Movimentos sociais se unem à família do menino Miguel, que morreu ao cair de prédio, para protestar no Recife
Menino de 5 anos morreu no dia 2 de junho após cair de uma altura de aproximadamente 35 metros de um prédio de luxo localizado na área central do Recife
20:04 | Jun. 05, 2020
Justiça. Foi o que clamou o protesto pela morte do menino Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, que morreu após cair de uma altura de aproximadamente 35 metros de um prédio de luxo localizado na área central do Recife, na última terça-feira, 2. Na ocasião, Miguel estava sob os cuidados da empregadora da sua mãe, que trabalhava como doméstica. A proprietária do imóvel foi indiciada por homicídio culposo, quando não há intenção de matar, e responde em liberdade após pagar fiança de R$ 20 mil. O ato, realizado num misto de dor e revolta, na tarde desta sexta-feira, 5, foi organizado por movimentos sociais, que se uniram aos familiares e amigos do garoto, vestindo roupas pretas e de máscaras.
Os manifestantes entoaram "Justiça por Miguel" várias vezes e, deitados no chão, na frente do Condomínio Píer Maurício de Nassau, onde Miguel caiu, ecoaram em uníssono o drama do garotinho negro antes de perder a vida: "Eu só queria a minha mãe". Abalada, Mirtes Renata Santana da Silva, mãe de Miguel, não acompanhou o protesto, que acabou por volta das 16 horas.
Já na concentração, por volta das 13 horas, os manifestantes começaram a se encontrar em frente ao Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), no bairro de Santo Antônio, também na área central da capital pernambucana. Aproximadamente 150 pessoas, incluindo crianças, estavam presentes. "São vários movimentos sociais participando do ato, pessoas comuns, que se solidarizaram com a morte da vítima, por conta da estrutura do contexto que é o racismo social. E se fosse ao contrário? Como a mãe mesmo diz, e se fosse ela?", comentou o coordenador do Movimento Negro Unificado (MNU), Jean Pierre, uma das entidades que organizaram o protesto. Por volta das 14 horas, o grupo saiu em caminhada em direção às Torres Gêmeas, como é conhecido o Condomínio Píer Maurício de Nassau.
Os participantes do protesto levaram vários cartazes e flores em homenagem ao menino. "E se fosse ao contrário? #JustiçaPorMiguel", "Justiça para Miguel e sua família", "Nós crianças negras queremos viver", "E do filho da empregada quem cuida? #JustiçaPorMiguel", destacavam alguns dos cartazes.
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Mesmo abalado, o pai de Miguel, Paulo Inocêncio da Silva, foi até o local para reforçar o que já vem sendo pedido. Justiça. Para ele, o menino era 'tudo' o que ele tinha. "O machucado é ruim demais. Perdi o único filho que eu tinha na minha vida. Tudo que eu tinha era meu filho. Ele foi embora, minha vida foi embora junto com ele. Acabou tudo. Eu só quero justiça, que a pessoa que fez isso com meu filho pague. É o que eu peço, justiça pelo meu filho. Que era uma criança inocente, 5 anos, uma criança que tinha tudo pela frente e foi embora desse jeito", comentou.
Paulo relembrou o momento em que soube que algo havia acontecido com o seu filho. "Eu estava em casa, moro no interior, a mãe dele ligou para a minha irmã, ela foi me dar o recado e eu soube que tinha acontecido um acidente. Quando cheguei na Restauração, meu filho já estava morto", disse.
Ele disse ainda que só ficou sabendo que Sarí Côrte Real, dona do apartamento e patroa de Miguel, deixou o filho sozinho no elevador, nessa quinta-feira, 4. "Eu vim saber isso ontem. Nem eu e nem Mirtes (a mãe) sabíamos. Ontem minha irmã foi mostrar o vídeo lá, que Miguelzinho entrou sozinho. Ela foi, viu o menino, não segurou porque não quis. E apertou lá pra ele subir. Quem matou meu menino foi ela. Ela quem é a culpada", afirmou Paulo.
Uma das tias de Miguel, Fabiana Patrícia de Souza, afirmou que a família não quer dinheiro, apenas justiça. "O sonho dele era ser jogador de futebol e esse sonho foi interrompido por uma pessoa que tem dinheiro. Dinheiro pode comprar tudo, mas a dignidade da minha irmã, que era uma empregada doméstica, jamais ela faria isso com a filha da patroa. Isso não pode ficar impune. Miguel se foi. E a gente está sentindo toda essa dor. É justiça que nós queremos. Não queremos dinheiro. Não queremos riqueza de ninguém. A gente só quer justiça. Porque nós somos dignos, nós trabalhamos. Somos pobres, mas somos guerreiros, batalhadores", disse.
Em determinado momento, os manifestantes se deitaram no chão e gritavam "eu só queria a minha mãe", em referência ao menino, que saiu da casa de Sarí Cortes Real, segundo a polícia, para procurar a mãe, que passeava com os cachorros no momento do ocorrido.
Francicleide Souza, também irmã de Mirtes e tia de Miguel, comentou que o menino tinha medo de altura e teria ficado desorientado ao entrar no elevador. "Uma criança com medo de altura,o que uma criança vai fazer ali? Miguel tinha medo de altura. Ele ia para o parque aquático, onde o meu pai trabalha, Miguel não queria subir no tobogã. Como é que uma criança de cinco anos vai parar no nono andar? De uma forma cruel daquela. Ela apertou na cobertura e o menino fica desorientado sem saber para onde ir. A criança sai, ela cai. A mãe foi a primeira a ver. Foi coisa de minutos. Como se fosse um negócio premeditado. Precisamos de justiça já. Nós queremos ela na cadeia. Os 20 mil reais é para ela comprar sapato e bolsa, mas não traz a vida de Miguel nunca. A vida de Miguel é valiosíssima. E se fosse com ela? Minha irmã estaria na cadeia", relatou. Segundo ela, a família não está em busca de dinheiro, apenas de justiça.
Uma das entidades presentes também foi o Fórum dos Trabalhadores de Saúde do Recife. Segundo Íris Maria da Silva, integrante do grupo, o desfecho poderia ter sido outro. "Seria muito tranquilo conduzir aquela criança pela mão até a mãe e hoje nós não estaríamos aqui chorando essa morte. Mas, infelizmente, a gente entende que, por ser uma criança negra, uma criança invisibilizada pelo sistema, o desfecho foi trágico, e é por isso que a gente veio às ruas hoje fazendo esse ato de solidariedade", declarou.
Íris comentou ainda que o homicídio não foi culposo (quando não há intenção de matar). "Não foi acidente. Não foi crime culposo. A gente sabe que o estatuto da criança está aí para fazer jus a partir de um dos seus artigos, e também no artigo 133 do Código Penal Brasileiro que diz que abandono de incapaz, de vulnerável, é crime. Então nós percebemos que houve uma anuência do Estado com relação a condução que foi feita no processo, no momento da autuação", disse.
O caso
O menino Miguel era filho de Mirtes Renata Santana de Souza, empregada doméstica de um dos apartamentos do edifício localizado na área central do Recife. A patroa dela, Sarí Côrte Real, esposa do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB), foi presa em flagrante, autuada por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) e liberada, após pagamento de fiança, por ter deixado Miguel sozinho dentro do elevador do prédio. Ao sair, a criança caiu de uma altura de 35 metros. O fato aconteceu na tarde da última terça-feira (2), quando Mirtes deixou o filho sob a responsabilidade da patroa e desceu para passear na rua com o cachorro da família. Ao voltar para o prédio, ela se deparou com o filho praticamente morto. Miguel ainda foi socorrido, mas não resistiu. Para a mãe de Miguel, faltou paciência da patroa com o filho. Confira a entrevista.
MPPE pode mudar tipificação de crime
A Polícia Civil deve encaminhar ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE), nos próximos dias, a conclusão do inquérito sobre a morte de Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos. O delegado Ramon Teixeira autuou em flagrante a patroa da mãe do garoto, Sarí Côrte Real, por homicídio culposo. Segundo ele, a suspeita foi negligente por deixar Miguel usar um elevador sozinho, mas não teve a intenção de matá-lo. A pena para esse crime é de até três anos de detenção. Na prática, a Justiça pode decidir que Sarí deve prestar serviços à comunidade, por exemplo. Mas, claro, essa pena dependerá da interpretação do juiz.
Mas o caso ainda pode ter uma reviravolta. Quando o inquérito chegar ao MPPE, o promotor de Justiça responsável irá analisar provas materiais e depoimentos. E decidirá se denuncia Sarí Côrte Real por homicídio culposo ou doloso (quando há intenção de matar). Advogados criminalistas, ouvidos em reserva pela coluna Ronda JC, afirmam que o promotor pode, sim, interpretar que a patroa da mãe de Miguel agiu com dolo eventual, pois uma criança daquela idade jamais poderia estar sozinha em um elevador. Na visão dos criminalistas, ela era responsável pelo menino naquele momento e deveria ter impedido a ação. Caso o promotor decida denunciar por homicídio doloso, Sarí Côrte Real poderá ser levada à júri popular. Neste caso, a pena pode chegar a 20 anos de prisão.
Prefeito de Tamandaré diz estar "profundamente abalado"
Em nota enviada à imprensa, a Prefeitura de Tamandaré informou que o prefeito do município, Sérgio Hacker Corte Real, se encontra "profundamente abalado" pela morte de Miguel. O gestor é casado com Sari Corte Real, que foi responsabilizada por deixar a criança sozinha no elevador antes de cair de uma altura de 35 metros. Ainda em nota, a Prefeitura afirmou que Sérgio vai prestar informações aos órgãos competentes "no momento próprio e de forma oficial".