Chapecó honra seus heróis um ano após tragédia que comoveu o mundo

Às 1H15 locais, a cidade do estado de Santa Catarina recordou a tragédia das montanhas de Medellín, onde há 12 meses caiu o avião que transportava a equipe da Chapecoense

05:06 | Nov. 29, 2017

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Chapecó emudeceu na madrugada desta quarta-feira quando os sinos de sua Catedral dobraram na mesma hora em que há um ano aconteceu o maior pesadelo da história da cidade: o acidente que lhe arrancou a equipe do coração.

Às 1H15 locais, a cidade do estado de Santa Catarina recordou a tragédia das montanhas de Medellín, onde há 12 meses caiu o avião que transportava a equipe da Chapecoense para a final da Copa Sul-Americana.

"Foi doloroso quando tocaram os sinos, porque me levaram para aquela montanha, no momento do impacto na Colômbia, mas são coisas que temos que pssar", disse à AFP o jornalista Rafael Henzel, o único dos seis sobreviventes que compareceu à cerimônia.

O jornalista disse que desejava celebrar o que considera seu "primeiro ano de vida" honrando a memória das 71 pessoas que morreram na tragédia.

Ninguém na cidade esquece a equipe que em apenas sete anos saiu das divisões de acesso no Brasil e chegou a uma final continental.

Em uma igreja repleta e adornada com o verde e o branco da Chapecoense, Maria Inês Muniz não conseguia segurar o choro: "não tenho palavras, Chapecó se recuperou um pouco mas nunca voltará a estar 100% porque foi uma tragédia muito triste para muita gente".

Como Maria, muitos começaram a chorar quando os sinos tocaram.
Antes, uma marcha silenciosa percorreu a cidade a partir do estádio, com a presença de familiares de várias das vítimas, muitos com camisetas estampadas com os rostos de seus entes queridos mortos no acidente.

Um violão tocava "Vamos, vamos, Chape" e várias pessoas se abraçaram entre lágrimas antes da intervenção do bispo.

O prefeito da cidade, Luciano Buligon, destacou que "este é o momento em que celebramos suas vidas". "Ao longo do ano, Chapecó mudou seu sentimento de profunda tristeza pela nostalgia, e agora de reconhecimento, de que suas vidas têm que ser exaltadas".

"Medellin nos entregou a força de que precisávamos para seguir em frente. A partir desta força o mundo inteiro também nos entregou a sua. Deus escolheu Medellin e Chapecó para dar um recado ao mundo e este recado foi de amor, de solidariedade, de dor, para nos amarmos mais, e é por este sentimento tão nobre que estamos aqui hoje".

Na Arena Condá, um buquê de flores branco no centro do gramado de luto e a torcida cantando para o céu marcaram um dos momentos mais emotivos da noite.

Voltou a se ouvir o "Vamos, vamos, Chape" em um estádio que recebia os visitantes, lembrando a ferida que nunca vai se fechar neste pequeno clube catarinense, que teve a vida abalada na madrugada de 28 para 29 de novembro de 2016.

"Saudade. Para sempre na nossa história, eternamente em nossos corações!" - dizia um cartaz na entrada do estádio, onde há exatos 12 meses começaram a chegar seus torcedores desesperados.

Uma forte chuva caía em Chapecó quando os veículos começavam a informar o que parecia um pesadelo: o avião levando a equipe havia caído nas montanhas de Medellín, onde o Atlético Nacional aguardava o Furacão do Oeste para disputar a final da Copa Sul-Americana.

Setenta e uma pessoas morreram, entre elas 19 jogadores, 14 membros da comissão técnica e nove dirigentes da Chapecoense. Apenas seis pessoas sobreviveram ao acidente: uma aeromoça e um técnico em aviação bolivianos, o jornalista Rafael Henzel e três jogadores brasileiros.

Alisson da Cruz, um jovem que cresceu com o milagre deste clube, que em sete anos passou da quarta divisão a finalista continental, nunca se esquecerá daquela noite.

"Foi uma notícia triste. Lembro de acordar de madrugada com a notícia na TV já. Foi um momento muito triste, de choque para todo mundo. Ninguém acreditava, parecia que era um sonho", contou à AFP este auxiliar administrativo de 23 anos, que chega ao estádio vestindo a camisa e o gorro verdes do clube.

"Foi o dia mais triste, acho, da cidade de Chapecó e não tem explicação, a gente fica muito emocionada ao lembrar", conta, com a voz embargada, Miriam Macari, gerente de 27 anos, que não tinha conseguido voltar ao estádio desde o acidente.

Após um ano se equilibrando entre a dor, a saudade e a necessidade de seguir adiante, o clube decidiu não realizar nenhum ato em "respeito a quem ficou e respeito às boas lembranças", mas abriu as portas de sua casa.

As homenagens começaram horas antes na Colômbia, onde dois helicópteros da Força Aérea colombiana atiraram flores sobre a praça central do município de La Unión, perto das montanhas onde ocorreu o acidente.

"A glória estava próxima. A tragédia apagou esse sonho", afirmou Andrés Botero, presidente do Nacional de Medellín.

O atual campeão do futebol colombiano, que cedeu o título de campeão da Sul-americana 2016 à Chapecoense, organizou a homenagem que incluiu um minuto de silêncio.

Enquanto os helicópteros da Força Aérea da Colômbia deixavam cair as pétalas do céu, os nomes das vítimas eram lidos e imortalizados em uma placa.

"Meus amigos chapecoenses nunca serão esquecidos", disse Botero, que anunciou que um mural será dedicado à tragédia no estádio Atanasio Girardot, local da frustrada decisão da Sul-Americana. Além dos dirigentes, três jogadores assistiram o ato.

Ainda sem conclusões, as investigações revelaram que o avião viajava com pouco combustível e sobrepeso. O falecido piloto foi responsabilizado e dezenas de funcionários da companhia aérea e do Estado estão presos na Bolívia.

Após a homenagem em La Unión, uma missa foi realizada no morro que agora leva o nome da Chapecoense. Um altar foi montado no local onde ficou a fuselagem. Duas cruzes de madeira se destacavam perante as dezenas de presentes, muitos vestindo a camisa do Nacional.

Aos pés da cruz, uma família chorava. Os pais de Silsa Arias, a co-piloto boliviana morta na tragédia, viajaram da Bolívia para se despedir de sua filha.
"Viemos para dar um abraço e dizer que vamos tentar continuar sem ela. Trouxemos um pouco de suas cinzas e jogamos (na montanha), uma imagem que certamente mostrarei a seus dois filhos quando começarem a fazer perguntas", contou à AFP Jorge, seu pai.

Na montanha, Luis Albeiro Valencia, de 53 anos, levantou um monumento em seu pequeno sítio lembrando o acontecido em La Unión há um ano. No alto de uma estaca está a réplica em madeira do avião, ao lado de duas colunas de tijolos, uma delas coroada com as rodas do trem de pouso e a outra com uma bola.

"Isto é para lembrar, para que não nos esqueçamos deles. Porque com o tempo todos se esquecerão deste morro", disse à AFP este agricultor.

Após o choque da morte há um ano, a Chapecoense precisou encarar uma dolorosa reconstrução, marcada por altos e baixos. O time conseguiu se manter na elite do futebol brasileiro para o ano de 2018, objetivo principal da temporada, conquistou o campeonato catarinense e ainda pode beliscar uma vaga na Libertadores.

Dos três jogadores que sobreviveram, apenas o lateral Alan Ruschel voltou a jogar com o time, após uma recuperação quase milagrosa.

Enquanto isso, o goleiro Jackson Follmann perdeu a perna direita, e o zagueiro Neto, último dos sobreviventes a ser resgatado, ainda está em recuperação. A volta aos gramados está prevista para o ano que vem.

Outros dois que se salvaram da morte, a comissária Ximena Suárez e o mecânico Erwin Tumiri, retomam suas vidas pouco a pouco na Bolívia. A primeira atua como modelo e dá palestras motivacionais. O segundo estuda para ser piloto comercial. Quase todos voltaram a voar.

AFP