Pantanal já perdeu 19% da área por queimadas: entenda os efeitos do colapso ambiental, da saúde à economia

Área queimada equivale a cerca de 90 cidades de Fortaleza. Profissionais explicam como o colapso do bioma é danoso para o País, desde os aspectos ambientais até os econômicos

14:21 | Set. 18, 2020

Por: Catalina Leite
Um helicóptero enviado pela Força Nacional para ajudar a controlar as queimadas no Pantanal caiu na tarde desta quinta-feira, 8, e deixou os três tripulantes feridos. (foto: Ibere ​​PERISSE / Projeto Solos / AFP)

Para todo lugar que você olha, há impressão de vida no Pantanal. Do verde das árvores, ao alaranjado do pôr do sol. Mesmo se você fechar os olhos, os sons e cheiros da dinamicidade do bioma reforçam que há seres, grandes e pequenos, preenchendo cada milímetro do território de aproximadamente 150.355 km² brasileiros. Ou pelo menos havia.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Pantanal já perdeu 19% de sua área para as queimadas em 2020. Para se ter ideia da dimensão, seriam necessárias cerca de 90 cidades de Fortaleza (312,407 km²) para preencher o território devastado pelo fogo. O colapso do bioma, como define o ambientalista Jeovah Meireles, é alarmante em diversos níveis, a começar pelo ambiental.

Professor do departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador, Jeovah explica que as queimadas estão vulnerabilizando a fauna do bioma - não faltam imagens de onças, antas, cobras e muitos outros animais fugindo do fogo ou morrendo pelos incêndios. “Quando se vê uma onça [morta], além de ser um animal raríssimo tendo esse fim conduzido, você também vê o colapso de toda a cadeia alimentar”, reforça.

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As onças-pintadas estão no topo da cadeia alimentar e desempenham papel crucial para garantir o equilíbrio de espécies. No momento em que elas são vulnerabilizadas por ações humanas, todo o ecossistema é desarranjado. “Daí vem a superpopulação de roedores e de serpentes, por exemplo”, ilustra o pesquisador. Vale destacar que a retirada de qualquer ser, animal ou vegetal, impulsiona o desequilíbrio ambiental.

Essas imagens do Pantanal antes e depois da queimada é de cortar o coração... pic.twitter.com/OgeMBVAPKp

— LUAN MGP (@Luanmgpmachad) September 17, 2020


 

O Parque Encontro das Águas está devastado.

Este é o cenário do território com maior incidência de onças no mundo.#DefendaPantanal pic.twitter.com/onK14ZByUL

— Leandro Barbosa (@Barbosa_Leandro) September 12, 2020

 

Da mesma maneira, Jeovah salienta a dependência entre os biomas do Brasil. O Pantanal está conectado principalmente com o Cerrado brasileiro, de onde recebe a água que transforma o Pantanal em uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta. Essa umidade é carregada por grandes massas de ar para outros estados, influenciando na umidade relativa do ar e nas temperaturas.

No entanto, as queimadas atuam diretamente na redução da umidade gerada pelo bioma e altera as massas de ar. Isso significa que o Brasil tende a enfrentar climas cada vez mais secos e quentes. O problema é tão drástico que a região central brasileira já está 2ºC mais quente, diz o professor, enquanto as previsões mais pessimistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicam esse aumento para até 2100.

Durante a entrevista, O POVO questionou se a queimada no Pantanal estivesse quase mudando a maneira que o clima funciona no Brasil e, portanto, adoecendo a população. Jeovah foi claro: “A palavra ‘quase’ não cabe mais aí. De fato, do ponto de vista cumulativo, essa degradação promove danos à saúde das populações.”

Fumaça agrava doenças respiratórias

Assim, engana-se quem acredita que só os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul estão em perigo. A meteorologista Andréa Ramos, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), informa que a fumaça das queimadas é levada por fluxos de ar até o Sudeste e Sul do País.  Também pode alcançar o Nordeste, afetando a Bahia.

Aliás, mesmo que o fogo cessasse de um dia para o outro, o gás poderia permanecer dias ou até meses no ar, a depender das condições climáticas. A inalação da fumaça pode agravar doenças respiratórias crônicas, como rinite, asma, bronquite e enfisema. No Brasil, em torno de 10% da população tem diagnóstico de asma, enquanto 5% tem bronquite crônica e enfisema.

“A combustão da madeira libera fumaça com metano e monóxido de carbono, que ocasionam inflamações nas vias aéreas”, explica o pneumologista Flávio Mac Dowel, da Unimed Fortaleza. Ao inalar o gás, sintomas como falta de ar, tosse e chiado no peito são acentuados, em alguns casos demandando atendimento hospitalar urgente. Ainda, o médico reforça que crianças e idosos estão mais vulneráveis por terem sistemas respiratórios em desenvolvimento ou já enfraquecidos.


Chegando em Cuiabá. Na parte de cima a nuvem natural. Na de baixo, a nuvem de fumaça sobre o Pantanal. pic.twitter.com/z2g9bmUxgQ

— Roberto Kaz (@RealBetoKaz) September 17, 2020



Fumaça em Cuiabá se superando a cada dia pic.twitter.com/kTsxktfSkU

— Raphael (@phaelsouzabr) September 15, 2020



O cenário é ainda pior por causa da pandemia do novo coronavírus. Como a Covid-19 afeta principalmente o sistema respiratório, os moradores das cidades afetadas pela fumaça dos incêndios estarão mais suscetíveis à doença, comenta Flávio.

Entre as formas de prevenção, o pneumologista recomenda limpar o nariz com soro fisiológico, já que o primeiro contato dos compostos químicos é com a mucosa nasal; manter uma boa hidratação e, aos doentes crônicos, manter o uso dos medicamentos.

Em relação à saúde, há ainda o impacto direto da degradação ambiental na constância de epidemias. Em março de 2019, o Programação das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) publicou nota na qual afirma que impedir o avanço das mudanças climáticas, da redução e fragmentação dos habitats, do comércio ilegal e da poluição são algumas das maneiras de evitar que cada vez mais doenças afetem a sociedade humana.

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Economia não-sustentável

Segundo publicação do site do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Pantanal “vem sendo muito impactado pela ação humana, principalmente pela atividade agropecuária”. E as queimadas que o bioma enfrenta no momento têm muito a ver com isso.

“Em geral, o aumento do número de queimadas e desmatamento acompanha a mudança dos ciclos econômicos em relação à valorização de preço de matérias primas, como carne de gado e soja”, explica a doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente Magda Maya. De acordo com a profissional, esses momentos acarretam uma corrida por terras para aumentar a produção agropecuária.

Essa “corrida” envolve os incêndios que, em sua maioria, são criminosos. “As pessoas se aproveitam dos períodos secos para provocar queimadas, justificando que foi queimada natural. E a queimada é uma forma eficiente de deixar uma área completamente desmatada para depois haver exploração econômica daquele solo”, contextualiza.

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Com o real desvalorizado e o Brasil piorando a crise econômica, cria-se o cenário mencionado por Magda de mudança de ciclo ecônomico. No entanto, é um erro acreditar que a expansão da agropecuária melhorará a economia brasileira. Isso porque os empregos gerados pelo setor são ou subempregos, ou empregos superqualificados - para operar maquinários que substituem trabalhadores.

Magda ainda reforça como o desmatamento enfraquece a economia e modo de vida de comunidades tradicionais pantaneiras, permitindo apenas a manutenção de uma economia desigual e insustentável. “Muito provavelmente essas áreas serão invadidas por grileiros e será uma perda de biodiversidade”, lamenta.

E, sim, a biodiversidade é importante para a economia. A doutora explica que o sistema agrícola brasileiro leva os solos à exaustão, acarretando na necessidade do uso de fertilizantes agrícolas e defensivos (agrotóxicos). Sem a biodiversidade, o solo fica exposto e frágil, “demandando” mais agrotóxicos. “É um ciclo de pouquíssima inteligência. É um sistema agrícola arcaico”, define Magda.

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Como ajudar

Diversas instituições estão mobilizadas para combater os incêndios e resgatar os animais vulnerabilizados. Para ajudá-las, o instituto sem fins lucrativos SOS Pantanal está arrecadando doações, que serão repassadas para os grupos envolvidos diretamente no combate ao fogo. É possível doar qualquer quantia pelo site do SOS Pantanal.

O instituto está atualizando a situação do bioma pelas redes sociais, em especial pelo Instagram.  “Nos do SOS não atuamos diretamente no combate, por isso todo o recurso arrecadado será utilizado para cobrir os custos de logística e operação dos brigadistas que estão na linha de frente”, informa em publicação.