Esta bandeira é neonazista? Saiba quais os símbolos do nazismo e o que representam
Segundo o Google Trends, ferramenta que mostra as principais pesquisas feitas na Internet, entre 29 de maio a 5 junho, as buscas pelo termo antifa cresceram 2.150%, a pesquisa por antifascismo subiu 1.800% e, por neonazismo, mais de 350%
09:00 | Jun. 13, 2020
Ao meio-dia do último domingo de maio, 31, torcidas organizadas dos principais clubes de São Paulo marcharam ao lado de outros ativistas pela avenida Paulista, no coração do estado mais rico do Brasil, com bandeira “Somos pela democracia” na vanguarda e com cartazes em alusão ao afro-americano George Floyd, morto por um policial branco na semana anterior, nos Estados Unidos. Pouco mais de uma hora do início pacífico do protesto, encontraram grupos em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A tensão subiu e, em meio às hostilidades, a Polícia Militar reprimiu o grupo de torcedores autoidentificados como antifascistas.
O que chamou a atenção, entre tantos pontos do encontro hostil dos dois grupos, foi a presença, nas fileiras bolsonaristas, de uma bandeira que não carregava o verde-amarelo do País. O estandarte em questão é ucraniano, rubro-negro e tem, cravado no centro, um tridente. Trata-se do mesmo símbolo utilizado pela organização paramilitar ultranacionalista de extrema-direita Pravyi Sektor (Setor Direito), criada na Ucrânia durante a deflagração civil de 2014 que derrubou o governo de Viktor Yanukovytch, alinhado ao regime do presidente russo Vladimir Putin.
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Tão logo as imagens circularam nas redes sociais, a bandeira preta e vermelha e as palavras fascismo, nazismo e antifa (abreviação de antifascismo) entraram nos assuntos mais comentados do Twitter. Na mesma noite, o embaixador da Ucrânia no País, Rostyslav Tronenko, em entrevista à emissora CNN Brasil, se apressou em negar qualquer relação do símbolo com o nazismo. “É uma bandeira histórica que significa a terra fértil da Ucrânia, com a faixa negra, e [a vermelha] o sangue que ucranianos durante séculos derramaram na luta pela nossa soberania, liberdade e independência", disse.
O tridente é o brasão oficial do Estado ucraniano desde a conversão da população do país ao cristianismo por força do príncipe Vladimir, no ano de 988. “No ano de 2015, o Parlamento da Ucrânia aprovou a lei que proíbe o uso de símbolos tanto nacional-socialistas, nazistas, como símbolos comunistas”, pontuou o embaixador. “Essa lei tem a lista das bandeiras, símbolos que são proibidos. Essa bandeira rubro-negra não está nessa lista”, completou Tronenko.
Dividido em vários setores, o Pravyi Sektor usa a bandeira rubra em sua logo. O movimento virou partido político e um dos seus braços mais importantes, o Batalhão Azov - que pegou em armas para derrubar o governo pró-Rússia -, utiliza ícones da milícia nazista Schutzstaffel, a afamada SS. Fortemente anticomunista, o movimento tenta criar paralelos com os grupos que lutaram na Segunda Guerra Mundial ao lado da Alemanha contra a União Soviética, principalmente o Exército Insurgente da Ucrânia, que dividiu trincheiras com os nazistas e utilizou a bandeira rubro-negra com tridente como símbolo.
Na Rússia, o grupo é oficialmente classificado como neonazista. No Brasil, mesmo após a entrevista do embaixador ucraniano, a polêmica continuou e, na verdade, tende a permanecer em voga. Segundo o Google Trends, entre 29 de maio a 5 junho, as buscas pelo termo antifa cresceram 2.150%, a pesquisa por antifascismo subiu 1.800% e, por neonazismo, mais de 350%. “Embora o fascismo seja um fenômeno da sociedade de massa contemporânea, ele precisa se apropriar do passado numa forma mitológico-simbólica para fundamentar seu projeto de mobilização das massas em torno de uma nova ideia de nação”, explica o cientista político e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fabio Gentile. “Acho muito difícil hoje retomar o significado original da bandeira usada pelos neonazistas ucranianos, bem como aconteceu pelo símbolo hindu apropriado pela suástica nazista”, sentencia.
A percepção é a mesma da professora Gabriela Reinaldo, doutora em Comunicação e Semiótica, que explica que os símbolos ganham outros sentidos, “outras regras, de acordo com os contextos históricos”. “O universo dos símbolos é o universo da cultura”, continua, “no caso da suástica nazista, é impossível alegar desconhecimento do seu significado. Eu estive na Índia há uns 20 anos e me senti muito mal diante de um templo que ostentava uma suástica, mesmo absolutamente ciente do que ela significava naquela cultura e naquele espaço, espaço religioso, pacífico, voltado à meditação”.
Apesar de ter chamado a atenção no dia 31, aparição da bandeira na manifestação bolsonarista não é inédita. No domingo anterior, 24, ela estava amarrada no carro de som de onde discursavam os mobilizadores do movimento. O manifestante flagrado no dia 31 com o estandarte é o instrutor de segurança Alex Silva, de 46 anos, que vive na Ucrânia desde 2014. O brasileiro ensina técnicas de defesa e tiro na capital do país, Kiev, para, entre outros alunos, membros da milícia paramilitar do Pravyi Sektor.
Ao blog Saída pela Direita, do jornalista Fábio Zanini, na Folha de S.Paulo, Alex Silva diz simpatizar com o grupo de extrema-direita ucraniano, mas não é formalmente parte dele. O instrutor veio ao Brasil para abrir uma filial da sua academia, mas acabou preso no País por conta da pandemia do novo coronavírus. Quando há manifestações de grupos bolsonaristas, participa levando a polêmica bandeira rubro-negro, que difere da bandeira oficial da Ucrânia, formada apenas por dois retângulos horizontais, um azul e outro, amarelo.
O que significam os símbolos nazistas
- Suástica
"O grafismo que reconhecemos como suástica (uma cruz cujas hastes são angulares ou curvas, que também é chamada de cruz gamada, porque se assemelha às sobreposições da letra grega gama) aparece não apenas no hinduísmo, mas em várias outras culturas. Não há uma teoria que explique sua origem, mas há hipóteses a partir dos lugares onde foi encontrada. Provavelmente é originária da Pérsia e Índia, mas aparece em várias culturas europeias. O que chama atenção na suástica é que ela é uma gravura (portanto, uma imagem imóvel) de um movimento em rotação. Ou seja, ela plasma, ela retém, uma ação circular. Circularidade que indica, por exemplo, o eterno retorno, a perpétua regeneração".
Gabriela Reinaldo, semiologista
- Cores
"Quando nazismo lhe imprime [à bandeira] cores preto, vermelho e branco, lhe possibilita ser visualizada sem equívocos mesmo à distância. São as cores da bandeira da Alemanha Imperial, que era um símbolo caro a muitos alemães que refutavam a República de Weimar. Essas cores também são facilmente reproduzíveis, impressas a baixo custo. Se compararmos outras suásticas, veremos paletas de cores mais uniformes, com diferenças de tonalidades mais sutis, às vezes em tons terrosos".
Gabriela Reinaldo, semiologista
- Outros símbolos
"O nazismo trabalha com outros elementos simbólicos, além da suástica, como a águia (emblema de César e Napoleão, a águia é a 'rainha das aves', é a ave que fita o sol, ou seja, que chega até 'deus', que transcende), as bandeiras (muito usadas no império romano, por exemplo) e a própria saudação nazista, que convoca o corpo dos indivíduos a participar de uma coreografia simbólica, ligada à ideia de pertencimento".
Gabriela Reinaldo, semiologista
- Semelhanças
Para além da apropriação de símbolos tradicionais por ideologias fascistas, outros grupos utilizam o inventário nazista com livre inspiração. É o caso do partido Aurora Dourada, na Grécia, de raízes neonazistas, eurocéticas e anticomunistas. A semelhança impressiona.
- O que fazer com os símbolos nazistas?
"É muito complexo. Se o Estado proíbe, os neonazistas vão se apresentar como 'perseguidos', e pode inclusive haver setores da sociedade e da opinião pública achando que seria melhor deixar eles se expressarem livremente, até o movimento perder o seu fôlego. Outros acham que o Estado proibir estas manifestações poderia ser parte de uma 'estratégia da tensão', quer dizer o estado vai usar o gatilho do perigo neonazista para sufocar temporariamente as liberdades constitucionalmente garantidas, criando o 'estado de emergência'. Eu não estou a favor da liberdade ilimitada de expressão, ela encontra claramente seus limites nos valores constitucionais e nas leis do Estado de direito democrático".
Fabio Gentile, cientista político