Entre as pistas e os livros, skatista cearense supera lesões graves e é campeã nordestina
As metas de Ceres Oliveira, de 20 anos, ligam duas paixões: o esporte que começou a praticar aos 9 anos e o curso de Fisioterapia
08:00 | Mai. 12, 2024

“Representa na rua e representa nas pistas: Ceres Oliveira”. Esta foi a frase utilizada pela jurada Thaís Narciso para anunciar que a cearense de 20 anos havia sido campeã do Vans Off The Wall — Etapa Nordeste.
O discurso não significou "apenas" uma conquista que levará a jovem para o certame nacional, em São Paulo, mas também a volta por cima de uma atleta que superou duas lesões graves no joelho, pensou em desistir e desenhou seus sonhos em sua fase mais difícil.
Suas metas ligam duas paixões: o esporte que começou a praticar aos 9 anos, quando ganhou o primeiro skate do pai, e o curso em que é matriculada atualmente.
No período longe das pistas, Ceres começou a estudar Fisioterapia. Com isso, deseja estar no topo em grandes campeonatos e chegar a disputar uma Olimpíada, mas também quer “devolver a força recebida pelo underground” ajudando outros atletas em situações semelhantes.
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Retornando com a estrela intacta de uma campeã das pistas e da vida, Ceres Oliveira relembra, com carinho, que foi acolhida pela rua em seu pior momento. Ativa desde muito nova na luta pela democratização do esporte em Fortaleza, em especial para que mais mulheres pudessem praticá-lo sem preconceitos, a skatista revela que encontrou um espaço machista no começo, mas que vê evoluções, principalmente na promoção dos campeonatos, os quais, no início, tinha que disputar com garotos.
O primeiro rolê e o apoio da “Família Generosa”
“Ando desde os meus 9 anos de idade. Iniciei quando ganhei um skate como presente de Natal. Fui me empolgar, de fato, quando comecei a ver vídeos na internet, aquelas manobras e voos me encantaram. No início foi bem difícil. Na época, não tinha uma pista de skate no meu bairro, só alguns obstáculos construídos pelos locais. Meu pai me deu muito incentivo no começo e sou grata até hoje”, contou, nostálgica, sobre o início.
Ceres detalha que, a princípio, o que lhe encheu os olhos foram “as manobras coladas no pé, o barulho do skate no asfalto, a adrenalina, a união da galera e o amor pela rua”.
“Eu moro no José Walter, comecei a praticar na avenida da minha casa. Quando peguei gosto mesmo, comecei a andar na Juventude, uma pracinha aqui do bairro”, relatou.
A skatista conta que uma das principais dificuldades no início foi a parte financeira. Conhecido por ser um esporte presente na cultura urbana, ainda assim o skate apresenta altos custos para ser praticado, principalmente no modelo competitivo.
“Por mais que o skate seja um esporte periférico, tem que ter um bom poder aquisitivo para um bom material. Lembro que, logo que eu comecei, não tinha sapato para o meu tamanho, tive que fazer uma gambiarra pra poder usar meu primeiro tênis de skate. Além desse material todo, um apoio físico como academia ou fisioterapia, algo que eu só tive entendimento depois de me lesionar”, explicou.
“Tive um grande apoio da 'Família Generosa', que me adotou, e um grande suporte do meu irmão, minha mãe de criação, minha avó, e alguns amigos, que sempre torceram muito por mim. Minha maior fonte de inspiração é a minha família, sendo minha mãe um dos maiores pilares, a inspiração de uma mulher forte, de fé e sempre com o pé no chão, nunca deixou que eu me abatesse perante as dificuldades”, contou, com carinho.
“Minha família de origem não mora aqui, só minha avó, alguns primos e um tio. Tenho pouco contato com a família, só minha vó que vejo sempre. Tive uma mãe de criação, que, inicialmente, era pra ser uma babá, ficava comigo quando eu era pequena, quando minha mãe saía pra trabalhar, até a hora que ela chegasse, mas virou uma mãezona pra mim, foi muito importante na minha criação. Sobre a 'Família Generosa', são pessoas que são amigos da minha mãe desde a infância. A gente frequenta muito lá, viraram família para mim também”, explicou Ceres.
As lesões, a volta por cima e o “sonho duplo”
Em meados de 2018, durante uma das últimas etapas de um torneio regional, Ceres Oliveira enfrentou um obstáculo que mudaria sua trajetória no skate. Uma queda “aparentemente trivial” durante o reconhecimento da pista resultou na ruptura de um ligamento do joelho.
Inicialmente, ela minimizou a gravidade, tratando como um “simples hematoma”. Porém, após consultas médicas e procedimentos, a verdade se revelou: uma lesão grave que exigiria cirurgia.
A primeira intervenção foi bem-sucedida e, no final de 2019, Ceres estava de volta. No entanto, menos de um ano depois, outra queda, desta vez na praça da Gentilândia, resultou na mesma lesão.
O ciclo doloroso recomeçou, mas, desta vez, com um impacto emocional ainda maior. Ceres se viu “à beira do desânimo”, questionando se o skate seria realmente para ela. Enquanto algumas pessoas se afastavam, uma rede de apoio a incentivava a persistir em seu sonho.
“O processo foi lento e doloroso, sentia dor ao fazer algo normal, como se levantar da cama ao acordar, e me via em um cenário que eu já não precisava de mais nada, tinha tudo necessário pra andar: peças de skate, sapatos, material, que se quebrasse eu tinha como repor, só meu joelho que não funcionava como antes, e foi isso que me pegou emocionalmente", relembrou.
"Cheguei, sim, a pensar em desistir, mas tinha fé que minha história no skate não acabava ali, tive todo um suporte psicológico que foi de suma importância”, detalhou.
Durante o período de recuperação, Ceres encontrou uma nova paixão: a Fisioterapia. O curso universitário que ela havia iniciado não apenas proporcionou conhecimento sobre seu próprio corpo e reabilitação, mas também abriu os olhos para uma carreira paralela. No final de 2023, após autorização médica e o aval do fisioterapeuta, ela voltou às pistas e, mais uma vez, a rua a acolheu calorosamente.
A etapa nordestina do circuito da Vans em 2024 marcou “um momento de virada”, como descrito pela atleta cearense. Após um longo período de superação, ela conquistou o ouro. As palavras de apoio da jurada Thaís Narciso, relembrando a jornada de Ceres desde o início até suas lesões, trouxeram lágrimas aos olhos da skatista.
“Me emocionei bastante. Foi tudo muito suado, mas acredito que se não tivesse sido tão suado não teria valido a pena. Por agora, o sentimento de gratidão e agradecimento se sobressaem por toda a rede de apoio que tenho e por toda a galera que torceu por mim”, disse.
Com a conquista do Vans Off The Wall Amador de Street, Ceres Oliveira está classificada para a etapa final, que vai acontecer em São Paulo, no fim do ano. As skatistas Carolina Bandeira Cardoso e Paty Pires Santos, que fecharam o pódio da competição que aconteceu no skatepark da Avenida Beira Mar, também vão representar o Nordeste.
Questionada sobre seus maiores sonhos, a cearense revela uma visão ambiciosa. Além de almejar o reconhecimento internacional no skate, ela aspira competir em uma Olimpíada. Mas seus sonhos não param por aí. Ela deseja se tornar uma fisioterapeuta dedicada a ajudar outros atletas a superarem lesões semelhantes às que ela enfrentou, uma meta que reflete sua determinação em fazer a diferença para além das pistas.
O gênero do asfalto e as inspirações para virar o jogo
“O skate sempre teve um percentual maior masculino e foi bem desafiador. Por mais que o movimento seja de união, eu sentia certos olhares de desconfiança e de inferioridade. Eu acredito que foram justamente esses olhares que me fizeram dar a volta por cima e mostrar que eu tinha potencial de estar no meio daquela galera, me destacando", iniciou Ceres.
"Fora da cena, os comentários eram muitos. Já tive que escutar várias atrocidades e comentários ofensivos. Fui taxada várias vezes de 'vagabunda' e coisas muito baixas que não valiam a pena levar em consideração perto dos meus sonhos, que sempre foram gigantes”, recordou.
Apesar de já ser consolidada e reconhecida como uma prática esportiva urbana, muitas das narrativas que reportam o dia a dia do skate nem sempre nomeiam alguns grupos sociais e sujeitos que dele participam. Por esta razão, os discursos costumavam ser direcionados aos homens: os skatistas, espectadores, comentaristas, dirigentes e editores— como os protagonistas.
Contudo, quando se fala em “protagonista do skate brasileiro” na atualidade, uma pessoa é unanimidade. O nome não é de um homem, mas sim de uma jovem adolescente: Rayssa Leal, a brasileira que conquistou pistas por todo o mundo e foi medalhista de prata nas olimpíadas de Tóquio, em 2021.
Para a cearense Ceres Oliveira, Rayssa é, para além de uma inspiração, uma personagem enorme de virada de chave não só para a modalidade, mas para o esporte olímpico no geral.
“Quando comecei a competir, não tinham muitas competições com a categoria feminina. Querendo participar, eu competia com os meninos. A luta pelo nosso espaço e pela categoria foi grande e ainda seguimos lutando mediante ao machismo que se encontra na cena. Vejo muitas mudanças: hoje, não preciso mais competir com os meninos, porque já tem a categoria feminina. Às vezes, mais de uma. Depois que o esporte virou olímpico, realmente ganhamos um espaço, uma categoria. Rayssa Leal realmente abriu um leque de oportunidades com suas conquistas. Tenho esperança de que haja maiores investimentos nas categorias de base, temos grandes atletas e pouco incentivo”, finalizou.