É enganosa publicação que atribui à Shell responsabilidade por óleo encontrado em praias do Nordeste
A postagem responsabiliza a companhia pelo petróleo encontrado em praias do Nordeste e cita laudo da UFS, mas pesquisador não chegou a esta conclusãoÉ enganosa a publicação compartilhada nas redes sociais que atribui à Shell a responsabilidade pelo óleo encontrado nas últimas semanas em praias do Nordeste. Apesar de a petrolífera estar prestando esclarecimentos ao governo sobre barris descobertos em praias de Sergipe e Rio Grande do Norte, não existe hoje qualquer laudo ou outro documento oficial divulgado até a data de publicação desta verificação que atribua responsabilidade dos vazamentos à empresa.
O texto verificado pelo Comprova foi publicado em um site e compartilhado no Facebook e no Twitter em 14 de outubro. O site embasa a acusação com um laudo da Universidade Federal de Sergipe (UFS) sobre o conteúdo de dois barris encontrados em 26 de setembro no município de Barra dos Coqueiros, no litoral sergipano. Segundo a publicação, o laudo indicaria que o “óleo vazado no Nordeste é da Shell, amiga do ministro Sergio Moro (Justiça e da Segurança Pública) e do presidente Jair Bolsonaro (PSL)”.
Procurado pelo Comprova, no entanto, o técnico responsável pelo laudo negou a informação. Conforme explica [aqui e aqui] o professor Alberto Wisniewski Júnior, do Departamento de Química da UFS, o laudo da instituição foi repassado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e apenas não descarta a hipótese de os barris, que foram encontrados com o logo da Shell, estarem associados ao evento que levou ao vazamento de óleo.
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AssineWisniewski destaca que há indícios de que os contêineres foram reutilizados, por isso ainda não se pode relacionar o óleo dos vazamentos com a Shell.
Segundo o sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, há grande probabilidade de que o material caiu ou foi lançado ao mar no mesmo acontecimento que provocou o vazamento – seja ele um naufrágio ou outra eventualidade.
O único outro laudo oficial divulgado até agora sobre os barris, elaborado pela Marinha do Brasil, também aponta que o “conteúdo desses contêineres difere do encontrado nas demais praias do litoral nordestino”. Diretor-presidente da Administração Estadual do Meio Ambiente de Sergipe (Adema), Gilvan Dias também apontou a não existência de provas que possibilitem responsabilizar a Shell pelos vazamentos.
O Comprova verificou postagens da página Esquerda Diário no Facebook e no Twitter. Os links publicados nas redes sociais direcionavam para um texto publicado no site do Esquerda Diário, que foi retirada do ar na tarde da segunda-feira, 14 de outubro. No mesmo dia, o site republicou o conteúdo, com outro título, mas também afirmando que há vínculo entre parte da poluição e os barris da Shell. As publicações nas redes sociais permaneceram inalteradas até o fechamento desta verificação.
Enganoso para o Comprova é o conteúdo que confunde ou que seja divulgado para confundir.
Como verificamos
Para verificar a publicação, o Comprova utilizou, inicialmente, a ferramenta de busca reversa do Google para localizar a foto que acompanha as postagens. A ideia era verificar a existência de imagens anteriores ou em outro contexto e, então, atestar sua veracidade. A pesquisa levou os verificadores a uma nota oficial do Governo de Sergipe, de 26 de setembro, registrando a descoberta dos barris.
Depois de descobrir o contexto por trás da história, procuramos todos os órgãos envolvidos no caso, como a Universidade Federal de Sergipe (UFS), a Marinha do Brasil e a Administração Estadual do Meio Ambiente de Sergipe (Adema). Dados da UFS foram obtidos por meio de uma conversa em aplicativo de mensagens com o professor Alberto Wisniewski Júnior. Já a nota da Marinha está divulgada em uma página da instituição sobre o caso do óleo no Nordeste.
Também foram enviados questionamentos sobre o caso ao Ibama e ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). Nenhum dos e-mails, no entanto, foi respondido. O Comprova buscou ainda a série histórica do preço do petróleo no site Investing.
O óleo dos barris é o mesmo encontrado nas praias?
Não. O link divulgado nas redes sociais direcionava o leitor para uma reportagem publicada no site Esquerda Diário. A publicação foi removida do site em 14 de outubro. No texto, a denúncia contra a Shell era baseada na informação de que o conteúdo dos barris descobertos em Sergipe seria o mesmo que foi encontrado nas praias do Nordeste. Segundo o site, tal afirmação estaria presente no laudo da UFS, em tese que contraria documento da Marinha sobre o caso.
O Comprova enviou o material para o professor Alberto Wisniewski, que negou a tese. “Essa informação, da forma como está, é equivocada. Isso não foi afirmado. São produtos com diferentes aspectos físico-químicos, porém com indícios a nível molecular de que tenham relação de origem”, diz.
A informação de que o conteúdo dos barris seria o mesmo óleo encontrado nas praias nordestinas circula desde 12 de outubro, em publicação do blog de Diogo Schelp no UOL. Na tarde de 18 de outubro, no entanto, o mesmo blog publicou outra matéria retificando a informação.
A informação falsa sobre o conteúdo dos barris chegou a ser repercutida pelo próprio ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), que em 11 de outubro pediu que o Ibama cobrasse explicações da Shell sobre o caso. Alguns dias depois, em 16 de outubro, Salles voltou atrás da acusação em visita feita ao Departamento de Química da UFS. Na ocasião, ele destacou não haver divergência entre o laudo produzido pela universidade e o documento feito pela Marinha, e destacou que os dois órgãos estão “trabalhando em conjunto”.
Em 17 de outubro, a Shell divulgou nota dizendo que o conteúdo original das embalagens com a marca da empresa encontrados em praias do Sergipe não possui relação com o óleo cru presente no litoral do Nordeste. Segundo a empresa, os barris são embalagens de Argina S3 30, um lubrificante para embarcações, de lote não produzido no Brasil. “A coloração e as características do produto em questão são bem diferentes do óleo cru encontrado nas praias”, diz a empresa.
A Shell também destaca que não transporta óleo cru em rotas transatlânticas e que o adesivo em um dos tambores encontrados em Sergipe traz a data de 17 de fevereiro de 2019, enquanto as manchas de óleo cru começaram a surgir no litoral apenas em setembro deste ano. “Os fatos apontam para uma possível reutilização da embalagem em questão – reutilização esta que não foi feita pela Shell”, afirma a nota.
A mesma tese é reforçada pelo diretor-presidente da Administração Estadual do Meio Ambiente de Sergipe (Adema), Gilvan Dias. “Todo mundo sabe que esses barris são reutilizáveis, isso é comum. A pessoa compra o barril e depois usa para outra coisa e reaproveita uma, duas, várias vezes”, disse, concluindo, portanto, que não se pode responsabilizar a empresa no caso. “O ideal é que se deixe a investigação prosseguir”, diz.
Apesar disso, a Shell ainda presta esclarecimentos ao governo sobre os barris encontrados em praias do Nordeste. Em 17 de outubro, outro tambor com a marca da empresa foi encontrado pela Marinha em Rio Grande do Norte. O barril, que estava fechado e não apresentava sinais de vazamento, já foi encaminhado para análise.
A Shell realmente é “amiga de Moro e Bolsonaro”?
A publicação original do Esquerda Diário acusava ainda a Shell de ser “amiga de Moro e Bolsonaro” e de ter se beneficiado com “o golpe e a Operação Lava Jato” na “entrega a preço de banana do petróleo brasileiro”. A associação parece partir do fato de a Shell ter sido uma das maiores vencedoras nos leilões do pré-sal feitos no governo Michel Temer (MDB), em 2017 e em 2018, após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
A publicação sugere, portanto, uma relação de causa e efeito entre a Lava Jato e o impeachment da petista com a venda dos lotes do pré-sal para exploração de petróleo, embora não apresente provas dessa acusação ou de que o interesse da Shell pelo petróleo brasileiro tenha qualquer relação com o esquema de corrupção revelado na Petrobras.
A vitória da Shell nos leilões também não é surpreendente, visto que a empresa é hoje uma das maiores companhias do ramo no mundo, segundo a Forbes. Além disso, a multinacional obteve vitórias semelhantes em outros leilões recentes, em países como Argentina, México e Egito. Até mesmo o leilão do campo de Libra, realizado 2013 ainda pelo governo Dilma Rousseff, teve a Shell entre os vencedores.
Ao Comprova, a Shell disse por e-mail que “não mantém e nunca teve relação institucional próxima com o ministro Sergio Moro, e jamais teve qualquer relação com a operação Lava Jato”.
O petróleo brasileiro está sendo entregue a “preço de banana”?
Essa afirmação, presente no texto, também parece oriunda da tese de cooperação entre as empresas petrolíferas e os defensores do impeachment de Dilma Rousseff. Mais uma vez, a acusação é feita sem qualquer tipo de evidência que suporte a acusação. O Comprova fez uma verificação sobre os leilões do petróleo brasileiro.
Observando os valores dos últimos leilões realizados pelo governo de lotes do pré-sal, não há muita diferença nos valores obtidos em concessões semelhantes feitas durante os governos petistas.
Já o petróleo em si é uma commodity, ou seja, está entre o grupo de produtos que têm preço definido pelo mercado internacional. O valor de cada barril sofre influência de vários fatores, como, por exemplo, produção de petróleo mundial (quanto tem disponível no mercado e se isso vai ser suficiente para suprir a demanda) e o preço do dólar.
Existem duas cotações para o preço do petróleo: o Brent e o WTI. O Brent é o tipo de petróleo que é mais usado como referência. É negociado na bolsa de Londres e é referente ao petróleo extraído no mar do norte. Já o WTI é negócio na bolsa americana e é referente ao petróleo extraído principalmente no golfo do México.
O site Investing reúne a série histórica do Brent (veja aqui) de novembro de 2017 a outubro 2019. É possível perceber que não houve grande variação nos preços mensais nesse período. O valor médio do barril foi de R$ 68,17.
Os ministros realmente atacaram a Venezuela com relação ao petróleo?
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou no dia 9 de outubro que o óleo visto em praias do Nordeste era, “muito provavelmente”, da Venezuela. Depois disso, o governo venezuelano divulgou uma nota oficial em que chamava Salles de “tendencioso”. Após a declaração de Salles, viralizou uma publicação enganosa cuja legenda dizia que um vídeo mostrava um navio venezuelano despejando petróleo no Nordeste brasileiro, mas o Comprova verificou que se trata de imagens gravadas em Portugal.
Na manhã do dia 10 de outubro, o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer, durante o Fórum de Investimentos Brasil 2019, em São Paulo, que o derramamento de óleo no litoral do Nordeste brasileiro tinha sido criminoso. No mesmo evento, o próprio Bolsonaro afirmou que não tinha bola de cristal para apontar quem era o responsável pelo “ato criminoso”.
No mesmo dia, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, disse que a origem do óleo estava sendo apurada e que o vazamento pode ter sido um “incidente ou acidente”, mas que tinha que ter sido comunicado ao Brasil.
O vice-presidente Hamilton Mourão disse que embarcações “fantasmas” – sem autorização legal para navegar na costa brasileira e que às vezes fazem contrabando de mercadorias – podem estar envolvidas no despejo de óleo no mar. A declaração foi feita no dia 11 de outubro, em Roma.
Ainda não se sabe as causas do derramamento de óleo no litoral do Nordeste.
Análises do Ibama e da UFBA (Universidade Federal da Bahia) indicam que o material seria similar ao extraído na Venezuela. No entanto, ainda não foi comprovado que o vazamento do óleo foi mesmo provocado pelo país vizinho, nem se o vazamento foi intencional.
Quais foram as providências tomadas pela Justiça? Foi estipulada mesmo uma multa?
Em 12 de outubro, a 1ª Vara da Justiça Federal de Sergipe concedeu uma liminar em que determinava que o governo federal e o Ibama tomassem providências em um prazo de 48h para criar uma barreira marítima a fim de proteger os rios de Sergipe – São Francisco, Japaratuba, Sergipe, Vaza-Barris e Real. A multa, em caso de descumprimento da ordem judicial, é de R$ 100 mil ao dia.
Na decisão, o juiz plantonista Fábio Cordeiro de Lima destaca que é “fundamental proteger a cabeceira dos rios para que não haja uma maior contaminação das águas, principalmente dos rios utilizados para o consumo da população” e autoriza que o Poder Executivo remaneje verbas do orçamento e dispense licitações para a aquisição dos equipamentos necessários ao cumprimento da decisão, desde que observado o preço do mercado. Ele não menciona, no entanto, “interesses entreguistas” de ministros, a serviço dos EUA –- como sugere a postagem do Esquerda Diário – como uma motivação para conceder a liminar.
Após os comentários, o juiz acatou em partes o pedido que havia sido feito pelo Ministério Público Federal (MPF) em Sergipe. Na petição original, a Procuradoria solicitava que as medidas fossem tomadas em 24 horas, sob multa diária de R$ 1 milhão em caso de descumprimento. O foco da ação era proteger áreas sensíveis de mangue e da foz do Rio São Francisco.
O governo de Sergipe instalou as barreiras em 11 de outubro, após reunião do gabinete de crise do governo do estado.
Uma decisão semelhante foi tomada pela Justiça Federal em Pernambuco no domingo, 20.
Repercussão nas redes
O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.
O texto verificado foi publicado na página “Esquerda Diário” no Facebook, em 14 de outubro, e teve 7,1 mil compartilhamentos e 1,5 mil curtidas até a tarde de 21 de outubro.
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