Pantanal já perdeu 19% da área por queimadas: entenda os efeitos do colapso ambiental, da saúde à economia
Área queimada equivale a cerca de 90 cidades de Fortaleza. Profissionais explicam como o colapso do bioma é danoso para o País, desde os aspectos ambientais até os econômicosPara todo lugar que você olha, há impressão de vida no Pantanal. Do verde das árvores, ao alaranjado do pôr do sol. Mesmo se você fechar os olhos, os sons e cheiros da dinamicidade do bioma reforçam que há seres, grandes e pequenos, preenchendo cada milímetro do território de aproximadamente 150.355 km² brasileiros. Ou pelo menos havia.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Pantanal já perdeu 19% de sua área para as queimadas em 2020. Para se ter ideia da dimensão, seriam necessárias cerca de 90 cidades de Fortaleza (312,407 km²) para preencher o território devastado pelo fogo. O colapso do bioma, como define o ambientalista Jeovah Meireles, é alarmante em diversos níveis, a começar pelo ambiental.
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Professor do departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador, Jeovah explica que as queimadas estão vulnerabilizando a fauna do bioma - não faltam imagens de onças, antas, cobras e muitos outros animais fugindo do fogo ou morrendo pelos incêndios. “Quando se vê uma onça [morta], além de ser um animal raríssimo tendo esse fim conduzido, você também vê o colapso de toda a cadeia alimentar”, reforça.
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As onças-pintadas estão no topo da cadeia alimentar e desempenham papel crucial para garantir o equilíbrio de espécies. No momento em que elas são vulnerabilizadas por ações humanas, todo o ecossistema é desarranjado. “Daí vem a superpopulação de roedores e de serpentes, por exemplo”, ilustra o pesquisador. Vale destacar que a retirada de qualquer ser, animal ou vegetal, impulsiona o desequilíbrio ambiental.
Essas imagens do Pantanal antes e depois da queimada é de cortar o coração... pic.twitter.com/OgeMBVAPKp
— LUAN MGP (@Luanmgpmachad) September 17, 2020
O Parque Encontro das Águas está devastado.
— Leandro Barbosa (@Barbosa_Leandro) September 12, 2020
Este é o cenário do território com maior incidência de onças no mundo.#DefendaPantanal pic.twitter.com/onK14ZByUL
Da mesma maneira, Jeovah salienta a dependência entre os biomas do Brasil. O Pantanal está conectado principalmente com o Cerrado brasileiro, de onde recebe a água que transforma o Pantanal em uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta. Essa umidade é carregada por grandes massas de ar para outros estados, influenciando na umidade relativa do ar e nas temperaturas.
No entanto, as queimadas atuam diretamente na redução da umidade gerada pelo bioma e altera as massas de ar. Isso significa que o Brasil tende a enfrentar climas cada vez mais secos e quentes. O problema é tão drástico que a região central brasileira já está 2ºC mais quente, diz o professor, enquanto as previsões mais pessimistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicam esse aumento para até 2100.
Durante a entrevista, O POVO questionou se a queimada no Pantanal estivesse quase mudando a maneira que o clima funciona no Brasil e, portanto, adoecendo a população. Jeovah foi claro: “A palavra ‘quase’ não cabe mais aí. De fato, do ponto de vista cumulativo, essa degradação promove danos à saúde das populações.”
Fumaça agrava doenças respiratórias
Assim, engana-se quem acredita que só os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul estão em perigo. A meteorologista Andréa Ramos, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), informa que a fumaça das queimadas é levada por fluxos de ar até o Sudeste e Sul do País. Também pode alcançar o Nordeste, afetando a Bahia.
Aliás, mesmo que o fogo cessasse de um dia para o outro, o gás poderia permanecer dias ou até meses no ar, a depender das condições climáticas. A inalação da fumaça pode agravar doenças respiratórias crônicas, como rinite, asma, bronquite e enfisema. No Brasil, em torno de 10% da população tem diagnóstico de asma, enquanto 5% tem bronquite crônica e enfisema.
“A combustão da madeira libera fumaça com metano e monóxido de carbono, que ocasionam inflamações nas vias aéreas”, explica o pneumologista Flávio Mac Dowel, da Unimed Fortaleza. Ao inalar o gás, sintomas como falta de ar, tosse e chiado no peito são acentuados, em alguns casos demandando atendimento hospitalar urgente. Ainda, o médico reforça que crianças e idosos estão mais vulneráveis por terem sistemas respiratórios em desenvolvimento ou já enfraquecidos.
Chegando em Cuiabá. Na parte de cima a nuvem natural. Na de baixo, a nuvem de fumaça sobre o Pantanal. pic.twitter.com/z2g9bmUxgQ
— Roberto Kaz (@RealBetoKaz) September 17, 2020
Fumaça em Cuiabá se superando a cada dia pic.twitter.com/kTsxktfSkU
— Raphael (@phaelsouzabr) September 15, 2020
O cenário é ainda pior por causa da pandemia do novo coronavírus. Como a Covid-19 afeta principalmente o sistema respiratório, os moradores das cidades afetadas pela fumaça dos incêndios estarão mais suscetíveis à doença, comenta Flávio.
Entre as formas de prevenção, o pneumologista recomenda limpar o nariz com soro fisiológico, já que o primeiro contato dos compostos químicos é com a mucosa nasal; manter uma boa hidratação e, aos doentes crônicos, manter o uso dos medicamentos.
Em relação à saúde, há ainda o impacto direto da degradação ambiental na constância de epidemias. Em março de 2019, o Programação das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) publicou nota na qual afirma que impedir o avanço das mudanças climáticas, da redução e fragmentação dos habitats, do comércio ilegal e da poluição são algumas das maneiras de evitar que cada vez mais doenças afetem a sociedade humana.
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Economia não-sustentável
Segundo publicação do site do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Pantanal “vem sendo muito impactado pela ação humana, principalmente pela atividade agropecuária”. E as queimadas que o bioma enfrenta no momento têm muito a ver com isso.
“Em geral, o aumento do número de queimadas e desmatamento acompanha a mudança dos ciclos econômicos em relação à valorização de preço de matérias primas, como carne de gado e soja”, explica a doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente Magda Maya. De acordo com a profissional, esses momentos acarretam uma corrida por terras para aumentar a produção agropecuária.
Essa “corrida” envolve os incêndios que, em sua maioria, são criminosos. “As pessoas se aproveitam dos períodos secos para provocar queimadas, justificando que foi queimada natural. E a queimada é uma forma eficiente de deixar uma área completamente desmatada para depois haver exploração econômica daquele solo”, contextualiza.
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Com o real desvalorizado e o Brasil piorando a crise econômica, cria-se o cenário mencionado por Magda de mudança de ciclo ecônomico. No entanto, é um erro acreditar que a expansão da agropecuária melhorará a economia brasileira. Isso porque os empregos gerados pelo setor são ou subempregos, ou empregos superqualificados - para operar maquinários que substituem trabalhadores.
Magda ainda reforça como o desmatamento enfraquece a economia e modo de vida de comunidades tradicionais pantaneiras, permitindo apenas a manutenção de uma economia desigual e insustentável. “Muito provavelmente essas áreas serão invadidas por grileiros e será uma perda de biodiversidade”, lamenta.
E, sim, a biodiversidade é importante para a economia. A doutora explica que o sistema agrícola brasileiro leva os solos à exaustão, acarretando na necessidade do uso de fertilizantes agrícolas e defensivos (agrotóxicos). Sem a biodiversidade, o solo fica exposto e frágil, “demandando” mais agrotóxicos. “É um ciclo de pouquíssima inteligência. É um sistema agrícola arcaico”, define Magda.
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Como ajudar
Diversas instituições estão mobilizadas para combater os incêndios e resgatar os animais vulnerabilizados. Para ajudá-las, o instituto sem fins lucrativos SOS Pantanal está arrecadando doações, que serão repassadas para os grupos envolvidos diretamente no combate ao fogo. É possível doar qualquer quantia pelo site do SOS Pantanal.
O instituto está atualizando a situação do bioma pelas redes sociais, em especial pelo Instagram. “Nos do SOS não atuamos diretamente no combate, por isso todo o recurso arrecadado será utilizado para cobrir os custos de logística e operação dos brigadistas que estão na linha de frente”, informa em publicação.