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Dominguinhos falou com O POVO sobre o legado da sanfona

21:08 | 23/07/2013
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Em 8 de novembro de 2008, O POVO publicou uma entrevista com Dominguinhos. Na sala da casa do pai de Waldonys, ele falou sobre legado, afilhados e padrinho. É essa a imagem que Dominguinhos deixa para seus fãs: um apaixonado pelo som do sertão. O cantor Dominguinhos morreu aos 72 anos na última terça-feira, 23.

 

Sanfona do Aconhego

A sanfona já é parte indissociável da vida de Dominguinhos. Sempre tem uma por perto dele. Quando sobe ao palco e começa a dedilhar a maquinaria de 120 baixos, os 67 anos escoam pelo ralo e os 13 quilos do instrumento passam batidos. Pernambucano radicado no Rio de Janeiro, o músico começou a tocar ainda menino com os irmãos Valdo e Moraes. Nessa época, foi descoberto por Luiz Gonzaga, de quem se tornou pupilo a partir de então. O Rei do Baião foi quem trocou o apelido do rapazote de Neném do Acordeon para Dominguinhos.
Há dois anos (ao todo foram seis anos lutando contra a doença), o músico passou por uma cirurgia para a retirada de um tumor do pulmão. Passado o aperreio, ele continua viajando pelo País com uma agenda repleta de shows e projetos de novos álbuns. Nesses caminhos, vai sempre de carro. O medo de avião o impede de encurtar as viagens. Foi dirigindo que o artista chegou em Fortaleza.
Ele recebeu a reportagem do O POVO na casa do pai de Waldonys, seu afilhado de sanfona. Na entrevista, o autor de De volta pro meu aconchego e Só quero um xodó lamentou a ausência do pupilo no encontro de amanhã (na ocasião Dominguinhos faria um show no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura), louvou os novos seguidores do instrumento e se deixou flagrar em seus improvisos musicais. (repórter Amanda Queirós)

[SAIBAMAIS 4]

O POVO - Como está a formação de novos sanfoneiros no Brasil?
Dominguinhos - Hoje tem evoluído bastante a renovação de sanfoneiros de boa qualidade e que têm se aliado aos mais antigos. Nós temos uma turma de primeira linha. Aqui em Fortaleza, temos o Waldonys, que é meu afilhado, o Adelson Viana, um grande valor do
instrumento, o Chico Justino, que é maravilhoso também...

OP - Mas parece que nem sempre foi assim. Quando a bossa nova entrou, teve uma queda da sanfona e, só depois, uma retomada. Esse movimento de hoje é ainda dessa retomada?
Dominguinhos - Ele continua e tá crescendo mais de um tempinho para cá. Tem muitas bandas que, mesmo não sendo de forró, têm muito sanfoneiro. Tem os trios também, que nunca deixaram de existir. Eu nunca saí do acordeon. Sivuca tinha ido lá pra fora e o Chiquinho do Acordeon, que era um músico extraordinário já falecido, dizia para o Sivuca: “Olha, volta pro Brasil que tem um rapazinho aqui que toca comigo, o Neném do Acordeon” - eu não era nem Dominguinhos ainda - “e ele tá tocando muita sanfona e agradando muito”. O (Gilberto) Gil e a Gal são basicamente as pessoas que fizeram o acordeon retornar, porque eu entrei no grupo
da Gal para o show Índia, que nós apresentamos também na França, e aí, quando voltei foi um estouro. Aí foi um levante e uma mudança geral.

OP - Luiz Gonzaga e o senhor tiraram a figura do sanfoneiro de trás de uma banda e a colocaram como personagem principal no palco. Isso ajudou a valorizar o sanfoneiro mesmo nesses tempos difíceis?
Dominguinhos - O Gonzaga nunca teve banda. Ele era ele. Era um verdadeiro pai pra mim e continuou tocando e cantando baião sem se importar com crise. Ele mesmo ameaçava parar, dizia que ninguém queria mais saber de baião, mas, no outro dia, ele já tava de pé na estrada fazendo a mesma coisa. Eu toquei muito sem grupo. Toquei em boate, em dancing, tocava muita música americana, inglesa, bossa nova... Tocava tudo. E isso me ajudou porque tinha informações do que se fazia no mundo. Eu não tinha mais o que aprender de baião, xaxado e arrasta-pé porque já fazia isso com o maior dos mestres. Gosto do forró porque ele tem muito suingue. Para dançar, o melhor é o xote, mas para tocar e improvisar é o forró.

OP
- Improvisar, para o senhor, é muito importante?
Dominguinhos - É, porque eu venho disso. Toquei muito em festivais de jazz. Fiz muita coisa com outras bandas, com Hermeto Pascoal. Isso tudo me ajudou musicalmente, porque quando você só toca a música e pára, você não dá chance do músico se pronunciar. É muito importante tocar com músico de valor, mas desse jeito ele fica escondido só acompanhando: paragatá, paragatá, paragatá... Não sai disso. Tem um momento que você toca o tema e deixa
ele solar para mostrar sua qualidade. Faço muito isso. O Adelson (Viana), quando toca comigo, eu solto e ele improvisa à vontade. É esse encontro que nós vamos fazer aqui.

OP - Li uma entrevista recente na qual o senhor dizia que às vezes cansa cantar. É isso mesmo? Tocar é mais importante que cantar?
Dominguinhos - Pra mim, é, porque a sanfona dá ensejo ao músico mostrar suas qualidades de instrumentista. Para cantar, você precisa estar muito bem e o músico ainda pode se esconder (risos). Ele escapa melhor que o cantor, que tem de estar muito bem espiritualmente. No São João, eu fiquei cinco shows sem poder cantar porque, não sei como, perdi a voz. Aí eu toquei que só um desvairado.

OP - De onde sai inspiração para tanta música e tanta parceria?
Dominguinhos - Depois que você envelhece, fica mais difícil fazer música toda hora - tanto que eu deixo a sanfona sempre em cima do sofá porque, se a inspiração vier, já pego no ato. Aliás, tem uma bem ali... (Dominguinhos aponta para o lado, levanta-se, pega o instrumento e passa a dedilhar um improviso. Uma nota segue a outra e assim vai).

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