Logo O POVO+
De novo, o vice
Opinião

De novo, o vice

Edição Impressa
Tipo Notícia

Desde pelo menos 2015, primeiro ano do segundo - e breve - governo de Dilma Rousseff (PT), um personagem passou das coxias ao palco principal: o vice-presidente.

Michel Temer (MDB), se não por outra razão, entrará para a história como o vice que, mediante algum esforço, ora sutil, ora explícito, ascendeu à cadeira de titular do Palácio do Planalto. Na esteira da crise ao fim da qual a petista foi deposta, Temer foi progressivamente deixando a penumbra na qual se movimentava para se mostrar cada vez mais como aquele ator cujo perfil pacificaria o País naqueles anos de turbulência política. O fim dessa história é conhecido por todos.

Enredo parecido se deixa entrever agora na conduta do atual vice-presidente, o general Hamilton Mourão. Embora não se veja nele - ainda - predisposição para apear Jair Bolsonaro (PSL) da titularidade, tampouco o ambiente político é propício a tal manobra, nota-se certo empenho do militar em mostrar-se simpático a setores usualmente avessos ao político do PSL. É o caso das centrais sindicais, com parte das quais Mourão abriu diálogo.

O gesto é louvável, claro. Afinal, são instituições funcionando dentro do regramento legal. Ocorre que, somado a esse, há uma série de outros episódios cuja resultante aponta para um cenário já visto há pouquíssimo tempo: o vice está demasiadamente à vontade sob os holofotes.

Nada obriga a que o militar subscreva todas as opiniões do presidente. Mesmo durante a campanha, Mourão já se revelava controverso, perorando gratuitamente sobre um vasto leque de assuntos e criando problemas para o então candidato. Outra coisa, porém, é que seu comportamento, agora eleito junto com Bolsonaro, abra margem
para suspeitas.

Numa democracia, é inevitável que um governo tenha focos de tensão interna, originados em divergências entre os diversos auxiliares. É preocupante, no entanto, quando o vice movimenta-se de modo a sugerir, ainda que remotamente, que é uma alternativa viável em caso de impedimento do superior.

Por tudo que já se viu no Brasil, não seria saudável que, em meio a um ambiente polarizado, fruto da eleição mais acirrada desde a redemocratização, o vice-presidente passasse a pontificar sobre todo e qualquer assunto, cumprindo um roteiro de piscadelas à direita e à esquerda e colaborando para a instabilidade política. Definitivamente, esse não é o papel de um vice.

Sempre plural

Recentemente me deparei com a lista dos 100 melhores discos de 2018, segundo o blog Embrulhador. Para minha surpresa, conheço menos da metade dos apontados naquela seleção assinada pelo jornalista paraibano Ed Félix. E, entre os nomes que conheço, nem todos cheguei a ouvir - uns por não saber que tinham lançado novos trabalhos e outros por falta de interesse.

A lista do embrulhador é vasta e plural como a música brasileira de qualquer época. Passa pelo elogiado de Baco Exu do Blues e pelo sofisticado Duo Gisbranco. Tem ainda os veteraníssimos Erasmo Carlos, Renato Teixeira e Almir Sater, e jovens como Raphael Costa e Gui Hargreaves. Nesse meio, nomes da cena cearense como Dalwton Moura e Rogério Franco (do álbum Futuro e Memória) e Clau Aniz (com sua estreia Filha de Mil Mulheres).

Listas de melhores do ano são sempre polêmicas e, mesmo se feitas com todo o cuidado, são sujeitas a discordâncias e reavaliações. Mas fico feliz de não conhecer boa parte dos citados no ranking. Isso é uma prova de que ainda há muito o que conhecer do que se produz na música popular brasileira. Com a queda do modelo das grandes gravadoras, a produção foi ficando mais plural e, aparentemente,
mais democrática.

A produção independente no meio musical não é novidade. O pianista Antônio Adolfo fez isso em 1977 e o grupo vocal Boca Livre vendeu mais de 100 mil cópias da estreia custeada do próprio bolso. A dificuldade, antes e agora, está em fazer o público conhecer e ouvir esses trabalhos. Cada disco jogado numa plataforma de streaming é uma gota em meio a um oceano de informações nem sempre organizadas. A ausência de um projeto gráfico, um formato inovador, uma imagem bonita também tiram do virtual um atrativo do físico.

Ainda assim é bom saber que, enquanto muito dizem que não tem mais nada que preste na música nacional, tem alguém preocupado em tirar uma melodia do violão para colocar (ou não) uma letra. Se essa combinação envolver sensibilidade e outros elementos próprios das obras artísticas, é bem provável que essas canções tenham vida além do Carnaval. n

Weiber Xavier - Médico e professor de Medicina na UniChristus
Weiber Xavier - Médico e professor de Medicina na UniChristus

As novas "pragas egípcias"

O faraó Ramsés II não consentiu que os hebreus partissem de suas terras, levando assim a uma série de pragas: a transformação da água do rio Nilo em sangue, invasões de rãs, piolhos, moscas, morte do gado, feridas, chuva de pedras, nuvens de gafanhotos, trevas e a morte dos primogênitos.

Na busca da eterna juventude e do paraíso prometido do antienvelhecimento, hoje muitos recorrem a toda sorte de receitas. O glúten, cujo pão é alimento básico para mais de 1/3 da população mundial hoje se tornou um vilão. Pesquisas demonstram que 1/3 dos americanos evitam o glúten, embora a doença celíaca somente afete menos de 1% da população e não exista pesquisa científica conclusiva que o glúten prejudique o desenvolvimento ou funcionamento de indivíduos saudáveis. Observa-se, ainda, uma verdadeira "pandemia de deficiência de vit D". No entanto, isso baseia-se na interpretação e aplicação incorretas dos valores de referência para a vitamina D. Como esses entendimentos errôneos podem ter implicações adversas para o paciente, incluindo o desnecessário rastreamento e suplementação de vitamina D, além dos custos, é importante esclarecer que em indivíduos sadios e sem fatores de risco significativos, a avaliação de rotina e suplementação de vitamina D não é recomendada. O que dizer então do uso de hormônios sem deficiência comprovada por pseudoespecialistas em "modulação hormonal", especialidade não reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina, da proibição irrestrita da ingestão de lactose, de múltiplos exames laboratoriais em pessoas sadias, inclusive zinco e selênio... Certamente teremos mais de 10 "pragas egípcias" modernas, numa população ávida por novidades e por falsas promessas, com acesso promíscuo ao "Dr. Google" a vida segue breve e a medicina como arte, longa e difícil, como diria Hipócrates: " há verdadeiramente duas coisas diferentes: saber e crer que se sabe. A ciência consiste em saber; em crer que se sabe reside a ignorância".

Ao fim de tantas calamidades, Ramsés II, finalmente, concordou com o êxodo dos judeus do Egito. n

Ricardo Perdigão Pamplona
Economista
Ricardo Perdigão Pamplona Economista

Ceará turístico, muito além do 'sol & praia'

O Ceará vem ganhando destaque no mercado global de turismo, especialmente após a conquista do hub aéreo, transformando Fortaleza num importante portão de entrada de turistas estrangeiros. Aproximadamente 1,2 bilhão de pessoas viajam pelo mundo, alavancando a geração de emprego e renda; o turismo internacional já é responsável por 30% dos serviços globais e pela geração de 1 em cada 11 empregos!

Nos últimos 10, 15 anos, observa-se uma grande mudança na dinâmica do turismo, graças entre outros, à consolidação da globalização, uso intensivo das novas tecnologias da informação, avanços nos sistemas de transportes e mudanças nos hábitos e preferências dos turistas. Nesse contexto, uma forte tendência é a procura crescente por atividades ligadas à cultura (ativo primordial para o desenvolvimento do turismo) resultando na criação de novos produtos, entre eles, as rotas culturais.

Uma rota cultural é um conjunto de lugares, elementos, comunidades e singularidades, surgindo de maneira natural, espontânea ou planejada, organizados em forma de rede dentro de uma região determinada e que estando devidamente estruturados e sinalizados, suscitam o interesse do setor turístico. Via de regra se organizam em torno de um tema e devem oferecer aos visitantes, atrações e atividades, além de adequada infraestrutura! Em resumo, rota cultural é um itinerário, roteiro, caminho que permite conhecer e desfrutar de forma organizada os recursos culturais como expressão da identidade cultural da região.

Espera-se que essa nova gestão consiga corrigir a miopia do 'sol & praia' sistematizando uma cooperação efetiva entre turismo e cultura, implantando estratégias consistentes de turismo cultural que resultem na criação de novos produtos a partir da rica diversidade natural e cultural que o Ceará dispõe, gerando como benefícios o incremento da competitividade pela diversificação da oferta turística, redução da sazonalidade, aproximação de pessoas e de culturas e alavancagem de negócios com geração de emprego e renda nas comunidades envolvidas. n

André Haguette  - Sociólogo e professor titular da Universidade Federal do Ceará -UFC
André Haguette - Sociólogo e professor titular da Universidade Federal do Ceará -UFC

Cultivar o desejo de aprender

A cada novo ano escolar, faço-me as mesmas perguntas: por que não conseguimos nos tornar uma nação instruída; por que, a exemplo de tantos países, não logramos universalizar uma educação básica de qualidade; por que temos tanta resistência a aprender e a ensinar; por que tão poucos possuem o desejo de aprender e de ensinar?

Penso que as respostas se encontram na cultura de nossas famílias. Escrever, ler, estudar para aprender - diferentemente de falar - não são atos inatos nem impulsos instintivos. São virtudes adquiridas através da orientação que famílias passam a seus filhos, continuamente, geração após geração, dentro de determinados ambientes sociais. Há ambientes que não encorajam a aprendizagem individual e coletiva, até proíbem-na, como a escravidão e a pobreza extrema, duas pragas sociais que fazem parte de nossa herança coletiva. Há, no entanto, outros contextos econômicos que impulsionam e exigem cultivar, até cultuar, a vontade e a paixão pelos estudos, como as profissões técnicas, profissionais, de serviço e a propriedade de bens de capital de certos pais. Daí se pode dimensionar o nosso atraso em insistir em manter um duplo sistema de educação, o público e o privado, cada um com públicos diametralmente opostos em termos de valorização e investimento na aprendizagem escolar.

Nesses dias, a televisão passa e repassa uma campanha publicitária de um renomado colégio privado cearense, comercial magistralmente conduzido por Fernanda Montenegro, que, elogiando a performance dos alunos da instituição em vestibulares, conclui: "grandes alunos, grandes professores, grande colégio". A mensagem fica incompleta e truncada, omitindo o mais importante, a família; o certo seria dizer: "grandes e abastadas famílias, grandes alunos, grandes professores e grandes colégios privados ou públicos". A família é a raiz de toda boa aprendizagem, a começar pelo cultivo da necessidade e do desejo de aprender. Sabe-se, com efeito, o quanto essas famílias abastadas de "grandes alunos" investem diariamente em motivação, esforços, disciplina e recursos financeiros para desenvolver nos seus filhos o desejo e a disciplina de estudar para aprender. Ao nascer, a tartaruga corre para o mar; os humanos não nascem correndo para o estudo; o desejo de estudar para aprender lhes é insuflado pela persistência de pais que compreendem que, numa sociedade de conhecimento, só têm êxito os altamente escolarizados.

O sucesso escolar, portanto, não é, em primeiro lugar, resultado dos esforços de professores e de escolas, mas de um longo e constante trabalho coletivo; de uma persistente ação educativa da e na família. Reunir todos os alunos num único sistema público escolar é necessário, embora improvável. É, todavia, possível trabalhar para desenvolver nos pais a convicção da necessidade de nutrir nos filhos o desejo de estudar para aprender. Pesquisas internacionais (Pisa) mostram que filhos de famílias carentes podem ter boa aprendizagem quando instigados pelos pais. n

Cleyton Monte
Cientista político, professor universitário e pesquisador do Lepem (Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia)
Cleyton Monte Cientista político, professor universitário e pesquisador do Lepem (Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia)

A imprensa deve incomodar

Todo início de governo fica no ar a mesma pergunta: qual vai ser a postura dos canais de televisão diante do novo governante? Sabemos que essas empresas possuem interesses econômicos e políticos. Alguns são explícitos, outros insondáveis. A imparcialidade da imprensa é um sonho inalcançável. A questão ganha relevância quando líderes assumem o poder com uma postura hostil ao trabalho jornalístico. Não há dúvida de que a liberdade de imprensa é um pilar da democracia. Contudo, para além desse princípio basilar, causa certa inquietação o silêncio ou a apatia de vários veículos de comunicação diante de escândalos. Acredito que o papel crucial da imprensa é incomodar os governos.

De Huxley a Orwell, passando por Clarke e Burgess, autores de distopias escritas no calor das guerras do século XX, símbolos do imaginário autoritário que se erguia a partir de uma imprensa imobilizada. O cenário é outro. Não temos regimes armados censurando a imprensa. Múltiplas vozes ecoam em diferentes plataformas, mesmo assim os enormes problemas não são aprofundados. Coberturas ficam pela metade. O enquadramento acaba beneficiando interesses palacianos ou vozes subterrâneas. Personagens são esquecidos. O espetáculo sensacionalista ganha lugar central. Um exemplo cabal. Tragédias como as que abalaram a cidade de Brumadinho tiveram como foco o resgate das vítimas. Muito bem, mas e a responsabilidade da mineradora? E a conivência do poder público?

Quando digo que a TV deve incomodar, não me refiro ao estilo udenista de conspiração, iniciado antes do golpe de 1964. Obviamente, não vejo essas empresas como heroínas da esfera pública. O essencial é que os governos saibam que estão sob o olhar atento de jornalistas que vão até o fim em suas investigações. A mídia tradicional perdeu parte significativa de sua credibilidade. A força das famílias que controlam as maiores redes de televisão foi abalada. Canais alternativos na internet passaram a ocupar espaço nessa busca pela dinamicidade dos fatos. A imprensa internacional joga seus holofotes sobre o Brasil. Creio que os veículos que optarem pela estratégia de apoio submisso aos governos de plantão, correrão sério risco de perder audiência. O jornalista poderá manchar sua reputação. Orwell sempre lembrava os perigos do servilismo midiático. n

Roberto Cláudio
Roberto Cláudio

Código da Cidade. O manual de uso do cidadão

Dentre as várias atribuições do poder público no fazer cidade, está a tarefa de regulamentar o convívio entre o cidadão e sua cidade. Muitas vezes denominado de Código de Obras e Posturas, este manual de boas práticas para com a cidade, dispõe sobre a execução de obra, aspectos comportamentais relacionados à ordem pública e funcionamento de equipamentos e atividades.

Aqui em Fortaleza, o nosso "manual do usuário", ou melhor, o nosso "manual do cidadão" está, há muito, desatualizado. O Código de Obras e Posturas data de 1981. Com práticas contemporâneas inéditas, o novo Código, ora encaminhado à Câmara Municipal de Fortaleza, será o Código da Cidade. E Fortaleza ousou. Dividido em quatro temas, Ambiente Natural, Ambiente Construído, Posturas Municipais e Ética na Relação entre Poder Público e a Sociedade, o Código se propõe a estabelecer um novo momento entre cidadão, cidade e administração pública. Um momento de integração e de compartilhar o fazer cidade.

Como principais regras para o ambiente natural, o Código da Cidade regulamenta os padrões de qualidade ambiental; institui a certificação ambiental para construção, produtos e atividades econômicas sustentáveis; implementa ações de enfrentamento às mudanças climáticas; estabelece a política de bem-estar e proteção animal, além de regulamentar a educação ambiental como instrumento de gestão.

Para o ambiente construído, o Código insere os conceitos e práticas de sustentabilidade no processo construtivo e no canteiro de obras; implementa o armazenamento e reuso de águas pluviais e águas cinzas; regulamenta o retrofit de edificações em processo de desvalorização.

Em relação às posturas municipais, fomenta as atividades vinculadas à nova economia como os escritórios virtuais; regulamenta as calçadas, assim como os procedimentos de licenciamento eletrônico, promovendo a busca pelo bom ambiente regulatório da cidade.

Da ética na relação entre poder público e a sociedade, o novo Código ousa na orientação para transparência na informação e a participação social nos projetos da cidade e estabelece a aplicação das penalidades quando da infração as regras urbanas e ambientais de nossa cidade.

Enfim, é no Código da Cidade que nossos direitos e deveres enquanto cidadãos estão pré-estabelecidos! É só seguir e nossa cidade agradecerá! n

O que você achou desse conteúdo?