PCC planejou carro-bomba para explodir prédio da Bolsa em SP com "inspiração" no 11 de setembro

Ataque foi montado em outubro de 2002 e seria um protesto pela remoção dos líderes do PCC para o recém-inaugurado Centro de Readaptação Penitenciária(CRP) de Presidente Bernardes (SP)

09:40 | Mar. 10, 2021

Por: Redação O POVO
Pessoas caminham em frente à Bovespa, em São Paulo (foto: YASUYOSHI CHIBA)

Um carro-bomba foi montado em outubro de 2002 com 30 kg de dinamite a mando do Primeiro Comando da Capital (PCC) para ser usado em um atentado em São Paulo. A facção visava explodir o veículo na porta do prédio da então Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), na região central da capital paulista, segundo  informações do colunista Josmar Jozino, do portal UOL.

O modelo era um Gol cinza, roubado, e foi preparado por um integrante da facção criminosa, especialista em explosivos. As polícias, o Ministério Público e o Poder Judiciário tinham informações sobre o plano terrorista, porém, não sabiam onde ou quando seria o ataque. Faltava uma semana para o segundo turno da eleição presidencial daquele ano. 

O ato terrorista seria um protesto pela remoção dos líderes do PCC para o recém-inaugurado Centro de Readaptação Penitenciária(CRP) de Presidente Bernardes (SP). O presídio foi construído com 160 celas individuais para isolar em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) integrantes de facções criminosas. 

O sistema não permitia visita íntima e o preso fica trancado 22 horas por dia sem direito a rádio, TV, jornais e revistas, com banho de sol de duas horas. Os presos César Augusto Roriz Silva, o Cesinha, e José Márcio Felício, o Geleião, dois fundadores da facção, eram os chefes do PCC à época. Cesinha foi amigo de adolescência de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, atual líder máximo da organização. 

Motivações

 

Conforme fontes policiais, Cesinha assumiu ter escolhido o edifício da Bolsa por dois motivos: considerava a Bolsa de Valores o símbolo do capitalismo no Brasil e do sistema econômico responsável, segundo ele, pela riqueza de poucos e pela pobreza de milhões. 

O segundo motivo era a localização do prédio: praticamente no marco zero da cidade de São Paulo, local de grande movimentação de pessoas. A intenção do PCC era matar dezenas, centenas de vítimas. 

Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos ainda repercutiam no mundo e serviram de "inspiração" para o PCC, segundo a Policia. Portanto, considerando as Torres Gêmeas, em Nova York, símbolo do capitalismo norte-americano, a facção escolheu o prédio da Bolsa de São Paulo como alvo. 

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Trabalho policial

 

Esforços que envolveram a Polícia Civil, o Ministério Público e o Poder Judiciário foram mobilizados para descobrir o local e tentar impedir o ataque terrorista. A desembargadora Ivana David Boriero era na ocasião juíza-corregedora do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (Dipo) e lembra que na época não existiam recursos tecnológicos como hoje.

"Não existia delegacia especializada em investigar facções criminosas. O Gaeco [Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado], do Ministério Público, havia sido criado alguns anos antes. Tudo era mais difícil", explica Ivana.

A pedido do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), Ivana autorizou, no primeiro momento, a realização de interceptações telefônicas envolvendo suspeitos pelo planejamento do atentado, classificado por ela de "terrorismo urbano".

"Todos nós ficamos muito assustados com o possível ataque. Os grampos telefônicos e os cruzamentos de informações do serviço de inteligência das forças de segurança foram decisivos para identificar os autores. O PCC já mostrava a cara naquela época. Era terrorismo urbano", afirma.

Segundo a desembargadora, o PCC, além de planejar o ataque ao edifício da Bolsa, ameaçava também explodir estações do metrô no horário de pico, principalmente a do Jabaquara, na linha 1-azul, uma das mais movimentadas.

"Muitas vezes, na madrugada, eu tinha de autorizar a entrada de policiais nos trilhos do metrô para rastrear as linhas à procura de explosivos. Havia essas denúncias", relembra. As varreduras eram feitas pelo Grupo Especial de Resgate (GER) unidade de elite da Polícia Civil.

 

Desfecho

 

No dia de 20 de outubro, um domingo, a mulher de um dos chefões do PCC foi presa na saída do CRP de Presidente Bernardes. Ela tinha ido visitar o marido e foi acusada de repassar aos comparsas as ordens para a montagem do carro-bomba e o atentado.

No dia seguinte à prisão da mulher do líder do PCC, o Deic recebeu telefonema anônimo informando o local onde o Gol cinza com os explosivos tinha sido abandonado. O veículo foi encontrado no acostamento do Km 91 da rodovia Anhanguera, em Campinas (SP).

Foram expedidos mandados de busca e apreensão em endereços dos suspeitos de envolvimento na ação terrorista. Os acusados pela montagem do carro-bomba foram identificados, presos, processados e condenados. "Felizmente o ataque foi abortado", comemora Ivana até hoje.

A eleição presidencial transcorreu tranquilamente, culminando na eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Porém, em março de 2002, sete meses antes do encontro do Gol cinza, o PCC já havia montado seu primeiro carro-bomba: um Escort branco com 40 kg de dinamite foi deixado no pátio do Fórum Criminal da Barra Funda, zona oeste da capital.

O complexo judiciário era também a sede do Dipo, onde Ivana David era juíza-corregedora. O local recebia milhares de pessoas diariamente e teve de ser evacuado às pressas. O Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) unidade da Polícia Militar especialista em explosivos, desarmou o artefato. Ninguém ficou ferido e o PCC assumiu a autoria do plano de atentado terrorista.