Reivindicando melhorias, entregadores de aplicativos de entrega paralisarão atividades no dia 1º de julho
Conforme O POVO apurou, a paralisação não pertence a nenhum partido político ou sindicato. Mobilização também ocorrerá em Fortaleza
12:51 | Jun. 25, 2020
Uma mobilização nacional de trabalhadores de aplicativos de entrega está prevista para o próximo dia 1º de julho. Nomeada como #BrequeDosAPPs, a categoria vem lutando pela "melhoria da classe toda e não por regulamentações que prejudiquem os entregadores", segundo informa o perfil no Instagram Treta no Trampo, que desde o último dia 11 de junho vem divulgando as orientações. Conforme O POVO apurou, a paralisação não pertence a nenhum partido político ou sindicato.
Dentre as pautas da categoria, estão o aumento do pagamento das corridas por quilômetro rodado e o aumento do valor mínimo da corrida; fim dos bloqueios e desligamentos indevidos e o fim do sistema de pontuação do aplicativo. Os trabalhadores são tidos como micro-empreendedores e não têm nenhum vínculo empregatício com as empresas.
Marcos Oliveira é um dos entregadores cearenses cadastrados em aplicativos de entrega. Há dois anos, precisou sair do trabalho de design gráfico para trabalhar como microempreendedor individual (MEI) e motofrentista. Desde março, período em que se iniciou a pandemia no Estado, vem percebendo mudanças na política de trabalho. "Adotaram uma política da lei da procura e da oferta. Eles estão ativando muitos motoqueiros para poucas entregas e um baixo valor mínimo por corrida", conversa.
Ele fala da taxa mínima por quilômetro rodado - valor que o MEI ganha por distância do estabelecimento até o destino final do produto. Marcos diz que já realizou entregas em um aplicativo que pagou R$ 0,70 por quilômetro rodado e diariamente vem trabalhando das 8h às 18h para alcançar a meta diária estabelecida pelas empresas. "Por exemplo, estabelecem uma meta de R$ 100, mas não estamos conseguindo. Tem empregador que volta com R$ 30 reais por dia e vem a vontade de desistir. Mas é a nossa renda", explica.
A desvalorização do trabalho desses empregadores são alguns dos apontamentos do criador do movimento Entregadores Antifascistas, Paulo Galo. O entregador continua na linha de frente com as entregas diante a pandemia e relata estar recebendo pouco ou nenhum apoio financeiro e de equipamentos de proteção individual por parte das empresas cadastradas.
Em abaixo-assinado, narra que não está almoçando em casa devido ao risco de trazer o novo coronavírus para a família. "Teria que trocar de roupa e fazer todo o processo de higienização na hora do almoço e no fim do dia. Imagina quanto tempo isso levaria? A gente já ganha pouco, ganharia menos ainda e colocaria a nossa família em mais risco."
Em entrevista ao O POVO, Galo conversa sobre a falta do vínculo empregatício e o atendimento aos clientes da quarentena. Devido ao baixo valor das corridas, vem trabalhando mais para obter renda e ainda financiar EPIs como álcool em gel e máscaras. "A empresa não impõe esse vínculo empregatício, porque o valor de mercado deles está sustentado em não ter esse vínculo". Segundo ele, não há uma efetividade por parte das entidades nas distribuições dos equipamentos e chegou a esperar três semanas para receber os materiais necessários para prevenção da Covid-19.
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Em Fortaleza, a mobilização está prevista para acontecer na data, que foi estabelecida conjuntamente com outros estados do País. Segundo a reportagem apurou, grupos de WhatsApp da Cidade vem mobilizando-se nacionalmente pela causa e reivindicam as mesmas medidas de mudanças nos valores das taxas, demanda por ofertas e a valorização do trabalhador.
Cleiton Farias é fundador de uma das associações de motoboy de aplicativos que irão aderir à paralisação. Dentre as motivações, estão a longa jornada de trabalho, não recebimento de ajuda em acidentes ou em roubos, bloqueios indevidos e alta taxa de pagamento dos entregadores as empresas. Como costumam trabalhar para mais de uma simultaneamente, Cleiton relata que os gastos são altos. "Os motoboys se uniram para lutar por uma melhoria diante dos aplicativos", diz.
A reportagem contatou as empresas iFood, Uber Eats, Rappi e James. Dentre elas, recebeu o retorno da Rappi, que, em nota, "reconhece o direito à livre manifestação pacífica e busca continuamente o diálogo com os entregadores parceiros de forma a melhorar a experiência oferecida a eles". Também afirma sobre reuniões presenciais - canceladas por ora devido à pandemia -, parcerias com descontos na troca de óleo e na compra de rastreador de veículos e Rappi Points, bases físicas para descanso de trabalhadores e que estão fechadas devido à Covid-19. Segundo a empresa, novos benefícios devem ser adicionados e comunicados em breve.
A empresa também criou um mapa de demanda para orientar os entregadores "a identificar as regiões com maior número de pedidos de forma a orientá-los sobre os locais com melhores oportunidades". E traz números: "dados da empresa mostram que cerca de 75% deles ganha mais de R$ 18 por hora e que quase metade dos entregadores parceiros passam menos de 1 hora por dia conectados no app. Ainda, a Rappi possibilita que os clientes deem gorjeta aos entregadores por meio do aplicativo de forma segura. Entre fevereiro e junho, a empresa identificou um aumento de 238% no valor médio das gorjetas e de 50% no percentual de pedidos com gorjeta. Todo valor pago no aplicativo a título de gorjeta é integralmente repassado ao entregador."
Entrega sem contato, compras de EPIs e orientações, reforços das medidas de segurança e campanhas, disponibilização de área específica para o entregador notificar caso apresente sintomas da Covid-19 e a criação de um fundo de apoio financeiro estão entre as organizações relatadas pela Rappi. "Reiteramos, ainda, que os entregadores parceiros têm total liberdade para se conectar ao nosso aplicativo sem restrições de tempo e sem exclusividade, e que não são bloqueados em decorrência de participação em manifestações no exercício de seus direitos. Os bloqueios na plataforma são restritos ao não cumprimento dos Termos & Condições", conclui.
Em nota, o iFood também se posicionou. Explicou que apoia a liberdade de expressão e que os entregadores não são desativados por participar de movimentos. "Essa medida é tomada somente quando há um descumprimento dos Termos & Condições para utilização da plataforma e é válida tanto para entregadores, como para consumidores e restaurantes", destaca a nota.
"A empresa esclarece que o valor médio pago por rota é de R$ 8,46. Esse valor é calculado usando fatores como, por exemplo, a distância percorrida entre o restaurante e o cliente, além de uma taxa pela coleta do pedido no restaurante e uma taxa pela entrega ao cliente, além de variações referentes a cidade, dia da semana e veículo utilizado para a entrega. Todos os entregadores ficam sabendo do valor por rota antes de aceitar ou declinar a entrega ofertada. A empresa passou a oferecer um valor mínimo de R$5,00 por pedido, mesmo que seja para curta distância", continua o Ifood.
De cada 10 trabalhadores, seis afirmaram não ter recebido nenhum apoio das empresas para diminuir os riscos de contaminação durante a pandemia
A pesquisa "Condições de Trabalho de Entregadores via Plataforma Digital Durante a Covid-19" ouviu entregadores em 26 cidades brasileiras entre os dias 17 e 27 de abril, totalizando 252 trabalhadores de todo o Brasil. Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Paraná (UFPR), Pernambuco (UFPE), Juiz de Fora (UFJF), de Campinas (Unicamp) em parceria com procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) perceberam o agravamento das condições de trabalho dos entregadores de aplicativos durante o período de pandemia.
52% dos entregadores relataram que estão trabalhando os sete dias da semana; 56,4% informaram ter uma jornada de nove ou mais horas por dia. De cada 10 entrevistados, seis afirmaram não ter recebido nenhum apoio da empresa para diminuir os riscos de contaminação. O medo de ser contaminado durante o trabalho foi relatado por 84,5% dos entregadores entrevistados.
A Procuradora-chefe do MPT-CE, Mariana Férrer, enfatiza a responsabilidade das empresas em fornecer saúde, segurança e medidas de higienização. Sem esses fatores, há um fator de adoecimento do trabalhador.
Dentre as conclusões da pesquisa, está a centralidade da importância dos aplicativos na vida profissional dos trabalhadores, visto que trabalham de seis e sete dias por semana com grandes jornadas; intensificação das condições de trabalho precárias e inseguras dos trabalhadores diante a pandemia; e o custeamento de EPIs por conta próprias dos trabalhadores, enquanto as medidas adotadas pelas empresas concentram-se na prestação de orientações.