Ceará teve três medalhistas olímpicos: relembre Shelda, Márcio e Juliana/Larissa, do vôlei de praia
Shelda foi prata em Sydney-2000 e Atenas-2004, ao lado de Adriana Behar, enquanto Márcio foi prata em Pequim-2008, junto a Fábio. Já em Londres-2012, foi a vez de Juliana e LarissaO vôlei de praia foi oficializado como um esporte olímpico em 1996, fazendo a estreia nos Jogos Olímpicos de Atlanta. Desde então, o Brasil ganhou medalhas, seja na modalidade masculina ou feminina, em cada edição da competição poliesportiva. Até a Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016, foram três de ouro, sete de prata e três de bronze, totalizando 13 medalhas.
Das areias do Ceará surgiram Shelda Bedê, considerada uma das maiores de todos os tempos, prata nas Olimpíadas de Sydney (2000) e Atenas (2004), ao lado da carioca Adriana Behar e Márcio Araújo, prata em Pequim (2008), quando fez dupla com o capixaba Fábio. Ambos entraram para a história ao se tornarem os únicos cearenses — até agora — a conseguirem subir ao pódio olímpico.
É + que streaming. É arte, cultura e história.
Shelda Bedê e as mil vitórias
Ao lado da carioca Adriana Behar, Shelda Bedê formou uma das duplas mais vitoriosas e importantes da história do vôlei de praia. Durante os 12 anos de parceria, conquistaram 1.101 vitórias e 114 títulos, sendo duas medalhas olímpicas de prata, um ouro pan-americano e sete títulos do Circuito Mundial.
A trajetória de Shelda começou em 1991. A cearense, considerada baixa para o vôlei de quadra (1,65m), viu nas areias a oportunidade de continuar no esporte. No mesmo ano, um acidente de trânsito quase interrompeu sua carreira. Na ocasião, sofreu uma fratura séria na mão direita e precisou ficar seis meses afastada.
Em 1992, Shelda e Adriana se juntaram e passaram a disputar os campeonatos. A primeira grande conquista veio no mesmo ano, quando venceram o Circuito Brasileiro. Começaram a se destacar de forma rápida nacionalmente e, anos depois, expandiram seus triunfos para torneios internacionais. Ouro no Pan-Americano de Winnipeg, no Canadá, além do primeiro lugar no Circuito Mundial, vieram em 1999.
Chegou o ano 2000 e consigo o maior desafio até então: Jogos Olímpicos de Sydney. Atuais tricampeãs mundiais e líderes do ranking da categoria, eram cotadas como favoritas à medalha de ouro. Não decepcionaram. Nas oitavas de finais, fase já eliminatória, enfrentaram as alemãs Musch e Friedrichsen e venceram sem dificuldades. Nas quartas, as australianas Gooley e Mansen também não ofereceram perigo às brasileiras, que chegaram às semifinais.
Há um jogo da final, era necessário, antes, vencer as japonesas Mika Saiki e Yukiko Takahashi. E aconteceu. Novamente uma vitória tranquila. Na época, Eurico Miranda, então presidente do Vasco e responsável por patrocinar a dupla, demonstrou insatisfação em relação à falta de destaque que a imprensa brasileira dava a Shelda, que, de acordo com ele, era a melhor atleta de voleibol do mundo. "Shelda é, juntamente com o Guga, a melhor atleta do Brasil. É a melhor do mundo no voleibol e merecia, por isso, muito mais espaço do que tem hoje", disse, à época, citando ainda o tenista Gustavo Kuerten, que em 1997 ganhara Roland Garros pela primeira vez.
A final aconteceu contra as australianas Natalie Cook e Kerri Pottharst. Em um dia pouco inspirado das brasileiras, foram derrotadas por dois sets a zero, ficando com a prata. À época, a imprensa nacional tratou como decepção — estendida ao resto do time olímpico brasileiro, que ficou sem medalhas de ouro pela primeira vez desde 1976. O feito, no entanto, foi histórico para Shelda e para o Ceará. Pela primeira vez um cearense conquistava uma medalha olímpica.
O feito se repetiu quatro anos depois, em 2004, nas Olimpíadas de Atenas. A dupla já somava nove anos de parceria e chegaram ao torneio mais maduras, ainda líderes do ranking e novamente sob a expectativa da conquista do inédito ouro. A caminhada até a final foi semelhante a dos Jogos de Sydney, sem grandes dificuldades, com exceção da quarta de final, quando precisaram derrotar outra dupla brasileira, Ana Paula e Sandra, em jogo bastante disputado de três sets.
Na ocasião, Dona Tânia, mãe de Shelda, que assistia ao jogo com familiares em Fortaleza, revelou em entrevista ao O POVO que o sentimento da partida foi semelhante à final de Sydney. “Meu sentimento se assemelhou à final de Sydney, em 2000. Lá, elas foram pra final e o Brasil todo estava esperando o ouro, mas elas perderam. Hoje fiquei muito tensa, como se fosse uma final, pela outra dupla ser brasileira, por serem fortes e porque quem perdesse iria sair”, disse, à época.
Na semifinal, reencontro com Natalie Cook. Dessa vez, formando dupla com outra australiana, Sanderson. As brasileiras não deram chance e venceram a partida por dois sets a zero, vingando, de certo modo, a derrota sofrida na final de Sydney.
Na final, contra as então jovens americanas Walsh e May, Shelda e Adriana foram prata novamente. A dupla dos EUA viria a ser tricampeã olímpica e são vistas, hoje, como as maiores jogadoras de vôlei de praia da história.
Shelda e Adriana Behar se mantiveram juntas até 2007, quando a carioca anunciou sua aposentadoria. Em 2010, Shelda Bedê também se encerrou a carreira e, no mesmo ano, foi incluída no Hall da Fama do Voleibol, consagrando-se como uma das maiores do vôlei de praia.
Márcio Araújo e o caminho até Pequim
Assim como Shelda, Márcio iniciou a carreira nas quadras. Não durou muito e logo as trocou pelas areias da Volta da Jurema, em Fortaleza, no ano de 1990, quando passou a fazer um trabalho de "sparring" para a então dupla sensação da época, Franco e Roberto Lopes. O termo "sparring" é popular no universo das artes marciais e é utilizado para auxiliar um atleta no treino, como uma espécie de "saco de pancada". No vôlei, o conceito também é aplicado.
"Comecei na quadra. Era bom jogador, mas não o melhor. Era substituível. Na época, meu técnico era o Ronald, que treinava o Franco e o Roberto, e sempre levava a gente para treinar com eles. Eu ia morrendo de medo de atrapalhar", revelou Márcio, em entrevista ao O POVO, em 2008.
A construção da sua vitoriosa carreira, no entanto, demandou tempo e paciência. Antes de se unir ao capixaba Fábio Luiz, com quem conquistou a prata em Pequim, Márcio formou parcerias com Reis e Benjamin, sem grande destaque.
Ao todo, foram 280 etapas disputadas no Circuito Brasileiro, com 104 medalhas conquistadas. No Circuito Mundial, 170 etapas e 56 medalhas vencidas. A principal conquista foi nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008.
Apesar de terem sido a penúltima dupla a se classificar para a Olimpíada de Pequim, Márcio e Fábio chegaram com força ao torneio. Nos bastidores, Márcio conta ter encontrado o tricampeão olímpico (duas vezes na areia e uma na quadra) Karch Kiraly (EUA), e diz ter pedido conselhos ao atleta americano. "Eu perguntei a ele o que deveria fazer para ganhar uma medalha e ele me disse 'point by point', ou seja, ponto a ponto. E a gente foi nessa linha", contou ao O POVO, em 2008. Kiraly é considerado o maior nome da história do voleibol mundial.
E, de ponto em ponto, Márcio chegou às semifinais, contra outra dupla brasileira, Ricardo e Manuel — então atuais campeões olímpicos e favoritos ao ouro. O cearense, ao lado do seu parceiro capixaba, se superou nas areias de Atenas e venceu o jogo por dois sets a zero, considerado uma surpresa para muitos.
A final foi contra a forte dupla americana Roger e Dalhausser, e, apesar dos brasileiros abrirem vantagem de 8 a 2 no primeiro set, não foi o suficiente para garantir a vitória. No fim, o ouro ficou com os Estados Unidos, mas a recepção de Márcio e Fábio ao retornarem ao Brasil foi de verdadeiros campeões, com direito a desfile em carro de bombeiros.
Márcio anunciou sua aposentadoria em 2016, acumulando um Campeonato Mundial (2005), tricampeonato do Circuito Banco do Brasil (2000,2005 e 2013), cinco vice-campeonatos do Circuito Mundial e uma medalha olímpica de prata. "Tenho um prazer imenso de ser cearense. É um orgulho dividir esses títulos com todo o Ceará", disse Márcio em entrevista, do O POVO.
Das areias de Fortaleza a Londres
Maior vencedora de torneios do Circuito Mundial, com 45 conquistas, Larissa França formou ao lado de Juliana Silva uma vitoriosa dupla nas areias do vôlei de praia. Durante a parceria, que durou oito anos, foram bicampeãs Pan-Americanas, nos jogos do Rio de Janeiro, em 2007, e em Guadalajara, no México, em 2011; seis títulos do Circuito Mundial, além do seu principal triunfo juntas: medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012.
Nascida no Espírito Santo, Larissa se mudou para Belém, no Pará, logo no início da sua infância. Praticante de esportes de quadra, cresceu nutrindo uma paixão pelo handebol. O vôlei era sua última opção, até conhecer a modalidade disputada nas areias de praia. "O vôlei era o esporte que eu menos gostava. Meu preferido era o handebol, porque a bola estava comigo toda hora. Tudo mudou quando conheci o vôlei de praia. São só duas pessoas na quadra, e a bola passa por mim sempre", contou em entrevista ao Gazeta On-line, em 2016.
A capixaba iniciou sua trajetória com a paulista Juliana em 2004. A parceria rendeu diversos títulos e recordes. Ao todo, são mais de 100 títulos. Ao lado de Adriana Behar e Shelda, foram a dupla com maior número de conquistas do Circuito Mundial de Vôlei de Praia, totalizando seis. Também foram recordistas de finais consecutivas no Circuito Banco do Brasil (BB), com 20, além das maiores vencedoras de forma consecutiva do circuito, com 11.
As jogadoras ainda conseguiram a maior invencibilidade no Circuito BB, com 60 jogos sem derrota, e o maior número de conquistas de etapas no circuito Mundial, com 42. Larissa ainda possui um recorde individual relevante: foi a atleta que mais arrecadou em premiações no Circuito Mundial na história, com US $1.669.735 milhões.
Apesar de não serem cearenses, construíram suas carreiras em Fortaleza, onde moraram e treinaram durante os anos de competição. "Eu (Juliana) sou de Santos e a Larissa do Espírito Santo, mas nos consideramos cearenses. Fortaleza representa uma grande virada na nossa vida e é uma enorme satisfação levar o nome do Ceará pelo mundo afora", relatou Juliana, em entrevista ao O POVO, em 2012.
A primeira participação da dupla em Jogos Olímpicos deveria acontecer em Pequim-2008, mas uma lesão tirou Juliana do torneio. Na ocasião, Larissa disputou a competição ao lado de Ana Paula. A falta de entrosamento foi fator determinante, resultando no quinto lugar.
Nos Jogos de Londres-2012, desta vez com Juliana, a campanha foi diferente. Cotadas como favoritas ao ouro, chegaram sob fortes expectativas. Atuais campeãs mundiais e do Circuito Mundial, foram, por muito tempo, líderes do ranking mundial — perderam o posto semanas antes do início dos Jogos para a dupla chinesa Xue e Zhang.
O início das brasileiras foi avassalador. Foram cinco vitórias consecutivas, sem perder nenhum set. Nas quartas de finais, venceram as alemãs Sara Goller e Laura Ludwig, garantindo vaga para as semifinais, onde enfrentaram a dupla americana Kessy e Ross.
Contra as americanas, o resultado final não foi bom. Em uma partida equilibrada, disputada ponto a ponto, as brasileiras iniciaram o jogo abrindo um set de vantagem. No entanto, Kessy e Ross conseguiram virar o placar para 2 a 1, colocando fim ao sonho do ouro olímpico de Larissa e Juliana.
A medalha de bronze ainda era uma possibilidade. A disputa foi contra as chinesas Xue e Zhang, as mesmas que haviam tomado a liderança do ranking mundial das brasileiras. Ainda abaladas pela derrota na semifinal, Larissa e Juliana iniciaram a partida desatentas. “Elas ainda estão sentindo a derrota. Acompanho as duas porque gosto muito de vôlei e nunca vi a Larissa e a Juliana tão cabisbaixas. Mas elas vão se recuperar”, previu a torcedora Natália Mendes em entrevista ao O POVO, enquanto acompanhava o jogo na arena Horse Guards Parade.
Sob os olhares do príncipe Harry, que acompanhava o duelo pelo bronze, a dupla brasileira teve dificuldades para vencer, passando por momentos de dificuldade e superação. No fim, por 2 sets a 1, a histórica medalha olímpica foi conquistada pela dupla cearense formada por uma capixaba e uma paulistana.
De volta a Fortaleza, as duas não escondiam a felicidade pelo terceiro lugar. De acordo com Juliana, a medalha de bronze "reluzia ouro". "Jogar uma Olimpíada é diferente, estar lá é diferente, só de você chegar, já é um campeão. Trazer uma medalha é diferenciado, representa muita coisa", ressaltou Juliana ao O POVO, em 2012.
O fim da parceria entre as duas foi anunciado ainda em 2012, no mês de outubro. "Já tenho vontade de dar uma pausa. Jogar vôlei de praia é muito bom, mas desgasta muito a gente. Tem momentos que temos de abdicar de muitas coisas. Tenho outros projetos pessoais e agora chegou o momento. Tudo tem a hora certa e está acontecendo no momento certo. Estou bem tranquila, decidida", explicou Larissa ao canal SporTV.
Um ano depois, Larissa casou-se com a também jogadora de vôlei de praia Liliani Maestrini, a Lili — medalha de bronze no Pan-Americano do Toronto-2015. Ela abandonou a aposentadoria em 2020 e o casal chegou a brevemente formar dupla. Aos 37 anos, Juliana Silva ainda compete profissionalmente, formando dupla com a catarinense Josi Alves. (Colaborou André Bloc)
Dúvidas, Críticas e Sugestões? Fale com a gente