Sigla LGBTQIA+: o que significa cada letra, segundo quem se identifica com elas
O acrônimo passou por várias transformações ao longo dos anos, ao passo em que novas discussões sobre sexualidade e identidade de gênero provocaram mudanças dentro do próprio movimentoO movimento que luta pelo reconhecimento da diversidade sexual e por direitos de homossexuais foi por décadas citado como GLS — remetendo a gays, lésbicas e simpatizantes da causa. Essa abreviação, no entanto, passou por transformações ao longo dos anos e aderiu novas letras, reconhecendo demais sexualidades e a existência de outras identidades de gênero. Todas essas mudanças resultaram na atual e mais completa versão da sigla, que representa uma comunidade cada vez maior e inclusiva: LGBTQIA+.
O primeiro ato de transformação do acrônimo ocorreu em meados de 1980, quando a comunidade e meios de comunicação passaram a utilizar a sigla LGB (lésbicas, gays e bissexuais) para falar sobre o movimento, fazendo com que o GLS caísse gradualmente em desuso. Poucos anos depois, a abreviação teve a letra “T” incluída, em alusão a travestis, transexuais e transgêneros. Era a primeira vez que o movimento não apenas representava a diversidade sexual como também aludia de forma direta a identidade de gênero.
É + que streaming. É arte, cultura e história.
Desde então, novos debates acenderam questões dentro da própria comunidade e a inclusão de letras na sigla foi ganhando continuidade. Na tentativa de abranger todos os gêneros e orientações sexuais, o símbolo do + foi acrescentado na abreviação, evidenciando a pluralidade existente na luta. No mês do orgulho LGBTQIA+, saiba o significado das letras que compõem a sigla do movimento, explicadas com quem tem a orientação ou identidade de cada uma delas.
(L)ésbicas: São mulheres que sentem atração afetiva ou sexual por outras mulheres. A letra “L”, que representa esse grupo, esteve presente já na sigla de “batismo” da comunidade (GLS) e a luta do grupo ganhou forças durante as manifestações de movimentos feministas, que buscavam também pela liberdade sexual.
Foram essas lutas que abriram caminhos para mulheres como Daniele Costa, 37 anos, que se entendeu como lésbica aos 25 anos. "Junto a essa descoberta a avalanche de informações que tinha na internet foi fundamental para me reconhecer como uma pessoa normal e para saber que eu não estava sozinha. Até então não sabia nada sobre o assunto de movimentos e de toda a luta", relembra.
A dona de casa vive um relacionamento sério há seis anos com sua companheira, com quem atualmente já está em união estável. Esse instituto jurídico para casais homoafetivos foi reconhecido no Brasil somente há dez anos. "De acordo com minha vivência, acredito que com essas conquistas estamos aos poucos tendo nossos direitos reconhecidos", frisa Daniele.
(G)ays: O nome faz referência a homens que sentem atração afetiva/sexual pelo mesmo gênero. Antes mesmo do surgimento da sigla GLS as pessoas costumavam utilizar a palavra gay para se referir a homossexualidade como um todo, sendo a letra “G” uma das primeiras a integrar a nomenclatura que faz referência ao movimento.
“Acredito que a primeira letra que ganhou visibilidade na primeira sigla foi o g, portanto acho importante a sua inclusão, porém é necessário dar mais visibilidade e voz aqueles que estão na linha de frente desde sempre”, destaca Isaac Basilio dos Santos, 25 que há cerca de sete anos assumiu sua orientação sexual para a família e precisou desconstruir o preconceito alimentado em sua criação. Atualmente, o auxiliar administrativo afirma conseguir viver a “sexualidade abertamente” em todos os ambientes que ocupa.
(B)issexuais: São homens e mulheres que sentem atração afetiva ou sexual por mais de um gênero. Fora do movimento, e até dentro do próprio, a bissexualidade muitas vezes é lida erroneamente como uma “indecisão”, uma fase onde o indivíduo está se “decidindo” ou se “descobrindo”.
Esse estigma é enfrentado por bissexuais como Tainã Maciel, 23, que há três anos passou a entender e a se permitir vivenciar a atração que sentia por mulheres. Quando falou para sua mãe que era bissexual, ouviu a pergunta: “Mas afinal, você é lésbica, heterossexual ou tá indecisa?”. Em resposta, a estudante de jornalismo apenas afirmou: “Eu posso amar pessoas, independente de qualquer coisa”.
(T)ravestis, transexuais e transgêneros: Travestis, transexuais e transgêneros são terminologias dadas a índividuos que não se identificam com o gênero que lhe foi atribuído ao nascimento. Joaquim Ferreira, 27, explica que esses são conceitos relacionados à identidade de gênero e não à sexualidade.
O jovem há cinco anos se reconheceu como transexual e decidiu passar pelo processo de transição, se transformando em quem realmente é. “Tem sido uma fase bem especial pra mim, um entendimento com o meu próprio corpo que eu nunca consegui ter antes. Quando a gente consegue viver quem nós somos o mundo que abre parece nos trazer mais felicidade, apesar de todo preconceito que a gente sofre”, frisa o estudante.
Embora a letra “T” não tenha sido incluída nas primeiras versões da sigla, as mulheres trans e as travestis há muito reivindicam pelos direitos da comunidade. “Foi importante a inclusão (da letra) porque nós estivemos à frente da luta pela diversidade sexual. Lutando por direitos básicos, como o de viver”, afirma Yara Canta, artista e coordenadora geral da Associação de Travestis e Mulheres Transexuais do Ceará (Atrac).
(Q)ueer: São pessoas que transitam entre os gêneros feminino e masculino ou em outros gêneros cujas duas definições não se aplicam. A palavra "Queer" surgiu na língua inglesa como um adjetivo cujo sentido era pejorativo para homossexuais. No entanto, a comunidade se apropriou da nomenclatura para dar um novo sentido aos insultos.
“Se você pesquisar o que significa Queer, você irá encontrar a palavra viado, bichinha. A palavra Queer foi usada para nos reafirmar enquanto corpos não binários e para dizer para as pessoas que sim, somos bichas e não vamos abaixar nossas cabeças para o preconceito”, afirma o estudante de dança João Pedro Oliveira de Farias, 22, explicando que o termo também engloba mulheres que não correspondem a ideia do “feminino”.
O jovem conta ter passado por insultos na infância, sendo chamado de nomes como “bichinha” por apresentar um comportamento “afeminado”. Quando cresceu, tentou se encontrar dentro do movimento gay, mas foi quando estudou a Teoria Queer que entendeu que não estava só. “Percebi que existem mais pessoas assim como eu, que fazem parte desse movimento que busca questionar toda essa heteronormatividade”, relembra.
(I)nterssexuais: São indivíduos cujo desenvolvimento sexual não se enquadra na norma binária. Ou seja, uma pessoa que nasce como mulher e homem, no sentido genital ou hormonal. Esse é o caso de Amiel Vieira, membro-fundador da Associação Brasileira de pessoas intersexo (ABRAI), que aos 33 anos encontrou uma carta que indicava que ele era intersex, depois de passar três décadas acreditando ser algo que não era.
Logo após o ocorrido buscou por históricos médicos e descobriu que aos sete meses de idade foi operado para ser uma menina. Além de intersex, Amiel é um homem transexual. “As pessoas intersex normalmente passam pelo silêncio e pelo segredo e podem morrer sem saber quem elas foram”, destaca o sociólogo e ativista.
(A)ssexuais: São pessoas que não sentem atração sexual por outras pessoas, fator que independe do gênero. O caráter “A” também pode ser aplicado a arromanticidade, termo utilizado para identificar indivíduos que sentem pouca ou nenhuma atração romântica. Isso é o que explica o estudante Kalel Benevides, 21, destacando que essas condições são naturais e que a inclusão da letra na sigla do movimento é uma evidência da “diversidade” humana.
“Eu já sabia de uma certa forma que era (assexual) mas não sabia o nome e passei muito tempo me sentindo quebrado pois via muitas pessoas na adolescência meio que no auge da puberdade e essas coisas em relação a atração sexual enquanto eu ficava tentando entender o que era isso até perceber que não tem nada de errado comigo”, relata o jovem, compartilhando a própria experiência para destacar a naturalidade da orientação.
(+) O símbolo é usado para abranger todas as pessoas que não se encaixam nas letras da sigla, como pansexuais por exemplo- que são aquelas que sentem atração por pessoas independente do gênero. São também incluídos os não-bináries, indivíduos que não estão em conformidade com seu gênero biológico, como explica Tales Figueiredo, 20.
“Por mais que as pessoas não binárias também sejam pessoas trans, muitas ainda acreditam que o ideal é termos uma luta conjunta, mas também própria já que alguns direitos coletivos e políticos se distinguem dos daqueles das pessoas trans binárias”, afirma o estudante de Ciências Sociais.
O jovem relata que sempre se sentiu diferente dos outros meninos e meninas de seu convívio, descobrindo apenas há cerca de seis anos o sentido da não binariedade, termo no qual se encaixa. “Existem especificidades em quem eu sou, no gênero ao qual eu me identifico, mas politicamente, dentro do +, eu sou uma pessoa não binária muito feliz de ser quem é”, pontua.
Mudanças e questionamentos
Os debates acerca da pluralidade da sigla seguem ocorrendo dentro do movimento, indicando mudanças em um horizonte não tão distante. Exemplo disso é que algumas organizações e coletivos já começam a utilizar a sigla LGBTQIAP + , incluindo a letra “P” de pansexual, que na versão atual da nomenclatura está dentro do símbolo +.
Além disso, a letra “Q” de queer, não é utilizada na abreviação por alguns coletivos da América Latina. Segundo Tales Figueiredo, que também é pesquisador de gênero e de sexualidade, isso se deve ao fato de que a palavra é um termo que surgiu no contexto europeu, para identificar pessoas marginalizadas, o que levanta o questionamento por parte de algumas pessoas da comunidade acerca da inclusão da letra na sigla.