"A última coisa que ele falou para mim foi: 'Milena, me ajuda'", diz esposa de homem espancado até a morte em Porto Alegre
Testemunha relata que a agressão durou cerca de sete minutos até que João Alberto parasse de respirar; esposa e outras pessoas tentaram ajudar, mas foram impedidos por outros seguranças do local
16:14 | Nov. 20, 2020
A esposa do homem negro, Milena Borges Alves, morto em um supermercado Carrefour de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, disse que as últimas palavras dele para ela foram um pedido de socorro. Seu marido, João Alberto Silveira Freitas, 40, foi espancado e morto por dois homens brancos na noite desta quinta-feira, 19, e o assunto esteve entre os mais comentados do Twitter na manhã desta sexta-feira, 20, que marca o Dia da Consciência Negra.
Em entrevista ao UOL, a cuidadora de idosos contou que ela e o marido foram ao mercado, que fica a cerca de 600 metros do apartamento do casal, para comprar ingredientes do jantar e para cozinharem um pudim de pão, sobremesa que João Alberto desejava comer.
Ela relata que, ao chegar no caixa, João Alberto acenou para uma segurança mulher. De acordo com a esposa, a ação teria desencadeado as agressões que o marido viria a sofrer mais tarde naquela noite. "A segurança se sentiu ofendida e chamou os colegas. Mas ele sempre foi muito brincalhão", diz Milena.
Após o aceno, a esposa ficou no caixa e o marido foi para o estacionamento, onde outros seguranças passaram a segui-lo. Quando ela finalizou a compra e foi ao estacionamento, viu seguranças correndo e passando por ela. Ela não sabia que os homens estavam atrás de seu marido. Ao chegar na garagem, ela viu dois homens imobilizando João Alberto. Nesse momento, o homem já havia sido espancado.
“Quando fui tentar ajudar, o segurança me empurrou e aconteceu essa tragédia. A última coisa que ele falou para mim foi: 'Milena, me ajuda'”, relata a esposa.
Na entrevista, a mulher conta que só viu o vídeo das agressões minutos depois. "Não esperava aquilo ali, que acontecesse aquilo ali. É complicado. Achei muito forte a cena, o que fizeram com ele foi absurdo", disse.
Outro depoimento
Um vizinho da vítima, Paulão Paquetá, também contou ao UOL ter presenciado o momento da morte de João Alberto. O homem estava chegando no local na hora das agressões e diz que estava a mais ou menos 10 metros quando começou. “Tentamos intervir, mas não conseguimos”, relata.
Conforme diz Paquetá, cerca de oito seguranças ficaram no entorno da área impedindo a aproximação de pessoas que tentavam parar as agressões. “Não pararam. A gente gritava 'tão matando o cara', mas continuaram até ele parar de respirar, fizeram a imobilização com o joelho no pescoço do Beto, tipo como foi com o americano [George Floyd, morto por policiais neste ano nos Estados Unidos]."
Presidente da Associação de Moradores e Amigos do Obirici, Paquetá calcula que as agressões duraram cerca de sete minutos. Segundo ele, alguns motoboys que filmaram a violência tiveram os celulares tomados para não registrarem toda a ação. "Quando viram que ele parou de respirar, eles se apavoraram. Chamaram a Brigada [Militar], que isolou ali e o Samu tentou reanimar", relata.
De acordo com o líder comunitário, não é o primeiro relato de agressão no mercado. "Não é primeira ocorrência do tipo. É a primeira de óbito. Todo mundo sabe que são agressores [seguranças do local] mesmo. É muito difícil. Revolta pela maneira que ele foi morto brutalmente. Ser humano nenhum merece ser agredido daquela jeito, ter a vida ceifada de maneira tão brutal, tão animal.", comenta.
Os agressores
Os dois suspeitos de espancar João Alberto têm 24 e 30 anos e foram presos em flagrante. Um deles é policial militar e foi levado para um presídio militar. O outro é segurança da loja e está em um prédio da Polícia Civil. A investigação trata o crime como homicídio qualificado.
A Polícia Militar (PM) no Rio Grande do Sul apurou que o espancamento começou após um desentendimento entre a vítima e uma funcionária do supermercado, que fica na Zona Norte da capital gaúcha. Segundo a PM, a vítima teria ameaçado bater na funcionária, que chamou a segurança.
Em nota, o Carrefour informou que lamenta profundamente o caso, que iniciou rigorosa apuração interna e tomou providências para que os responsáveis sejam punidos legalmente. A rede também chamou o ato de criminoso e anunciou o rompimento do contrato com a empresa de segurança.
Brigada Militar informou, por meio de nota, que o PM é "temporário" e estava fora do horário de trabalho. Segundo o comunicado, as atribuições dele são limitadas à "execução de serviços internos, atividades administrativas e videomonitoramento" e "guarda externa de estabelecimentos penais e de prédios públicos". O órgão não explicou o que o homem fazia no mercado no momento do crime.