Alice Marina Mendes, 21 anos, está entre os inscritos para fazer as provas em Libras. Este foi o primeiro Enem dela. “Achei muito bom, quando eu leio em português às vezes não consigo entender, pois português é muito profundo, principalmente texto longo. Então, explicar em Libras é mais claro”, diz.
Como outros estudantes surdos, Alice tem Libras como primeira língua. “A maioria dos surdos não entende português, por isso é necessário colocar a prova em Libras, que é a língua deles e a minha. Ouvintes têm a língua deles, que é o português. A nossa é Libras”, explica. A vídeoprova em Libras é uma demanda antiga. Ela passou a ser aplicada em 2017. A partir de 2018, as provas já aplicadas passaram a ser disponibilizadas no portal do Inep para, assim, os participantes poderem estudar as questões e conferir os gabaritos, como ocorre com a aplicação regular.
Com o exame mais inclusivo, surge também a demanda por preparos específicos voltados para cada tipo de necessidade especial. Foi a falta de materiais de estudos voltados para estudantes surdos que fez com que Bruna Wendhausem Enne fundasse o Sinaliza Enem, curso online de preparo para o Enem em Libras.
“A prova em Libras é muito importante para os surdos. Além da língua, a prova adaptada tem algumas questões, por exemplo, que têm a ver com música, com microfone, alto falante, coisa que esses estudantes não têm acesso no cotidiano deles. Ela não é só traduzida, é pensada para os surdos”, diz.
Bruna explica que, assim como o português, Libras tem regionalismos. O cursinho preocupa-se, então, em mostrar para os alunos os diferentes sinais usados nas diversas partes do Brasil para que eles possam estar preparados no dia do exame.
O cursinho, que foi criado em 2020, ajudou no preparo de três candidatos aprovados no ensino superior com o último Enem. Para Bruna, a inclusão desses estudantes trará também transformações para as universidades. “A gente percebe o primeiro surdo que entra, a universidade está completamente desesperada, chega a ligar para ele para confirmar a matrícula. Depois, isso muda. Quando outros entram, já tem um grupo para recebê-los”.
Tempo adicional
Ottis Dominique Medeiros Vör Tonons é autista e tem transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Esta é a segunda vez que faz o Enem. Ele tem direito a recursos como tempo adicional de prova, auxílio para leitura e auxílio para transcrição. Em 2018, fez essas solicitações. “A pessoa leu a prova toda para mim - tem a opção de ler só quando precisar ou ler tudo. Fiquei em uma sala separada, eu poderia andar pela sala também. Uma pessoa lê e outra transcreve”, conta.
Este ano, Tonons acabou perdendo o prazo de solicitação dos recursos e acabou fazendo a prova regular. “A prova em si foi muito ruim, principalmente por ter algumas questões que têm como opção ironia e eu não saber onde ela está, sabe? Essas pegadinhas, ironias, me atrapalham. Tinha apenas 17 pessoas na sala comigo. O ventilador fazia um som horrível”, diz.
São mudanças que fariam toda a diferença e que permitiriam que ele demonstrasse de fato os conhecimentos que tem. “Eu chutei 15 questões que tinham o enunciado muito grande e foquei nas questões pequenas, me forçando a ler, pensar e responder em um minuto as outras 30. No cartão resposta, literalmente ficou faltando marcar a questão 90. Ficou bagunçado pra mim este ano”.
Melhorias
Apesar dos avanços na acessibilidade, ainda há o que pode ser melhorado no Enem. No caso dos participantes surdos, uma das melhorias citadas por Bruna é que as plataformas de inscrição no Enem e nos programas que utilizam as notas da prova, como o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), ainda não disponibilizam versão em Libras. “Eles ainda têm dificuldade com isso”, alerta.
Outro recurso disponibilizado pelo Enem é o uso do nome social. O tratamento pelo nome social é destinado ao participante que se identifica e quer ser reconhecido socialmente em consonância com sua identidade de gênero, como os participantes transexuais, travestis ou transgêneros.
Tonons está também entre esses candidatos. “Para mim, [o nome social] é importante não só pelo conforto de se sentir certo em um lugar, mas também a segurança que isso dá na hora da prova. Pode parecer que é besteira, porque só é chamado o nome uma vez [durante a aplicação do Enem], mas não é. Para quem não tem o documento retificado, isso pode causar desconforto, a sensação de "lembrar quem era antes" ou até de perder um tempo durante a prova, lembrando da situação incômoda de ouvir um nome que de fato não é seu e ter de atender por ele”, diz.
Tonons conta que, em 2018, não conseguiu usar o nome social na prova. Segundo ele, o pedido poderia ser mais simples. O participante deveria poder solicitar como quer ser chamado e a conferência se daria pelo CPF, nome da mãe, sobrenome. De acordo com o edital do Enem, atualmente, é preciso enviar uma foto recente nítida, além de documento de identificação oficial com foto, válido.
Enem 2021
O Enem começou a ser aplicado no último dia 21 e segue neste domingo (28), quando os estudantes farão as provas de matemática e de ciência da natureza.
O Enem seleciona estudantes para vagas do ensino superior públicas, pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), para bolsas em instituições privadas, pelo Programa Universidade para Todos (ProUni), e serve de parâmetro para o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Os resultados também podem ser usados para ingressar em instituições de ensino portuguesas que têm convênio com o Inep.
Questões do Enem
Para testar os conhecimentos, os estudantes podem acessar gratuitamente o Questões Enem, banco que reúne todas as questões do Enem de 2009 a 2020. No sistema da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), é possível escolher quais áreas do conhecimento se quer estudar. Confira aqui mais detalhes da cobertura da EBC do Enem 2021.
Acompanhe a cobertura da Agência Brasil sobre o Enem 2021: