Em Icó, tamarineira com quase 200 anos cai e traz à tona questões históricas

Conheça a história das tamarineiras, árvores símbolos da força e da luta de mulheres cearenses por mais visibilidade em Icó

14:51 | Fev. 22, 2021

Por: Levi Aguiar
Tamarindeira (ou tamarineira?) caída no município de Icó (foto: Richard Lopes)

A tamarineira de quase 200 anos caiu na manhã do último dia 15, segunda-feira, na rua Desembargador José Bastos, em Icó, no Ceará. O motivo foi o crescimento irregular da árvore, causando uma má distribuição de carga e estabilidade da estrutural do vegetal. A árvore tem uma importância cultural e histórica para a Cidade e seus moradores, é sombra para encontros, move discussões e remonta ao passado corajoso das mulheres.    

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De acordo com o historiador e coordenador de Cultura e Turismo de Icó, Cláudio Pereira, em meados de 1835, as tamarineiras começaram a ser plantadas na região. Segundo ele, as árvores são resistentes, adaptáveis ao clima da região e crescem rápido. Ele lembra que a árvore foi plantada por Glória Dias e guardava uma grande sombra e muita história do "Icó antigo".

O destaque das árvores está no incômodo provocado ao Barão do Crato, Bernardo Duarte Brandão, porque elas serviam de abrigo e sombra para viajantes e as tropas de animais, que o incomodavam com o barulho, a sujeira e mau cheiro deixado pelos bichos.

“O Barão era um homem culto e rico, que recebia muitas visitas e a sujeira e o mau cheiro começaram a incomodar”, comenta o professor Cláudio. O Barão do Crato ameaçou cortar as tamarineiras. No entanto, ele recebeu como resposta de dona Glória, que caso o fizesse, ela iria explodir seu sobrado.

A proprietária da fazenda havia encomendado a pólvora e o Barão, conhecedor da coragem e valentia da mulher, acabou recuando. Em seguida, toda a pólvora foi doada para os festejos do Senhor do Bonfim. Desde então, é parte da tradição da cidade a queima de fogos no dia 1º de janeiro, logo após a procissão com a imagem de Jesus crucificado.

Preservação

 

Cláudio Pereira argumenta sobre a importância histórica da tamarineira e fala sobre a necessidade de preservar a memória das pessoas em relação aos fatos de importância histórica. “O intuito agora é replantar e despertar nas futuras gerações a sensação de pertencimento, para que a nova geração possa se apropriar da cultura da cidade”, finaliza.

Sobre o Festival tamarineiras


Com um projeto apoiado pela Secretaria da Cultura do Estado (Secult/CE), o Coletivo Cultura no Largo vem produzindo intervenções artísticas e promovendo debates no Festival Tamarineiras, este ano, em sua segunda edição, realizado de forma remota. “A homenageada da primeira edição do nosso evento foi a dona Glória Dias, mulher que tem seu nome na história de Icó, por travar grandes disputas com o Barão do Crato, que ameaçou derrubar suas frondosas árvores. Uma forma de homenagem tanto à mulher quanto às árvores, pela resistência que se estendeu através do tempo e da história até nós”, comenta Patrícia Gomes, integrante do Coletivo.

O Coletivo, por meio do Festival Tamarineiras, busca exaltar o protagonismo e as produções de artistas mulheres no Ceará e promove oficinas, cultura e rodas de debates sobre temas como o papel da mulher na história.

Em nota, o Coletivo lamenta a queda da árvore: “Nós do Cultura no Largo (Alexia Duarte, Patrícia Gomes, Carlê Rodrigues e Daniel Bruno) lamentamos profundamente que ela tenha sucumbido. Mas acreditamos que a Natureza segue seu curso e somos nós agora parte e frutos desse legado”

Para o coordenador de Cultura e Turismo do Município,  Cláudio Pereira, o Festival é um dos momentos mais marcantes de Icó, pois é um evento eclético produzido por mulheres que envolve toda a cidade. "Ano passado, o festival aconteceu debaixo das árvores. Aquele é um espaço de muito valor cultural para Icó”, conclui Cláudio.

A programação acontece nos dias 25, 26 e 27 de fevereiro, de modo remoto. A transmissão de conteúdos será via canais oficiais do Cultura no Largo nas mídias sociais (Facebook, YouTube, Tumblr e Instagram). Mais informações através do e-mail: culturanolargo@gmail.com

A tamarineira


Segundo o engenheiro florestal da Secretaria do Meio Ambiente (Seduma), Jefferson Moreira, responsável pelo laudo técnico da queda da árvore, a causa foi a simetria irregular da copa. A arquitetura da copa se refere às diferentes formas que as espécies florestais podem desenvolver, em relação ao seu crescimento, distribuição de carga e estabilidade estrutural. A copa da árvore tendia o desenvolvimento para um lado, causando muita irregularidade em seu crescimento.

O técnico conta que as ações posteriores serão de preservação da raiz da árvore, que continua viva. “A proposta é deixar a raiz intacta, fazer o controle da copa e o tratamento da raiz para que ela se desenvolva, sem prejudicar o ambiente ao seu redor”, comenta Jefferson.

Colaborou com a matéria: Richard Lopes, radialista e filiado a ACEJI - Associação dos Jornalistas do Interior.