Quem são as irmãs afegãs que fugiram do Talibã para participar dos Jogos

As irmãs Hashimi, ciclistas afegãs que desafiaram o Talibã, são símbolo de perseverança nas Olimpíadas de Paris 2024, inspirando mulheres ao redor do mundo

23:04 | Jul. 30, 2024

Por: Caynã Marques
Ciclistas afegãs que fugiram do Talibã para perseguir o sonho de competir nos Jogos Olímpicos de Paris (foto: Valentin Flauraud/AFP)

Vivendo em um país em que leis extremistas prevalecem, onde as mulheres são proibidas de participar de esportes, educação e empregos, as irmãs Hashimi desafiaram as probabilidades para conseguir seu sonho olímpico.

Naturais do Afeganistão, as irmãs Hashimi são as primeiras ciclistas femininas a representar o país nas Olimpíadas. Nascidas em uma área remota e conservadora em Faryab, Afeganistão, Fariba e Yulduz Hashimi estavam destinadas a ir contra as probabilidades.

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Fariba Hashimi já participou da sua primeira prova olímpica, no dia 27 de julho. A ciclista afegã competiu na modalidade "ciclismo de estrada" e terminou na 26ª colocação. A prova foi vencida por Grace Brown, da Austrália, seguida de Anna Henderson, da Grã-Bretanha, e Chloé Dygert, dos Estados Unidos, respectivamente.

Irmãs afegãs nas Olimpíadas: início do sonho

Durante a adolescência, elas viram um torneio local de ciclismo e decidiram participar. As irmãs também tiveram que garantir que ninguém, especialmente seus pais, as reconhecessem devido à área extremista e conservadora, onde acreditam que é crime mulheres participando de qualquer esporte.

Outro problema era que elas não tinham uma bicicleta. Então, pegaram emprestada a bicicleta de um vizinho e decidiram participar.

As irmãs usavam nomes falsos e se cobriam, vestindo roupas largas, grandes lenços na cabeça e óculos de sol para que as pessoas não as reconhecessem. Quando o torneio aconteceu, ambas as irmãs ficaram em 1º e 2º lugar.

Irmãs afegãs nas Olimpíadas: chegada do Talibã ao topo e repressão

A liderança do Talibã foi derrubada pouco mais de um ano depois, quando os Estados Unidos invadiram em resposta aos ataques terroristas de 11 de setembro na cidade de Nova York e outros locais no continente americano. Após quase 20 anos de insurgência, o grupo islâmico retornou ao poder em agosto de 2021.

Seguiu-se uma repressão imediata aos direitos das mulheres, incluindo o acesso ao esporte. Vários atletas fugiram do país para continuar a perseguir suas ambições atléticas. Fariba e Yulduz Hashimi escaparam para a Itália com a ajuda da ex-campeã mundial de corrida de rua, Alessandra Cappellotto.

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Antes de sua ida para a Itália, elas passaram por um momento extremo, quando um motorista de riquixá as atropelou intencionalmente. Mas a dupla foi superando todas as adversidades, porque o sonho falava mais alto.

O caso das duas atraiu a atenção da Federação de Ciclismo do Afeganistão, que ofereceu uma vaga na equipe nacional.

Irmãs afegãs nas Olimpíadas: negação da própria família

As irmãs enfrentaram até mesmo a reprovação da família, que achava que elas deveriam desistir do sonho.

“As pessoas nos receberam nas ruas atirando pedras e nos insultando, porque aparecemos em público sem cachecol, com roupas curtas e capacete”, relatou Fariba em entrevista à CBS News.

“Minha família não ficou feliz no começo e nos pediu para desistir”, disse a atleta. Mas elas conseguiram convencer os pais, que as levaram até Cabul para inscrição.

Irmãs afegãs nas Olimpíadas: reviravolta e realização de um sonho

Elas se estabeleceram no norte da Itália, onde retomaram seu treinamento nos terrenos das Dolomitas - uma cordilheira nos Alpes da Itália. Cappellotto organizou tudo, desde aulas de idiomas até contratos com uma equipe de ciclismo italiana.

Em 2022, Fariba foi coroada campeã afegã de ciclismo feminino após ultrapassar sua irmã no Campeonato Feminino de Estrada do Afeganistão – uma competição realizada na Suíça para 50 ciclistas afegãs que vivem no exílio.

A corrida foi organizada pela UCI, o órgão mundial de ciclismo. Desde então, elas se juntaram à equipe feminina do UCI World Cycling Centre, na Suíça.

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A tomada do Afeganistão pelo Talibã levantou dúvidas sobre a participação da nação nas Olimpíadas. No entanto, o Comitê Olímpico Internacional (COI) tem permissão para selecionar atletas sem interferência do governo. 

Irmãs afegãs nas Olimpíadas: fonte de inspiração para mulheres e crianças

Seis atletas (três mulheres e três homens) do Afeganistão estão participando dessas competições. Além disso, a tocha olímpica foi carregada por duas atletas femininas de Taekwondo do Afeganistão, trazendo alegria às mulheres afegãs.

Enquanto isso, algumas atletas femininas divulgaram vídeos, pedindo aos participantes olímpicos que não se esqueçam daqueles que foram sistematicamente excluídos dos esportes no Afeganistão.

A presença do contingente esportivo afegão com sua equipe técnica na cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris 2024 desencadeou uma onda de reações positivas entre os cidadãos do Afeganistão, tanto dentro quanto fora do país.

Inclusive, no Desfile das Nações que aconteceu durante a abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, a porta-bandeira do Afeganistão foi justamente a ciclista Fariba Hashimi. Sua presença virou um dos símbolos de perseverança nesta edição dos jogos.

Quer ganhem ou não, a participação delas com tanta luta, zelo, determinação, desafiando as probabilidades e a sociedade islâmica conservadora, tomada pelo Talibã, vai além de ganhar uma medalha.