Nova data do Enem 2020 será escolhida em enquete online a partir deste sábado, 20
Professores analisam problemas da consulta realizada pelo Ministério da Educação (MEC) e estudantes relatam impactos da pandemia na rotina de preparação para o maior exame do PaísO Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020 ainda não tem data para acontecer. A partir das 10 horas da manhã deste sábado, 20 de junho (20/06), uma enquete será aberta no portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e 6,1 milhões candidatos deverão escolher entre três períodos possíveis, dois deles em 2021. A nota do Enem é usada como forma de acesso ao Ensino Superior público e o adiamento do exame, com as aulas paralisadas em decorrência da pandemia, gerou uma série de incertezas sobre o futuro para alunos de todo o País.
O Inep, autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e responsável pelo exame, colocou como três opções de realização para as modalidades impressa e digital do Enem 2020. A primeira tem as datas 6 e 13 de dezembro de 2020 (impresso) e 10 e 17 de janeiro de 2021 (digital); a segunda 10 e 17 de janeiro de 2021 (impresso) e 24 e 31 de janeiro de 2021 (digital) e, por fim, 2 e 9 de maio de 2021 (impresso) 16 e 23 de maio de 2021 (digital) aparece como terceira escolha.
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Entre 20 e 30 de junho, os inscritos no Enem 2020 deverão acessar a página do participante (enem.inep.gov.br), com CPF e senha utilizados no cadastro do portal único do Governo Federal e indicar um desses períodos.
O então ministro da Educação, Abraham Weitraub, se posicionou sobre a possibilidade de fazer uma consulta para adiar o Exame após pressão de estudantes e outros setores da sociedade civil, considerando a pandemia. O Senado Federal chegou a aprovar, no dia 19 de maio, um Projeto de Lei que determina a suspensão da aplicação do Enem em casos de calamidade pública.
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Patrícia da Costa Sousa, 21, pretende fazer o Enem 2020 para entrar no curso de História. Sobre a votação, a jovem, que escolheu fazer a versão impressa, considera as primeiras duas opções como datas muito próximas e avalia escolher maio por ser a “mais viável pela segurança de estar com a pandemia mais controlada”, em sua opinião.
Escolher a nova data da prova também está difícil para a estudante Aisha Paz, 17, que critica o formato online, já que “a parcela mais afetada pela pandemia não tem acesso a internet”. Ela acredita que dezembro já está próximo demais e ter a prova em janeiro seria “injusto com quem tem menos condições”. Contudo, Aisha pensa que a aplicação em maio poderia trazer prejuízos o calendário das universidades e do Enem 2021. “Eu gostaria uma data alternativa entre janeiro e maio, mas na ausência, vou de janeiro”, diz.
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Para a professora Eloísa Vidal, do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará (Uece), a discussão sobre a nova data para o Enem 2020 não deveria se restringir à opinião dos alunos, mas também precisa considerar as variáveis epidemiológicas do País.
“Antes de mais nada, é importante ouvir o setor de saúde porque a prova gera aglomerações e não sabemos quando isso vai ser uma possibilidade concreta”, pondera. Vidal pontua ainda que a enquete sobre a data deveria ser postergada para agosto, quando haveria “uma situação mais real sobre a pandemia no País”.
A docente, também coordenadora adjunta da Universidade Aberta do Brasil (UAB) na Uece, faz cobranças ainda sobre a falta de detalhamento relativa à versão digital do Enem. Segundo o Inep, essa modalidade tem a mesma estrutura logística do modelo impresso. As provas irão ocorrer em postos aplicadores credenciados nas cidades definidas pelo edital da versão digital e os computadores serão disponibilizados pelo Instituto.
As inscrições para o Enem digital totalizaram 101.100. A estimativa do governo é que, até 2026, o Enem seja 100% digital. Até o momento, porém, segundo a professora, “não foi descrita nenhuma nota técnica sobre segurança da prova, equipamentos ou levantamento sobre acesso à internet”, relacionados à modalidade digital.
Avaliação sobre a pandemia
O epidemiologista Marcelo Gurgel, professor e membro do Grupo de Trabalho para enfrentamento à pandemia da Uece, projeta que até dezembro a pandemia deverá ser observada de formas diferentes em cada região do Brasil. No Nordeste, onde os casos de Covid-19 explodiram primeiro, poderá ser alcançada uma situação de “maior controle”. Enquanto no Sul, região menos atingida hoje, espera-se um aumento de casos futuramente.
“A pandemia está perdendo forças, mas é muito desigual no País e até mesmo dentro do Ceará. Nesse aspecto, quando chegar em dezembro teremos áreas mais afetadas e outras menos”, diz o médico.
Tendo isso em vista, Gurgel propõe como uma saída a ser pensada, a possibilidade de não fazer a prova em uma só aplicação. Ele sugere que sejam avaliados os indicadores epidemiológicos de cada região do Brasil para pensar em aplicações progressivas do Exame a partir de dezembro.
O epidemiologista lembra, porém, que as aplicações da prova teriam que priorizar medidas preventivas providenciando ambientes mais amplos, álcool em gel para os candidatos e aplicadores, além de testagem em massa para os envolvidos.
Na quinta-feira, 18, o Brasil chegou ao terceiro dia seguido com mais de 1.200 mortes registradas por coronavírus nas últimas 24 horas. Já são 47.748 óbitos por Covid-19. Dessas mortes, 1.238 foram computadas em um dia. O País tem ainda 978.142 casos confirmados do novo coronavírus.
O POVO entrou em contato com o MEC para saber quais aspectos foram considerados na escolha dos períodos que entraram em votação. A reportagem também questionou se haveria chance de aplicações diferenciadas da prova no País, ou mesmo de realizar nova enquete sobre a data do Enem 2020, caso o cenário epidemiológico no País mudar. Entretanto, até o fechamento desta matéria, não houve retorno por parte da pasta.
Mudanças na preparação dos estudantes
A pandemia interferiu enormemente na rotina de preparação de milhões de estudantes para a Enem 2020, como é o caso de Aisha Paz, 17. Ela é aluna da Escola Estadual de Educação Profissionalizante (EEEP) Paulo VI, localizada no bairro Jardim América, em Fortaleza, e pretendia tentar ingressar em algum curso da área da Saúde, geralmente os mais concorridos. Hoje confessa estar indecisa e relata a sensação de impotência diante da pandemia, e em meio a condições precárias de estudo.
“Vim de uma família humilde que sempre trabalhou para me dar o melhor estudo possível. Eles sonham em me ver graduada em uma universidade pública. E então, todas essas expectativas e a ansiedade natural pré-vestibular me acertaram com a pandemia. Era como se todo meu esforço não adiantasse porque o Enem 2020 não era mais uma realidade para pessoas como eu”, desabafa.
Aisha não participa mais dos cursinhos públicos que frequentava, Academia Enem e Pró-Exacta, e sente falta do suporte presencial da escola. Residente no bairro Passaré, ela lida por vezes com os problemas de conexão da internet quando precisa assistir às aulas online.
Na EEEP Paulo VI, segundo explica, foi realizada uma pesquisa sobre as condições de acesso tecnológico dos estudantes. Algumas turmas, como a de Aisha, vêm recebendo aula online pois todos os estudantes puderam ter acesso. Em outras turmas, os conteúdos são gravados e disponibilizados no YouTube.
No Ceará, há mais de três meses as aulas na rede pública estão suspensas. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC) 2018, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 939 mil residências cearenses ainda não tem acesso a internet.
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A socióloga Isaurora Martins, professora da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Culturas Juvenis (Gepecju), analisa que as disparidades socioeconômicas históricas do Brasil refletem diretamente na educação do País e ficaram mais evidentes com a pandemia da Covid-19.
Na perspectiva da especialista, o Enem e a política de cotas vêm colaborando para diminuir esse abismos sociais entre os estudantes, daí a importância de se ver com cuidado o adiamento da prova e a consulta para tanto. “Nas escolas públicas, boa parte dos alunos não têm condições de ter aulas remotas. Às vezes esses alunos não têm equipamentos ideais. São pessoas que moram em casas com vários familiares”, explica.
Outra situação recorrente entre os candidatos que se preparam para o Enem é a ansiedade. Aisha, por exemplo, admite ser bastante ansiosa e conta que sua autoconfiança em relação a alcançar a carreira dos sonhos foi abalada.
“Estudar ajuda muito, mas às vezes eu lembro da situação como um todo e me desespero. Minha vida inteira eu me preparei para esse momento e, de repente, na minha vez o mundo virou de cabeça para baixo. Eu apenas gostaria de ser livre para receber o suporte que eu teria acesso antes da pandemia”, afirma.
Patrícia da Costa Sousa, 21, também concorda que o contexto atual dificulta a concentração nos livros. Depois de já ter concluído o Ensino Médio, Patrícia se utiliza, principalmente, de aulas online para se preparar para o Enem. “O psicológico é abalado pela preocupação com meus familiares. Isso me desfoca nos estudos”, afirma. A jovem já perdeu alguns conhecidos vítimas da Covid-19, além do avô que morreu com suspeita da doença.
Impactos emocionais nos jovens
O psicólogo Antonio Marlon Coutinho Barros atua como técnico educacional na Secretaria da Educação do Estado do Ceará (Seduc) e tem observado de perto os impactos emocionais da pandemia nos estudantes da rede pública. “A atenção e concentração em casa são completamente diferentes. O aluno, muitas vezes, não tem a tecnologia adequada para estudar. Isso se junta a um contexto de ansiedade muito significativo. A maioria dos alunos acha que não vai dar conta”, afirma.
Ele assegura que tem sido viabilizada uma rede de apoio remoto para tentar aproximar os alunos à distância, na tentativa de diminuir a falta do contato entre os colegas e o corpo docente. Os grêmios estudantis e os professores diretores de turma estão sendo mobilizados para colaborar nesse intuito, contatando de outras formas os alunos sem acesso à internet. Atualmente, a Seduc conta com 46 psicólogos para atender 423 mil estudantes da rede pública, distribuídos em 728 unidades educacionais no Estado.
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Segundo Barros, a rede pública do Estado tem procurado desenvolver diferentes modalidades de ensino remoto, utilizando plataformas virtuais como o Google Meet e o Google Classroom. Além disso, as escolas estão identificando os alunos com poucas ou nenhuma condição de acesso à internet para levar as atividades impressas. O apoio do material didático já existente também tem sido empregado nesse processo.
Perfil dos candidatos Enem 2020
Segundo o MEC, das 6,1 milhões de pessoas se inscreveram no Enem 2020, 65% concluíram o ensino médio em anos anteriores, 23% estão no terceiro ano do Ensino Médio e 12% são treineiros, isto é, querem fazer a prova para testar seus conhecimentos.
Dos estudantes no Ensino Médio, 81,7% (1,1 milhão de pessoas) estudam em escolas públicas e 18,3% (256.563) são alunos das particulares. Tanto na versão impressa quanto na digital, os participantes farão provas de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e Matemática e suas Tecnologias, com 45 questões de múltipla escolha em cada área de conhecimento. A redação será manuscrita, em papel, nas duas modalidades.