Emilly Fidelix: inovações pedagógicas e o efeito da pandemia na educação

A professora realiza palestras e cursos de formação para educadores, incentivando o uso da tecnologia para inovar o método de ensino e engajar alunos

"Por que eu tenho que estudar este tal de Gétulio Vargas?". Essa foi a pergunta feita por um aluno à professora Emilly Fidelix, 28, em 2015. Hoje, seis anos depois, a educadora é especialista em Tecnologias e Comunicação e dá cursos com o intuito de incentivar uma educação mais ativa, na qual estudantes não apenas saibam a importância do aprendizado, mas também estejam envolvidos e engajados com ele. 

Para alcançar esse fim, a professora, doutoranda em História da Cultura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), incentiva o uso de recursos tecnológicos. Há cerca de três anos, ela criou um Instagram, também inspirada por alunos, para difundir seu conteúdo, e acabou virando influenciadora digital. A página @seligaprof tem mais de 50 mil seguidores e ampliou o projeto que ela já idealizava.

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Emilly irá participar, nesta quarta-feira, 14, da primeira edição do "Fala By Cloe", evento online que busca promover uma discussão sobre as inovações e os desafios do ensino no Brasil. Falando sobre "a aula mais legal do mundo", a professora vai discorrer acerca dos desafios de transformar o momento letivo em uma experiência mais interessante e dar dicas de como educadores podem alcançar esse objetivo.

Ao O POVO, Fidelix lembra como percebeu a necessidade de transformar a maneira de lecionar, incluindo o uso da tecnologia, e relata as dificuldades de professores em sair do método mais "conteúdista". Além disso, a educadora analisa o impacto da pandemia no processo educacional, faz criticas à aplicação do modelo remoto e visualiza as marcas que a pandemia está deixando no processo educacional.

O POVO - Quando você percebeu a necessidade de transformar a forma de ensino?

Emily Fidelix - Ensinava a sexta série, e aí, no meio das duas aulas, tinha um recreio. Quando eles voltaram, um aluno perguntou: "Professora, por que eu tenho que estudar esse tal de Getúlio Vargas?" E aí eu pensei: "Tá, mas por que eles têm que estudar?". Eu como especialista não consegui responder para eles, e aquilo foi um baque muito grande. Então, a partir dali eu comecei a trabalhar fundo com audiovisual (nas aulas). Foi muito essa coisa de teste e experiência. 

OP - Por que a escolha pela tecnologia para esse processo? De onde veio a ideia?

Emily - Eu acho que isso vem muito da minha geração, porque eu tive meu primeiro computador com 12 anos. Até os meus 12 anos, a minha infância foi no universo offline, depois que ganhei meu primeiro computador eu não vivo mais sem o teclado. Então, eu comecei a lidar muito com o uso e a exploração de ferramentas digitais, e alguns professores do ensino médio trabalharam muito isso, e eu fui apurando. Eu passei por uma transformação muito forte de totalmente offline pra completamente online, então eu fui trazendo muito desse repertório que eu como adolescente construí, e eu trazia isso de forma muito empática. 

OP - Como surgiu o projeto Se liga prof? Para qual público ele é direcionado? 

Emily - É um projeto voltado para formação de professores. Veio muito da minha experiência em sala de aula, a maior parte da minha experiência veio da escola pública (...) Eu não queria ser professora, queria ser jornalista. Acabei conseguindo entrar pra História e, quando comecei, uma das coisas que sempre tive como fundamental foi a comunicação, como eu conseguia exercer a comunicação de forma atrativa. Um dia eu estava trabalhando em uma escola de periferia, em um bairro super violento. E um dia um aluno veio me pedir: "Professora, me dá um ponto?". Eu falei: "Vai estudar" (risos). Ele gritou pra mim :"Se liga, prof". Quando ele falou pra mim, eu, opa, o se liga nasce de dentro da escola, e todo percurso passa por dentro dela. Ele começa offline. Fui percebendo essas dificuldades dos professores que viviam comigo e comecei a ensinar gratuitamente, e aquilo foi se espalhando.

OP - Como um educador que tem dificuldade com tecnologia pode começar a utilizá-la para ensinar? Quais são os primeiros passos?

Emily - Determinar qual a sua necessidade, que tipo de ferramenta você gostaria de usar, se você quer um jogo, se você quer uma ferramenta para fazer um quiz, uma avaliação online ou quer explorar a biografia de um grande artista... A partir disso, o que eu pego? O que vai fazer sentido para enriquecer essa experiência? Baixar a ferramenta, testar, ver se tem limite de número de estudantes e se é uma ferramenta colaborativa, se explora a criatividade, como a gente pode fazer isso pensando sempre na questão da idade do aluno. É preciso testar, é preciso ter um certo domínio, mesmo que básico.

OP - Acha que as escolas já entenderam a importância de usar esses recursos tecnológicos no processo de aprendizagem? O que ainda falta melhorar nesse sentido?

Emily - A gente já passou da fase de entender a importância do uso de tecnologia, não que isso seja uma unanimidade, mas a gente já percebeu a importância. Agora é o momento de passar a pensar sobre isso de forma reflexiva. A gente precisa pensar nos usos que são feitos hoje sobre isso. É o momento de pensar na intencionalidade, para a gente não cair naquela de uso pelo uso, é importante a gente ter esse canal de conhecimento.

OP - No "Fala By Cloe" você vai falar sobre a aula mais legal do mundo, que tipo de aula seria essa? O que o professor precisa fazer para alcançar esse objetivo?

Emily - Ela precisa ser legal para o professor e para o estudante. Dito isso, é preciso que o professor entenda também qual é o seu perfil profissional. Muitas vezes, a gente atribui a aula mais legal do mundo àquele professor que chega na sala gritando, que conta piada, que é super agitado, que sobe na mesa...E isso, às vezes, gera uma certa ansiedade no professor que, de repente, se compare com aquilo ou tente de certa forma trazer esses elementos para a sua sala de aula, para a sua prática. No entanto, esses elementos não fazem parte da personalidade dessa pessoa, o que acaba trazendo uma frustração. Para você criar a aula mais legal do mundo, é importante que o professor conheça o seu próprio perfil, que ele conheça as potencialidades da sua história de vida, da sua trajetória e da sua personalidade. Tenha um diagnóstico claro de tudo isso e aproveite essa potencialidade na sua prática. Ela deve ser feita a partir desse perfil do professor e de alguns pilares como ter um raio X de quem é esse estudante, o que é interessante para ele, quais são seus interesses fora da escola e como que eu consigo conectar todas essas experiências, todas essas informações que eu sei sobre ele e o meu conteúdo, a minha pratica pedagógica.

OP - Quais as principais dificuldades dos profissionais que procuram pelo projeto?

Emily - A principal questão hoje é a falta de engajamento dos alunos, principalmente porque os professores, de forma geral, estão em formatos diferentes. Alguns estão ensinando de forma remota, outros de forma híbrida. São formatos diversificados, e a questão do engajamento é muito importante para o professor porque eles estão percebendo isso, a falta de atenção do estudante. O professor se vê muito perdido nesse sentido porque a nossa geração foi ensinada toda vida em um modelo de escola, e agora nós lidamos com uma outra geração, que nasce em outro tempo, que não sabe como viver sem estar conectado na internet, que tem uma interpretação de viver muito diferente da nossa. Ensinar como manter a atenção sempre é muito requisitado.

OP - Você falou sobre o formato de ensino remoto, acredita que esse método seja valido e possível após a pandemia? A experiência mostrou que o modelo é o ideal?

Emily - O ensino remoto é possível, mas no formato como aconteceu não é o ideal. Se a gente for pensar, o ideal é esse modelo híbrido, o momento onde a turma está online e o momento onde a turma está presencial. Esse modelo remoto emergencial excluiu muito as pessoas que moram em regiões isoladas, que não têm acesso ao celular, que têm um celular por família. Os professores precisaram se desdobrar em atividades feitas por WhatsApp, que não é uma ferramenta ideal para uso pedagógico. Para a gente caminhar num país onde o modelo hibrido possa ser colocado em todas as esferas, a gente precisa de politicas públicas, a gente precisa de investimento.

OP - Como você analisa a adaptação dos professores a esse processo? O quanto a crise sanitária teve impacto sobre eles?

Emily - Foi muito difícil, foi um momento muito caótico, em que muitos professores pediam socorro. Lembro que fazia lives, e lives toda semana, foi um ruptura muito grande. Foi todo um período de adaptação para entender as diferenças de uma aula presencial para uma aula online, onde você está em outro ambiente. O fundo da casa aparecendo passou a incomodar muito os professores porque sentiam a intimidade violada. Para o professor foi um desafio onde ele passou a aprender as ferramentas no mesmo momento onde dava as aulas, não teve um momento de formação. Foi um desafio para a saúde mental, pelo medo de algo novo e a adaptação.

OP - Com a volta do ensino presencial, que tipo de ações a escola pode adotar para auxiliar o educador na readaptação?

Emily - Eu estava lendo sobre ações de algumas escolas no mundo para a retomada. O papel da liderança escolar é fundamental. Tem escolas que estão fazendo parceria com profissionais de yoga, de educação física, com psicólogos que fazem um trabalho voluntário de ir na escola conversar com professores. Não é uma decisão unilateral. Eles fizeram enquetes, e os professores votaram no que gostariam, e baseado nisso eles fizeram essas atividades. O papel principal do coordenador é dar aquele apoio. São algumas práticas que a liderança pode tomar e que gera a sensação de que tem alguém para te dar suporte.

OP - E de uma forma geral, como o momento atingiu professores e instituições de ensino? O que vai ter mudado no pós-pandemia?

Emily - Essa mudança toda vai nos mostrar que as tecnologias são muito importantes, a gente precisa se apropriar, mas a gente precisa também voltar a valorizar o humano, o que de mais humano há, que é essa troca de experiência, de estar junto, de compartilhar, de ter aquele momento de qualidade em que o professor vai estar ali acompanhando o estudante. Esse momento de troca entre as pessoas, de 'olho no olho', acredito que ele vem mais forte. Eu acredito que na volta esse espaço de troca, o trabalho em dupla, essa formação de professores presencial, acredito que essa valorização do 'olho no olho' vai ser um pouco mais importante, além da consciência amplificada de a gente aderir à tecnologia e estar aberto, ter uma abertura a esse universo. 

Serviço
Fala by Cloe

Quando: Quarta-feira, 14, e quinta-feira, 15, das 17 às 19h30min

Onde: Transmissão na página https://falacloe.com.br/

Gratuito


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