Lei que considera cantada e passada de mão como crime completa dois anos

O advogado criminalista Leonardo Pantaleão explica as diferenças entre os crimes de importunação sexual, estupro e assédio.

Há dois anos foi sancionada a Lei da Importunação Sexual, que alterou o Código Penal para enquadrar condutas invasivas como beijo sem consentimento, cantadas e passada de mão como crime. Aprovada em 24 de setembro de 2018, a Lei continua causando dúvidas em relação aos crimes de estupro e assédio sexual.

Para a advogada Giovanna Santiago, mesmo com o avanço na penalização de crimes sexuais, o debate ainda deve passar por uma longa trajetória, voltada para a conscientização e promoção de políticas públicas que garantam a segurança de meninas e mulheres, que são as principais vítimas de abusos.

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A questão da importunação sexual passou a ser discutida em 2017, quando as casas legislativas e o parlamento voltaram o olhar para a criminalização de condutas sexualmente abusivas, fora da esfera hierárquica - que seriam os assédios - e a violência física concretizada no estupro. As discussões tiveram início após um caso de abuso ganhar repercussão nacional, à época. Um homem ejaculou em mulher dentro de um ônibus em uma das vias mais movimentadas São Paulo, e foi solto em seguida, porque a conduta não se encaixava no crime de estupro, sendo considerada apenas como contravenção penal. Assim, o debate progrediu para que atos como este fossem tipificados como crime.

Hoje, comportamentos como beijo sem consentimento, palavras ofensivas e cantadas de cunho sexual são considerados importunação sexual, podendo levar à pena de um a cinco anos, se não constituir-se como crime mais grave. O advogado criminalista Leonardo Pantaleão acrescenta que a Lei também criminaliza o ato de ejacular em uma pessoa dentro de transportes e espaços públicos. Dependendo das circunstâncias, o ato pode se configurar como estupro, se, por exemplo, houver uso de força para imobilizar a vítima ou outros tipos de violência.

Entenda as diferenças entre estupro, assédio e importunação sexual

 

Passados dois anos desde a sua criação, a Lei de Importunação Sexual ainda causa dúvidas ao ser comparada com o assédio sexual e o estupro. A diferença, segundo Leonardo Pantaleão, especialista em Direito e Processo Penal, é que a importunação sexual não apresenta violência física e o assédio sexual é configurado a partir de uma relação hierárquica ou de subordinação. Assim, a importunação sexual é qualquer ato libidinoso, sem a anuência da outra pessoa, na tentativa de satisfazer o desejo sexual.

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"O nosso legislador, atendendo a uma demanda social, transformou a importunação sexual em crime, cuja pena inclusive é maior do que o assédio, podendo chegar a cinco anos de reclusão. Além disso, a legislação também tornou crime a divulgação de cena de estupro, sexo, nudez ou pornografia, sem permissão da vítima", detalha em nota. Já o assédio sexual é o ato libidinoso sem consentimento da vítima, dentro de uma relação de hierarquia, envolvendo ou não o contato físico. A pena pode variar entre um e dois anos de prisão.

O estupro, segundo o advogado criminalista, se refere ao ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, para obter conjunção carnal. A conduta é enquadrada como crime hediondo e pode levar à reclusão de seis a 10 anos para o criminoso. Se houver lesão corporal da vítima ou se a vítima possui entre 14 a 18 anos de idade, a pena pode aumentar para 8 a 12 anos. Se o crime resultar em morte, a penas pode ser aumentada para 12 a 30 anos.

Debate sobre crimes sexuais deve avançar para além da criminalização

 

Para a socióloga e advogada especializada em direito de família para mulheres, Giovanna Santiago, a aprovação da Lei de Importunação Sexual em 2018 foi um avanço para a conscientização das mulheres sobre violências que não são facilmente identificadas. Condutas abusivas como as cantadas, passadas de mãos, nem sempre são percebidas como crimes de violência sexual, pelas principais vítimas na sociedade, que são as meninas e mulheres.

Segundo a advogada, o caso ocorrido em 2017 se destacou nacionalmente e possibilitou que os legisladores e o Congresso voltassem o olhar para o problema, considerando-o de grande porte. “Quando o assunto repercutiu, deu a impressão de que houve um ‘boom’ de ‘assédio sexual’ nos ônibus ou no metrô. Mas não é verdade, a gente sabe que isso acontece desde que existe mobilidade urbana, e esse caso trouxe o benefício de estimular o debate e o conhecimento das pessoas”, relata Giovanna.

Apesar de ter oportunizado a população a se envolver na discussão do tema, a advogada frisa, por outro lado, que a questão está distante de surtir o efeito desejado, que é a garantia da segurança para as mulheres. Ela acrescenta que, ainda hoje, as mulheres estão sofrendo as consequências da inferiorização em uma sociedade patriarcal. Por medo de sofrerem abusos, ou “assédio de rua” - como é popularmente conhecido -, são impedidas de assumir cargos ou de exercer o simples direito de ir e vir, conta a advogada.

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“Muitas mulheres deixam de fazer determinadas atividades por medo de sofrer assédio; deixam de aproveitar uma atividade de lazer, de estudar e de assumir cargos, por medo de ter que pegar um ônibus em determinado horário”, descreve. “Jovens e mulheres que moram nas periferias da cidade têm que fazer trajetos mais longos para acessar determinados serviços ou atividades, no centro da cidade... então, só a criminalização não vai surtir o efeito que a gente busca”, acrescenta Giovanna Santiago.

De acordo com a advogada, a Lei se limitou a incluir no Código Penal esses crimes. E, conforme tem observado, ela tem sido utilizada de forma distorcida. “Venho percebendo que há alguns casos que advogados se utilizam desse dispositivo para diminuir a pena de estupradores, de relativizar o quadro de estupro para tentar enquadrar no crime de importunação sexual”, salienta. Outra questão destacada pela advogada é o acesso à Justiça, que não é igual para os diversos grupos sociais. Assim, nem todas as vítimas teriam conhecimento e condições para denunciar e levar em frente um processo de importunação sexual.

Mesmo a criminalização, no entendimento de Giovanna, desfavorece as pessoas mais pobres e da periferia. “Em termos de transporte, em uma cidade como Fortaleza, por exemplo, que é extremamente excludente, a maior parte das pessoas que andam de ônibus são as pessoas pobres, das periferias. Então, qual população está sendo penalizada com essa lei? Certamente não são os homens brancos que andam de carro e assediam as mulheres nas ruas”, sustenta.

Para a advogada, é necessário mais do que a criminalização para fazer valer a garantia de segurança para meninas e mulheres. Essa trajetória envolve uma educação voltada para a igualdade de gênero, com políticas públicas que favoreçam um melhor acesso à cidade para o público feminino, com liberdade de ir e vir sem ter sua integridade física e moral ameaçada. São ações de conscientização e educação sensibilizada, permanentes, considerando ainda a questão da violência doméstica que pode reverberar na violência percebida nos espaços públicos.

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