Um corpo que dança, mas também - e sobretudo - afronta. Que existe por resistir ou seria o contrário? Na periferia, em meio a pesquisas e corres diários, Wellington Gadelha, 32, faz de seu corpo o impulso para colocar-se sempre na linha de frente. Tal qual um alvo. "Cruzo constantemente territórios, seja realizando ações e fortalecendo alguns coletivos de juventudes, tais como Natora, Servilost, Bonja Roots e Raízes da Periferia, seja entendendo que meu corpo preto, favelado e urbano é alvo. Não por acaso, percebo que entre um corre ou outro, uma ida a determinado lugar ou não, fico em situação de jogo o tempo todo. Posso ser alvo!", dispara.
Foi a partir do projeto Afrontamento, posteriormente transformado em plataforma, que o intérprete-criador chegou à concepção de Gente de Lá. "A plataforma Afrontamento se pauta no afronte preto-favelado-urbano como estratégia principal para estar, pensar e propor ações em coletivo", explicou Wellington que, no solo, joga luz desde a abordagem do extermínio de jovens em Fortaleza ao massacre estruturante do povo no País. "Não abro mão de dançar isso! Mas agora estou trabalhando com algumas materialidades que, durante a montagem e composição, foram afirmando meu lugar na arte, bem como foi uma forma que encontrei de dançar com os que perdi", pondera.
Gente de Lá, aprovado no Rumos Itaú Cultural (2017-2018), ganhou corpo desde sua estreia e, já nesse primeiro semestre, chegará ao Rio de Janeiro e Zurique (Suíça). O ponto de partida, porém, será nesta sexta-feira, 22, às 19 horas, no Teatro Marcus Miranda do Centro Cultural Grande Bom Jardim (CCBJ). No Rio, Wellington Gadelha irá compor a programação do AdF 19, este em formato de laboratório imersivo de residência e criação. Já em Zurique, irá apresentar-se no Zurich Moves 2019. "O Atos de Fala (AdF) é uma plataforma de estudos e arte de performance que, desde 2011, tem no formato de festival sua principal realização. Nesta, ela propõe uma programação que discuta questões e proposições que orbitem o campo da fugitividade e da negritude", explica.
De lá para cá, o solo sofreu modificações. "Gente de Lá mudou bastante. Vem pedreira aê! A oportunidade de eu e Priscilla Sousa (responsável pela criação audiovisual e fotografia) trabalharmos com essa interlocução permitiu que o trabalho avançasse e que fosse construído um lugar de escuta, generosidade e estreitamento afetivo", destacou. Mas Gente de Lá, para Wellington, não se resume só a um espetáculo. "É a possibilidade de levar todo mundo que carrego comigo. Sou povoado por muitos e estamos em todos os lugares. Então, o corpo negro, favelado e urbano é uma constante. E esse é apenas um exercício, como diz Don L".
Sendo assim, quem seria essa "gente"? "O nome gera também um curto. Afinal, quem é 'gente de lá': sou eu que estou aqui e você aí que lê o jornal ou será você aí e eu que falo? Gente de Lá me coloca num estado de movimento e escuta que se torna capaz de dizer de onde eu venho, sou e vivo. Me permite criar outras ficções de mim, mas também sem esquecer a ideia e as reflexões que quero passar", explica. "Danço a perda, danço a morte, mas danço o afrontar, danço a vida. O trabalho agora busca disparar no silêncio. O trabalho foi se transformando, assim como meu corpo, na medida em que agora ele sabe mais o que quer, para onde vai e aonde quer chegar", garante.
Gente de Lá tem a pretensão de não ficar só por Zurique. "Por essas pontes que foram se dando e outras que estamos aguardando respostas, pode ser que essa ida se estenda até Portugal e esse pouso na Europa seja uma abertura que o trabalho venha a desbravar", adiantou. E reforça: "A ideia de um corpo roleta-russa fui entendendo não somente como uma ideia, mas como a materialidade do meu corpo em ato. Dançar, pra mim, é desculpa para estar junto. Não curto muito ser colocado como dançarino. Sei da importância de demarcar um local, principalmente em respeito e consideração a quem vem construindo esse campo na cidade, mas a dança não me abarca. Assim como o corpo de um irmão não cabe em um saco preto, não dá para caber na dança. A gente na rua e nos corres procura viver primeiro. Então dançar é só uma forma de respirar", concluiu Wellington.
Espetáculo Gente de Lá, de Wellington Gadelha
MARÇO
Fortaleza - Bom Jardim
Teatro Marcus Miranda/
Centro Cultural Grande
Bom Jardim (CCBJ)
Dia 22, às 19h
Gratuito
ABRIL
Suíça - Zurich
Zurich Moves 2019
No Tanzhaus Zürich -
Wasserwerkstrasse
129, 8037
Dia 11, às 19h
MAIO
Fortaleza - Barra do Ceará
Na Rede Cuca, Teatro
Dia 18, às 19h
Fortaleza - Mondubim
Na Rede Cuca, Teatro
Dia 18, às 19h
Rio de Janeiro
Ad.F 2019 - "Atos de Fala"
No Centro Coreográfico
do Rio de Janeiro
Rua José Higino, 115
Dia 29, às 19h