Superação nas pistas: conheça o piloto cearense com paraplegia que brilha no kart

Atleta de kart desde a infância, Ricardo teve que se reinventar para continuar correndo pelas pistas após sofrer um acidente

A afinidade de alguém com um determinado esporte acontece a partir da identificação com uma característica própria da modalidade. Para os amantes do automobilismo, a velocidade e adrenalina são os fatores propulsores desta paixão. Já para o piloto e empresário cearense Ricardo Carvalho, de 45 anos, a relação com as pistas vai além da emoção: é um símbolo de superação.

Multicampeão de kart, Ricardo viu a paixão pelo esporte ameaçada quando sofreu um acidente que o colocou em uma cadeira de rodas devido à paraplegia. A nova condição, entretanto, não foi o suficiente para afastá-lo das pistas; foi um incentivo para ajudá-lo a enfrentar novos desafios.

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Paixão de infância

Introduzido desde cedo ao ambiente automobilístico, Ricardo iniciou no esporte por influência do pai, entusiasta do kartismo, que transmitiu aos filhos a paixão pelas corridas. "Na época do meu pai, Piquet e Senna estavam no auge, então ele era aficionado por Fórmula 1. Eu lembro dele assistindo às corridas todo domingo", relembra com saudosismo. 

Com o incentivo dos pais, aos 13 anos de idade, o jovem piloto já disputava competições regionais e nacionais, não demorando a se destacar pelas habilidades ao volante.

Neste período da adolescência, o cearense se mudou com a família para São Paulo, onde veria seu talento ser lapidado com ajuda da escola da família Giaffone, sobrenome consagrado no automobilismo brasileiro. Foi no kartódromo Granja Viana, em Cotia (SP), que Ricardo pôde aprimorar os conhecimentos e desenvolver novas técnicas.

A partir de 1994, Ricardo começaria a ver o resultado da intensa dedicação às pistas nas competições as quais participava. Naquele ano, venceu pela primeira vez o Campeonato Paulista de kart, na categoria novato. No ano seguinte, conseguiu repetir o feito, tornando-se bicampeão estadual. 

Já em 1996, o piloto participou de seu primeiro campeonato mundial de kart, em Lugano, na Itália. Com uma rápida adaptação às pistas europeias, Ricardo finalizou em 54º colocado entre cerca de 120 competidores. Pouco antes da competição, o piloto recebeu uma notícia que afetaria diretamente seu desempenho.

"Na semana que antecedia o campeonato minha avó materna faleceu. Meus pais me deram a notícia quando chegaram à Italia. Na época, lembro de ter ficado super mal e de não conseguir mais focar nos treinos. Isso mexeu muito comigo e acabou me prejudicando", conta o kartista. 

Dentre os nomes os quais lembra com carinho durante a trajetória, Ricardo enfatiza a importância de Mauro Dias na sua formação como piloto. Instrutor de kart e preparador físico reconhecido no meio automobilístico, Maurão, como é chamado pelos alunos, trabalhou por sete anos na preparação de Ayrton Senna, tornando-se uma figura admirada pelo lendário piloto.

Além de Senna, passaram pelas mãos de Maurão nomes de destaque como Tiago Camilo, Tony Kanaan, Cacá Bueno, entre outros.

"Ele já era tido como um dos melhores preparadores do país quando o conheci. E quando comecei a trabalhar com o Maurão, em 1995, o resultado foi imediato, comecei a ganhar várias corridas. Nesse ano, eu venci quatro campeonatos regionais", revela Ricardo. 

Apesar do início promissor de carreira no automobilismo, a paixão pelo kart teve que ficar de lado após outra intensa mudança. Ao se mudar para Miami, nos Estados Unidos, Ricardo não conseguiu dar sequência à carreira devido à falta de patrocínio. Logo, decidiu voltar as atenções para os estudos e para o mercado de trabalho, dando um tempo nas corridas. 

Retorno às pistas e mudança de rota

Somente anos mais tarde, em 2014, Ricardo retornou ao Ceará. De volta à terrinha, a paixão pelo automobilismo voltou a ganhar espaço na rotina do empresário. Os treinos e corridas passaram a acontecer no autódromo Virgílio Távora, localizado no Eusébio.

Com o retorno às pistas, Carvalho voltou a competir como atleta profissional, devidamente regularizado pela Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), participando de diversos campeonatos e voltando a chamar atenção no volante.

Em 2018, porém, Ricardo se viu novamente afastado do kartismo. Desta vez, não por vontade própria: pilotando sua moto em uma viagem com os amigos, Carvalho envolveu-se em um acidente de trânsito na CE-085. Fato que resultou em uma lesão na coluna vertebral e o fez ficar paraplégico, perdendo o controle e sensibilidade dos membros inferiores.

"Uma rajada de vento muito forte bateu em mim em uma curva aberta e me desequilibrou. Eu ainda tentei controlar, mas subi no meio-fio e esbarrei num entulho de obra com vários blocos de concreto, e fui de cabeça ao chão", conta o empresário. 

Fragilizado com a brusca mudança de rumo em sua vida, Ricardo teve ainda que lutar contra a depressão por quase três anos. Durante este difícil período, o piloto contou com o apoio da esposa, dos dois filhos, parentes e amigos.

Em 2022, após anos de reabilitação e adaptação à nova realidade, a luta seria para voltar novamente às pistas. Já frequentando o Kart Mônaco, em Fortaleza, o piloto teve o apoio de alguns amigos de pistas para idealizar e construir um kart 100% adaptado às suas necessidades.

Sem poder utilizar membros inferiores, o automóvel foi ajustado para que todo o controle de aceleração e frenagem pudesse ser feito pelas mãos do atleta. Desta forma, Ricardo passaria a acelerar com a mão direita e frear com a esquerda, sem perder o desempenho ao volante.

Neste momento de reconstrução, o cearense conta que buscou inspiração em Frank Williams, lendário automobilista inglês que também ficou paraplégico após sofrer um acidente. Além de se apegar às histórias e aos momentos proporcionados pelo automobilismo, Ricardo encontrou alento também na fé. 

Totalmente adaptado à nova realidade, o empresário voltou a correr em 2023. Na primeira competição, chegou a largar em segundo lugar no grid, caiu para quinto. “Poder voltar a competir nessa situação está sendo o renascimento da minha vida”, reconheceu Ricardo.

Atualmente, o piloto treina semanalmente e compete com outros profissionais sem paraplegia como um atleta adaptado; além de conciliar a rotina do esporte com o trabalho no mercado empresarial.

No último fim de semana, Ricardo venceu sua primeira competição desde o retorno às pistas. Competindo com atletas sem deficiência e majoritariamente mais novos, o piloto novamente mostrou ser símbolo de superação ao cruzar em primeiro a linha de chegada. 

"O kart nos leva ao extremo. E para mim está sendo um esforço além do normal acompanhar essa turma jovem e chegar à frente, então no momento da vitória passa um filme na cabeça", conta emocionado. 

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