Brasil está consumindo mais alimentos saudáveis, porém ultraprocessados crescem no Norte e Nordeste

O crescimento no consumo de itens saudáveis foi generalizado, mas apresenta diferenças que demonstram a desigualdade social no combate à pandemia do novo coronavírus

18:26 | Set. 13, 2020

Por: Leonardo Igor
Salada tropical com peito de frango (foto: Ethi Arcanjo em 28-11-2013)

Durante a pandemia do novo coronavírus, o brasileiro tem procurado comer melhor. Isto é, tem procurado itens mais saudáveis para compor a alimentação, o que levou um aumento no consumo de frutas, hortaliças e de feijão, de 40,2 para 44,6%. É o que demonstra o estudo NutriNet Brasil, desenvolvido pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

Os questionários foram aplicados a dez mil pessoas entre janeiro e fevereiro (antes da declaração de pandemia e da quarentena) e depois novamente em maio, durante a pandemia do novo coronavírus. A tendência de melhora no consumo de itens saudáveis foi observada de modo generalizado, entre homens e mulheres, em todas as regiões do País, e em diferentes níveis de escolaridade.

É considerada alimentação saudável aquela baseada essencialmente em alimentos in natura e minimamente processados, além das preparações culinárias derivadas destes alimentos. São alimentos obtidos na natureza, o que inclui as carnes, e que passaram por processamentos mínimos, como a secagem de grãos, moagem da farinha ou fermentação do iogurte.

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“Esses alimentos, que incluem arroz, feijão, as carnes, frutas, verduras, a mandioca, a batata, a gente sabe que eles são a base da alimentação do brasileiro. E a gente tem também, claro, os ingredientes culinários, o sal, o óleo, o açúcar, utilizados para preparar esses alimentos. Isso então caracteriza o que seria uma alimentação saudável”, explica a professora do Departamento de Nutrição da USP, Fernanda Rauber.

E o crescimento do consumo destes itens pode estar associado diretamente à crise sanitária provocada pela Covid-19. A tendência é que muitas pessoas procurem reforçar o sistema imunológico com o desenvolvimento de hábitos mais saudáveis, além do cumprimento das medidas de distanciamento social. A alimentação, naturalmente, entra no rol de esferas impactadas por esta mudança.

 

Por isso, acredita Fernanda Rauber, muitos brasileiros reforçaram o consumo de alimentos como hortaliças, frutas e o tradicional arroz com feijão. “Vários estudos já mostram evidência que o maior consumo de alimentos ultraprocessados está associado ao maior risco de desenvolver obesidade, diabetes, hipertensão, doenças crônicas não transmissíveis, mas cuja presença piora, agrava a situação do Covid, tanto em termos de letalidade quanto de sintomas”, pondera.

O Brasil, de modo geral, possui uma alimentação boa. De acordo com a Avaliação Nutricional da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017-2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais da metade (53%) de todas as calorias que os brasileiros consomem vêm de alimentos in natura. Os ultraprocessados, que vêm ganhando espaço, são consumidos com frequência por menos de 19% da população, número bem abaixo de países como Estados Unidos, onde mais metade dos habitantes consome estes itens.

No entanto, a pesquisa da Nutrinet Brasil aponta um avanço desta categoria sobre as regiões Norte e Nordeste. O crescimento foi maior entre a parcela mais pobre e com menor escolaridade destas duas regiões, o que, segundo avaliação preliminar da equipe, sugere uma desigualdade social na resposta à pandemia - os mais abastados podem comer melhor, diferente dos mais pobres.

Os alimentos ultraprocessados são formulações industriais com adição de várias substâncias para atribuir cor, sabor e aroma à mistura. Eles passam por vários processos químicos e levam, inclusive, ingredientes culinários que não são encontrados nas cozinhas brasileiras, como gordura vegetal hidrogenada e amido modificado, chamados aditivos. São produtos como refrigerantes, os salgadinhos, biscoitos doces e salgados, refeições prontas e pré-prontas como lasanha congelada e macarrão instantâneo.

“A matéria-prima dos alimentos ultraprocessados é a soja, o trigo, o milho, alimentos que vêm da monocultura, e essas monoculturas são altamente dependentes de agrotóxicos. Então, além de ter esses contaminantes que a gente chama bioquímicos, os agrotóxicos, a gente ainda tem outros tipos de contaminantes nos ultraprocessados, que são os aditivos”, detalha Rauber.

Justamente para monitorar essas discrepâncias regionais, a equipe do estudo NutriNet Brasil tem procurado mais voluntários no Nordeste, ainda sub-representados na amostragem total, que pretende acompanhar a alimentação de 200 mil brasileiros. É possível se inscrever como voluntário no site do projeto, que entra em contato com inscritos em períodos espaçados por meios digitais.

Alimentação saudável cresce nos apps

O aumento na procura por itens de alimentação saudável também cresceu nos aplicativos de delivery. Ao O POVO, o aplicativo iFood apontou que somente em junho recebeu mais de 1 milhão de pedidos de comida saudável - que, na lista de ofertas da plataforma, figuram principalmente pratos repletos de folhas, sucos e saladas.

Ainda assim, os itens mais pedidos de março a junho - durante a quarentena - são os de padaria, isto é, que tendem a ser ultraprocessados, e as carnes, que podem ser consideradas alimentos in natura.

No app Rappi a alimentação saudável figura entre as 10 categorias mais pedidas pelo brasileiro na quarentena. E, embora os primeiros lugares tenham se mantido praticamente inalterados em relação ao período anterior à pandemia, a empresa confirma um aumento no consumo de alimentos saudáveis.

“Esse ranking se manteve praticamente o mesmo de maneira geral. A principal mudança que notamos foi um aumento de pedidos tanto de comida brasileira quanto de comida saudável, o que fez com que ultrapassassem os pedidos de sobremesa durante a pandemia. Isso significa que, dentro de casa, o brasileiro e o cearense optaram por comer melhor”, revela Wilson Cabral, diretor geral de Rappi para o Nordeste.

Os três primeiros lugares são ocupados, respectivamente, por burgers, comida japonesa e pizza. Em quarto, surge a vasta categoria de “comida brasileira”. Tendo em vista a predominância de alimentos in natura na base culinária nacional, é possível, se não deduzir, pelo menos vislumbrar um aumento na preferência por aquilo que a professora Fernanda Rauber chama de “comida de verdade”. “É uma alimentação muito baseada em arroz, feijão, carnes, frutas, verduras, cereais, batatas, tubérculos. O que brasileiro ainda come muita ‘comida’, o que é bom”, enfatiza a pesquisadora.

Wilson Cabral aponta que o top 3 do Rappi - burgers, comida japonesa e pizza - também pode estar relacionado com a faixa de horário em que se concentram os pedidos. “Acreditamos que o apelo do delivery é mais forte durante a noite do que no almoço. E a comida brasileira está mais associada ao horário do almoço, enquanto pizza e hambúrguer ao janta. Outro ponto curioso é que os brasileiros ainda associam automaticamente o delivery a pizza e sanduíche por conta do início do mercado de delivery no país, quando esses itens foram os primeiros a serem demandados por telefone”, exemplifica.

Brasileiro passou a comer mais salada na última década

Os alimentos mais consumidos pelo brasileiro continuam a ser o café, o arroz e feijão, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017-2018 do IBGE. No entanto, dois itens avançaram sobre o paladar nacional se comparados com a década anterior - os sanduíches e as saladas, ambos crescendo 5 pontos percentuais, chegando a, respectivamente, 13 e 21% do cardápio dos brasileiros.

O crescimento, porém, não é homogêneo. A frequência de consumo de salada crua, por exemplo, é de 30% entre aqueles com renda mais alta, enquanto para os de menor renda não chega a 15%. Em comparação com adultos e idosos, adolescentes comem menos frutas, verduras e legumes.

No caso do Nordeste, itens como alface, couve, tomate, manga, mamão e abacaxi apresentaram queda se comparados com a última pesquisa (2008-2009). Por outro lado, açaí, mandioca e batata doce cresceram. O consumo de salada crua teve um dos aumentos mais expressivos, subindo seis pontos percentuais e alcançando a mesa de 16%. Seguindo a tendência nacional, outro crescimento expressivo foi percebido nos sanduíches, que subiram sete pontos e, hoje, costumam ser consumidos por 11%.

Outro marca da culinária nordestina representada na pesquisa é o consumo ou preparação de refeições baseadas em farinha de mandioca e farinha de milho. No caso da primeira, é consumida por 20% dos habitantes da região, a segunda maior média do Brasil, só atrás do Norte, onde é consuma por 40%. Mas no milho e derivados, como a farinha de milho, o Nordeste é o primeiro, com 25% dos locais consumindo o ingrediente.