cursar Engenharia Civil na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e Arquitetura na Universidade Paranaense (Unipar), ganha a vida como ilustrador.

Mas suas ilustrações não são comuns: ele "traz de volta à vida" parentes de clientes e recria fotos antigas, dando um novo significado a elas.

@murilorossi Eu fiquei impressionado com o resultado, espero que gostem também❤️ #desenhos #arte #artista #montagem #restauracao ♬ La Vie En Rose - Emily Watts

Murilo viralizou no TikTok mostrando seu processo de ilustração no Procreate, aplicativo de ilustração do sistema iOS. Ele mostra a foto original, todo o processo de edição e, por fim, o resultado final.

Nesse intermeio, ele fala detalhes das histórias dos clientes em relação às fotos, geralmente de parentes que já morreram ou que, por qualquer questão, não puderam registrar momentos juntos.

@murilorossi O que me falam dessa encomenda? Espero que gostem! #desenhos #arte #artista #montagem #desenhodigital ♬ Make You Mine - PUBLIC

O ilustrador tem 1,4 milhões de seguidores no TikTok. Atualmente, recebe tantas encomendas de recriação de fotos que disponibilizou uma lista de espera para atendimento. Os valores variam dependendo da quantidade de pessoas na foto e do tamanho da impressão que o cliente deverá receber, ficando entre R$ 150 a R$ 600 por pessoa.

Ao O POVO, o ilustrador diz que começou a praticar o realismo em 2017, mas precisou de algum tempo para aperfeiçoar seu traço, enquanto driblava o tempo entre o hobby e seus estudos.

Só com o início da pandemia de Covid-19, com as aulas da universidade paralisadas, que Murilo conseguiu ter mais tempo para levar seu projeto à frente.

"Por influência dos meus amigos comecei a postar os desenhos nas redes sociais. Não sei se foi sorte ou se era pra ser mesmo, alguns vídeos começaram a viralizar e começaram a surgir encomendas", diz ao O POVO.

O ilustrador diz que começou com as ilustrações com o início da pandemia de Covid-19, com as aulas da universidade paralisadas.
O ilustrador diz que começou com as ilustrações com o início da pandemia de Covid-19, com as aulas da universidade paralisadas. (Foto: Arquivo pessoal)

O estudante de arquitetura relembra que, a princípio tinha receio da recepção ao trabalho. "Nessa época eu ainda não postava as encomendas, em si, porque tinha medo da reação do público: 'Nossa, fazer desenhos de pessoas que já faleceram', era uma coisa que nunca tinha pensado em compartilhar. Até que uma cliente perguntou se eu poderia postar o dela e, quando vimos, o vídeo do desenho já estava com mais de 5 milhões de visualizações", aponta.

Segundo o artista, as histórias dos clientes são sempre muito semelhantes entre si.

"Sempre tem alguém que quer trazer aquele ente querido que já faleceu para mais pertinho, melhorar a qualidade de uma foto que foi tirada décadas atrás ou mesmo o que eu chamo de criar memórias, que seria essa junção de várias pessoas em uma foto", diz, referindo-se a ilustrações como a de Duda Reis, que pediu para construir a foto do avô em sua festa de 15 anos, momento esse em que ele não estava mais vivo. Veja abaixo:

@murilorossi Gente, olhem essa encomenda que fiz para a @duda reis espero q gostem! #desenhos #montagem #desenhodigital #arte #artista ♬ Where's My Love (Alternate Version) - SYML

Murilo diz ainda que foram as ilustrações que trouxeram sua independência financeira: "Hoje, pago o meu aluguel e minhas contas com o que eu ganho com os desenhos". Mas mais do que o impulso financeiro, o estudante ainda reflete sobre o impacto do seu trabalho na vida dos clientes. Para ele, a demanda ainda é grande para a quantidade de ilustradores que fazem esse trabalho. 

"Eu sei que existem outros profissionais da área, muitos inclusive são amigos meus e artistas incríveis. E por mais que eu queira atender todas as pessoas, infelizmente não dou conta e tenho que acabar repassando essa demanda pra eles", afirma.

Lidando com o luto

De acordo com o historiador israelense Yuval Harari, autor do best-seller 'Sapiens: Uma breve história da humanidade', a arte pode ser uma grande aliada quando se trata de comunicar temas subjetivos, por se tratar de um meio de expressão que expõe conteúdos ainda não elaborados pelo lado racional.

A psicóloga clínica Sabrina Gomes fala sobre a importância de trabalhos criativos, como o de Murilo, na superação do luto. "Esses processos trazem um espaço seguro para a livre expressão e experimentação de sentimentos e emoções que muitas vezes são difíceis de serem compreendidas e compartilhadas", afirma em entrevista ao O POVO.

A estudiosa também aponta que a tecnologia associada ao cuidado com os enlutados é um campo de pesquisa que ainda precisa ser estudado e desenvolvido. Principalmente quando se pensa no contexto pandêmico de Covid-19, quando mais de 600 mil brasileiro morreram em decorrência do novo coronavírus. 

"As medidas sanitárias de segurança exigidas para a Covid-19 desafiam o enlutado a criar maneiras de se despedir e cuidar do próprio luto diante da impossibilidade de ritualizar o velamento com a presença dos amigos e familiares, além de receber conforto e abraços das pessoas queridas", ressalta a psicóloga. Ela ainda aponta que a vivência do luto é fundamental para a reconstrução diante da quebra do vínculo e para a ressignificação da relação com o falecido.

"Para a maior parte dos indivíduos, o auxílio de outros indivíduos, como familiares e amigos, contribuem na passagem desse processo. Com o tempo o enlutado vai retornando ao seu cotidiano, ressignificando sua vida. Para outros indivíduos, lidar com essa perda é algo que precisa ser analisado com auxílio de um profissional em um processo terapêutico", alerta.

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