"Isolamento é sobre solidariedade com o próximo", diz a filósofa e taróloga Kitah Soares

A sexta entrevistada da série "sem sair de casa", conta sobre as duas fases de lockdown que passou em isolamento

18:48 | Mar. 09, 2021

Por: Alice Sousa
A filósofa e taróloga Kitah Soares é a sexta entrevistada da série Sem sair de casa (foto: Arquivo pessoal )

Diante do segundo período de lockdown, desta vez em 2021, o isolamento rígido é medida necessária para a prevenção de um colapso no sistema de saúde de Fortaleza, somado à vacinação. Dentro deste cenário, o isolamento é experienciado de maneiras diferentes pela população. Para a filósofa e taróloga Kitah Soares, o isolamento é um modo de cuidar de quem ama. "Quando eu me isolo, eu contribuo para que eu, não adoecendo, possa dar mais condições de atendimento para alguém próximo que adoece. Além de prevenir um colapso no sistema de saúde. O isolamento é prevenção, cuidado e solidariedade também."

Kitah Soares, é a sexta entrevistada da série do O POVO "sem sair de casa", que conta histórias de pessoas que, um ano depois dos primeiros casos da Covid-19 no Ceará, continuam respeitando os protocolos sanitários e saindo de casa apenas quando necessário. O empenho para evitar aglomerações e usar máscara segue defendido por pesquisadores, especialmente no atual cenário de recorde de ocupação dos leitos e óbitos pela doença na Capital e no País.

No dia 16 de março de 2020, Kitah Soares foi desligada do trabalho que estava desempenhando na época como educadora social em uma ONG que atuava na Praia do Futuro. Concomitantemente, o Ceará começava a tomar conhecimento dos primeiros casos de Covid-19. As primeiras confirmações haviam ocorrido na véspera, em 15 de março. Além do trabalho na ONG, Kitah também realizava atendimentos terapêuticos de astrologia e tarologia que, desde março, são realizados de forma online. "Eu lembro da última cliente que consegui atender pessoalmente e foi aí que eu me toquei que precisava me reinventar para nos preservar durante todo esse processo." Kitah, de 59 anos, divide apartamento na Praia do Futuro com outros dois amigos e era lá onde eram realizados os atendimentos. 

À medida que tomou conhecimento das informações sobre a pandemia, ao lado dos demais moradores da residência ela se deu conta da dimensão dos riscos e da necessidade de criar uma nova rotina. Em abril de 2020, eles não recebiam ninguém em casa e não saíam, exceto em casos essenciais. "Perdemos muitas camisas, porque usamos água sanitária para limpar tudo que chegava do mercado, começando pelas sacolas. Nós procuramos respeitar o isolamento e passamos todos esses dias trancados", relembra. 

Lockdown, parte I

E foi em meio ao isolamento que Kitah começou a receber as notícias difíceis. "Começamos a tomar conhecimento das mortes de pessoas próximas pela doença. Inclusive na ONG em que eu trabalhava antes. E também moradores do bairro." 

O impacto da mudança para o trabalho acabou sendo positivo. A internet proporcionou nova abrangência de clientes para os seus serviços terapêuticos, de outros estados e países. "Eu me vi tendo de reorganizar minha vida no trabalho e isso gerou muitas coisas positivas. Eu tomei consciência da necessidade de usar as redes sociais para interagir com meus clientes, que já estavam ali. Aí eu comecei a fazer algo que eu nunca tinha feito: aparecer em vídeos, lives", compartilha a taróloga.

 

Nas lives, ela trazia temas urgentes no seu trabalho, em analogia com os ciclos astrológicos e a energia do mês. Com o aumento da rentabilidade e o fato de estar isolada e longe da família, Kitah resolveu esperar a situação ficar controlável para visitar o filho que, desde 2019, está morando em Portugal com a família. "Estar longe me gerava muita tristeza e preocupação. Juntei uma grana para visitá-lo, mas sempre apreensiva por causa do contexto pandêmico. A partir do momento em que os óbitos começaram a reduzir eu me senti segura pra viajar", contou.

Em dezembro de 2020, Kitah viajou para Portugal para passar as festividades de ano ao lado do filho, mesmo que isolados por lá também. "Eu saí de um isolamento em Fortaleza e vim pra outro em Portugal. Eu estou com a passagem comprada para voltar em março, mas a situação que vemos daqui é de preocupação. Não me sinto segura em voltar", contou Kitah, que continua atendendo de forma remota. 

Lockdown, parte II

Kitah conta que, em Portugal, percebe maior rigor das regras do lockdown e respeito da população, que está sujeita a multas em caso de descumprimento. "Essa situação tem sido tratada com um descaso muito grande no Brasil. É um desrespeito a vida das pessoas. Muitas pessoas estão sofrendo, mas isso tem atingido de forma mais impactante populações que estavam em vulnerabilidade. O governo faz com que toda a população se apavore e o Brasil vira uma ameaça pro mundo inteiro", desabafou.  

A solidão do isolamento 

Um hábito cultivado pela filósofa em 2020 e que continua até hoje é o de ligar todos os dias para alguém. "Em determinado momento, as perdas começaram a se aproximar e isso foi gerando uma certa ansiedade. Se eu acordava pensando numa determinada pessoa, eu ligava pra ela e isso me possibilitou resgatar algumas relações", conta Kitah, também percebeu mudança nas relações familiares. Mesmo geograficamente longe, ela acabou ficando mais próxima, pelas vídeo chamadas regulares.

 

A opção pelo isolamento desde início foi sobre cuidado. "Se todas as pessoas tivessem feito isso teríamos mais condições de controlar a pandemia. Mas, sabemos também que, para isso acontecer, precisamos dar condições para as populações de baixa renda, para que elas estivessem também isoladas. Não temos nada em relação a isso e as pessoas saem de casa pra batalhar pra ter o que comer", lamenta.