Fanatismo no Esport: Será que a paixão pelos os ídolos já ultrapassa as marcas?
Jogadores e streamers capitalizam próprias imagens e se tornam mais potentes que as equipes
16:28 | Set. 24, 2021
"Os jogadores passam, mas o clube é eterno". Qualquer fã de esporte - no Brasil, especialmente de futebol - já ouviu essa frase adaptada ao seu time de coração. A ideia de idolatria passa pela história de atletas que ajudaram a enriquecer uma trajetória de décadas de instituições que aglutinam torcedores por gerações e gerações. É possível um jogador ser maior e mais relevante do que o próprio time? O esporte eletrônico, um dos maiores fenômenos de entretenimento do Século XXI, agrupa diversos exemplos nesse sentido e concentra uma lógica bem diferente de tudo o que estamos acostumados a ver tradicionalmente.
A noção do tempo para a construção de um ídolo esportivo passa, necessariamente, por feitos relevantes - sejam eles títulos, atos diferenciados, decisões históricas... Muitos jogadores de futebol têm suas carreiras diretamente ligadas aos clubes. É uma conexão automática. Zico? Flamengo. Sócrates? Corinthians. Ademir da Guia? Palmeiras. E por aí vai. Nos eSports, não só pela fluidez das equipes, mas pela capacidade agregadora e de construção de comunidade em torno da própria imagem, os jogadores conseguem ser bem mais independentes neste sentido.
Gabriel "FalleN" é um dos maiores profissionais de games da história do Brasil neste mercado. Jogador de Counter-Strike:Global Offensive, título com mais de 20 anos de história e fundamental para a pavimentação do esporte eletrônico no país, se tornou um ícone não só por dois Majors (título mundial mais relevante do cenário competitivo do jogo no atual ele atua), mas por acreditar nos eSports em um momento em que a estrutura e o investimento dedicados a este setor do mercado eram incomparavelmente menores do que agora.
- A relação que criei durante mais de 18 anos competindo nos eSports com a torcida brasileira é algo especial e único. Não há como pensar em FalleN sem pensar na comunidade brasileira. Tivemos que passar por cima de muitos obstáculos e construir coisas maravilhosas juntos para conseguir estarmos aqui hoje e muitos dos fãs que acompanharam essa trajetória fazem questão de torcer pela continuidade da minha carreira. É maravilhoso sentir esse carinho e saber que a nação inteira está me apoiando, sempre - contou o pro player, durante conversa exclusiva com o time de bets eSports da Betway.
Hoje, FalleN mora nos Estados Unidos e atua na Team Liquid, uma organização holandesa, com atuação em diversos games e ramificada pelo planeta. O clube conta com jogadores profissionais nos Estados Unidos, na Europa e também no Brasil - onde investe, atualmente, no Rainbow Six Siege (sendo atual vice-campeã mundial) e no Free Fire (no qual já foi campeão brasileiro e das Américas). Ainda assim, a imagem de FalleN não está atrelada diretamente a esta equipe ou a qualquer outra que ele tenha passado. O "Verdadeiro", como é chamado por seus fãs, é quem sustenta a imagem de ícone.
Há diversas explicações para isso. Começa pela forma de torcer nos Esports. Há, sim, organizações que transcendem a lógica e carregam com elas milhares de torcedores "fixos", mas é fácil encontrar vários exemplos de jogadores que, para onde forem, arrastarão consigo uma base sólida. O fenômeno das redes sociais, que aproxima estes ídolos dos seus fãs sem a necessidade de se deslocar a algum lugar ou de estar em uma mesma cidade, explica muito de como funciona essa relação tão intensa com os pro players.
- Os avanços tecnológicos expandiram as transmissões dos esportes, jogadores de outros países ou muito distantes de você estão a um clique de serem acompanhados por fãs ao redor do mundo todo. Isso mudou a dinâmica de como o jogador se conecta com o fã. É possível acompanhar o dia a dia de um profissional, saber o que come, coisas que gosta de assistir, o que indica, como vive. Algumas décadas atrás, para acompanhar determinado jogador, você necessariamente precisava acompanhar os conteúdos do clube. Hoje isso é diferente - argumentou FalleN.
Atualmente com 30 anos, Gabriel Toledo de Alcântara Sguario (nome original de FalleN) não só é jogador profissional de CS:GO, como também líder à frente de uma empresa que leva seu nome e comercializa produtos diretamente relacionados ao mercado, que vão de roupas de diversas equipes de Esports do mundo a periféricos gamers, como mouse, teclado, headset, passando por mochilas, chaveiros, canecas... Ou seja, uma lógica que transcende a força das próprias equipes. Os grandes jogadores, por si só, são empresas ambulantes, com um poder de engajamento enorme.
Que o diga Bruno Goes, o Nobru, um fenômeno do Free Fire, jogo para dispositivos móveis que se popularizou no Brasil e ficou conhecido por tornar o esporte eletrônico muito mais acessível. Hoje, o game já ultrapassou 1 bilhão de downloads no mundo. Nobru, um dos seus maiores embaixadores, foi campeão mundial pelo Corinthians, mas definitivamente não criou qualquer relação de dependência com o nome do clube centenário. Em parceria com Lúcio "Cerol", outro grande criador de conteúdo do jogo, criou a própria organização, o Fluxo, onde joga e atua como sócio. No primeiro ano de existência, título brasileiro e quarto lugar no Mundial.
- O mundo do esporte eletrônico é fascinante e de um ano para o outro podem surgir novos jogos, novas publishers, novos players e ídolos que se tornam gigantes muito rápido. As pessoas se identificaram com o Nobru e ele parece estar muito bem aconselhado sobre como gerir sua carreira dando passos importantes para se estabelecer a longo prazo no cenário. Acredito que ele venha tomando decisões muito acertadas e desejo boa sorte para ele e seus projetos - opinou FalleN.
Os números nas redes sociais dão o tom: Nobru tem, no momento em que este texto é escrito, 12,5 milhões de inscritos em seu canal no YouTube, além de 11,2 milhões de seguidores no Instagram e mais de 702 mil no Twitter. Para fins de comparação: o perfil principal do Corinthians (o clube como um todo, não só o setor de Esports) no Instagram tem 5,7 milhões de adeptos - um pouco mais da metade de Nobru. No YouTube, a Corinthians TV, com bastidores e conteúdos exclusivos do futebol alvinegro, conta com 1,5 milhão de inscritos, apenas 12% da base do jogador.
Abaixo, você pode comparar diretamente os números acumulados pelos jogadores e pelas organizações de eSports no Instagram, no Twitter, no Facebook, na Twitch e no YouTube. Traçamos cinco paralelos diferentes: Baiano x Vivo Keyd, brTT x Flamengo, FalleN x SK Gaming, Nobru x Corinthians e YoDa x RED Canids Kalunga. Os gráficos dão o tom desta "batalha".
O trabalho das organizações
Apesar da emancipação dos jogadores, existem, sim, organizações que transcendem essa lógica. Um desses casos é o do MIBR, uma das equipes pelas quais o próprio FalleN já atuou. O Made in Brazil tem sua história atrelada à força do Counter-Strike brasileiro desde o início dos anos 2000 e, entre idas e vindas, segue com um laço sentimental forte para os fãs brasileiros. É claro que uma aliança entre jogadores populares e uma marca forte é sinônimo de sucesso, mas nem só disso vive uma equipe que queira continuar contando com torcedores independentemente de quem vestir a camisa.
- O MIBR é um time que já tem 20 anos. É o primeiro time brasileiro a conquistar um título mundial nos esportes eletrônicos. Então, para muitas pessoas, o MIBR é considerado o time de coração, por toda essa tradição e consistência. Por mais que tenha passado por um hiato, que não esteve muito ativo, toda essa história que foi construída e depois no retorno, trazendo grandes estrelas e talentos que haviam se tornado campeões mundiais, fez com que o MIBR sempre tivesse esse estigma, no CS, de ser uma espécie de seleção brasileira da modalidade, e a torcida vê muito valor e tem muito amor. As lembranças vitoriosas remetem a isso e a esse vínculo - afirmou Yuri "Fly" Uchiyama, diretor da organização, também em entrevista exclusiva com o time da Betway.
Os caminhos de como as equipes trabalham a própria imagem podem ser bem diferentes. No Campeonato Brasileiro de League of Legends, competição de Esports mais tradicional do país, encontramos exemplos distintos. A paiN Gaming, time presente no cenário competitivo desde a primeira edição do torneio, realizada em 2012, e tri campeã do CBLOL, se apoiou justamente na tradição para fazer com que os torcedores seguissem acompanhando o time com ou sem determinados jogadores. A fórmula funciona, mas passou por anos e anos de amadurecimento.
Por outro lado, vemos a LOUD, organização nativamente atrelada ao Free Fire, mas que estreou no CBLOL no início deste ano, como uma das 10 equipes escolhidas pela Riot Games para integrar o sistema de parcerias a longo prazo - as chamadas "franquias". A equipe não tem uma base de fãs ligada ao League of Legends, mas mesmo assim chegou ao campeonato vencendo todos os adversários nas batalhas de torcida - promovidas por meio do Twitter, com hashtags pré-determinadas pelas organizações.
Uma rápida olhada no canal da LOUD no YouTube explica muito de como a organização fomentou e fomenta a sua base de fãs. A criação de conteúdo e o trabalho em torno dos jogadores e influenciadores não só esportivamente, mas também "fora de campo", mostra que conquistar títulos atrai mais olhares, mas entender os hábitos de consumo do próprio público também é fundamental para fazer com que, nas boas e nas ruins, os fãs estejam por perto.
- Primeiramente, o torcedor gosta de acompanhar o time que está ganhando. Então é de responsabilidade da das equipes, criar e formar bons talentos, bons jogadores para levantar taças. Bons resultados são importantes para que os times consigam ter uma torcida que os
acompanhem. A parte de criação de conteúdo também é algo que os times vêm fazendo
cada vez mais, para criar essa conexão. A realização de eventos presenciais. A criação de produtos de merchandising, como camisetas, uniformes, bonés e diversos outros itens, para que os torcedores possam estar vestindo a camisa de fato e se relacionando com a marca no mundo real. Até porque nos eSports não são todos os eventos que são presenciais. Então os times precisam estar conectados no digital, mas criar iniciativas para se conectarem nesse mundo físico também - opinou Fly.
- Acredito também que com o passar dos anos os clubes de esporte eletrônico vão criar sua própria identidade e que ganharão ainda mais relevância com as próximas gerações.O acúmulo histórico que inevitavelmente irão adquirir com o passar dos anos pode modificar um pouco essa relação fã, clube e jogador - complementou FalleN.
Competir ou criar? Um dilema positivo
Gustavo "Baiano" é um ex-jogador profissional de League of Legends. Chegou à final do CBLOL em 2016, atuando pela Vivo Keyd, e saiu com o vice-campeonato. Nunca levantou a taça e, à época em que estava imerso no cenário, era um jogador discreto. A história mudou completamente quando passou a atuar como streamer, dedicando-se a criar conteúdo. Hoje, é um dos profissionais mais relevantes da sua área no país, segue expandindo as próprias frentes de atuação e empreendendo, com um público cada vez maior e mais fidelizado.
É difícil traçar paralelos neste sentido com o esporte profissional. É raro ver um jogador que tenha tido uma carreira discreta se tornar um comentarista em uma grande emissora de televisão. Há os que partem para a carreira de técnico ou dirigente - mas, neste caso, ainda diretamente ligados a competir. Afinal, o que faz com que alguém passe a se dedicar com exclusividade ao conteúdo e atinja um patamar de tanta relevância?
- A decisão no começo foi bem difícil, porque quem me conhece sabe o quanto gosto de competir e, além de tudo, sempre fui muito tímido. Passei um tempo fazendo as duas coisas, dormindo duas horas por dia, mas chegou uma hora que precisei escolher. Foi duro, mas optei pelo lado do conteúdo, onde eu via uma oportunidade de começar algo novo no cenário de Esports. Minha ideia era realmente criar uma experiência totalmente nova para a comunidade de LoL no Brasil - contou Baiano.
Durante os jogos do CBLOL e do CBLOL Academy, o streamer faz uma espécie de "segunda tela". Como não conta com os direitos de transmissão dos torneios, que são de propriedade da Riot Games e, fora da internet, negociados apenas com o SporTV atualmente, Baiano parte para o lado do entretenimento: enquanto assiste aos confrontos junto dos espectadores, comenta o que está acontecendo e aposta nas equipes favoritas. Muitos fãs já pedem que a publisher dê a ele as imagens, e o streamer acredita que um dia chegará a esse ponto.
- Eu acho que a tendência a partir de agora é que cada vez mais streamers comecem a fazer as transmissões com imagem. O cenário do LoL brasileiro ainda não chegou lá, mas em outras regiões, como na LCS (Estados Unidos), isso já ocorre e vem sendo muito bem aceito pela comunidade. Acredito que a principal tendência é que coexistam as transmissões oficiais e “não oficiais”, e o público opte por qual ele quer acompanhar, de acordo com o seu perfil - argumentou.
Tal qual os profissionais, Baiano é mais um exemplo de pessoa que conseguiu transcender a lógica de os times serem maiores que os atletas. Hoje, não só conta com diversos patrocinadores e uma lógica lucrativa de trabalho, como vem investindo em torno da própria imagem. Fundou a própria equipe, chamada de Só Agradece, em alusão a um termo constantemente usado por ele nas streams. Criou a própria hamburgueria. E, cada vez mais, parece abrir espaço para um marketing forte baseado no seu carisma.
- Hoje, cada vez mais, os atletas não são apenas atletas. Muitos se tornaram personalidades e marcas muito fortes. Cada vez mais os atletas precisam investir no crescimento da sua própria imagem. Se as organizações não fizerem o mesmo, vai ser cada vez mais comum encontrar jogadores e atletas com maior branding awareness do que seus respectivos times - disse o streamer.
No infográfico abaixo, lembramos os fatos mais relevantes das trajetórias de Baiano e FalleN no esporte eletrônico nos últimos anos. Embora em jogos diferentes, o League of Legends e o CS:GO, respectivamente, ambos se tornaram símbolos de suas comunidades e convergem para alguns pontos semelhantes ao longo da carreira, ainda que hoje estejam em funções diferentes.
Diferentes tipos de torcida
Victor Antunes, de 27 anos, começou a jogar League of Legends em 2014. Natural de Guaratinguetá, rapidamente se identificou com a paiN Gaming - àquela altura, campeã do CBLOL no ano anterior. O torneio ainda engatinhava no cenário competitivo, mas a força da equipe naquele momento, aliada ao perfil que se desenhava na organização, fez com que ele se tornasse um fã do time, e não especificamente de um jogador.
- Eu percebi que já era um torcedor fanático quando não perdia mais nenhum jogo da paiN. Podia não ver os outros jogos do campeonato, mas o da paiN eu separava um horário para conseguir torcer e acompanhar o time mesmo. Quando eu estava trabalhando, eu dava um jeito de acompanhar, espiava no celular. Mas quando não conseguia ver algum, chegava em casa e era a primeira coisa que eu fazia: ver o replay inteiro do jogo - disse.
Victor é fã de Felipe "brTT", profissional mais vitorioso do League of Legends brasileiro, que tem seis títulos do CBLOL - mais do que qualquer outra organização. Três deles, pela paiN. Hoje, ele pode desfrutar do ídolo vestindo a camisa do seu time de coração, mas o que acontecerá se um dia o jogador deixar a equipe, como já aconteceu em outras oportunidades?
- Não tem como mudar time, continuarei sempre torcendo pela paiN. Não sei explicar, é um carinho que a gente cria pela organização. Foram vários momentos emocionantes, querendo ou não o time te dá uma alegria e você cria essa identificação - afirmou.
Vanessa, natural de Praia Grande, também é uma torcedora de eSports, mas um pouco diferente de Victor: ela acompanha Gabriel "FalleN" em qualquer equipe na qual o ídolo do Counter-Strike brasileiro jogar. E isso se dá não somente por ela e o marido serem fãs do estilo do jogador dentro do servidor, mas também pela postura fora dele e por se importar com seus seguidores de uma forma como dificilmente as próprias organizações em geral fazem.
Rafael, filho de Vanessa, é portador da Síndrome da Banda Amniótica - uma desordem congênita na qual partes de um tecido semelhante à bolsa amniótica se enrolam no feto, dentro do útero, causando dificuldades de desenvolvimento. Ele nasceu sem a mão esquerda. Independentemente do fato, assim como o pai, desenvolveu o gosto por games. Em 2017, foi ao Encontro das Lendas, um evento que reúne diversos ídolos do Counter-Strike brasileiro, e conheceu FalleN. A admiração só aumentou.
- O Gabriel deu toda atenção para o Rafael, chamou ele para jogar o X1, e deu um teclado autografado. Nessa noite, ele dormiu agarrado com o teclado, e até hoje é uma relíquia pra ele. O FalleN é diferente, já o vi a ficar ajoelhado para autografar camisa. Ele responde quando pode, se preocupa muito com todo o público dele. Única pessoa que eu vejo que deu voz ao público PcD. Tanto que a gente criou o projeto “FalleN e amigos”, que dá voz a causa. Ele vai muito além do que o ídolo além do jogo. Ele quer saber o outro lado do fã dele - explicou Vanessa.
É difícil imaginar qualquer time, seja ele de eSports ou não, dedicando atenção personalizada ao seu público desta forma - o que explica, muitas vezes, a torcida por um jogador específico, e não por uma organização. Vanessa acredita que passa também pelo perfil do profissional, seguindo uma linha de pensamento e demonstrando atitudes que se fazem dignas do engajamento e do envolvimento emocional no esporte.
- O ídolo pode realmente fazer uma pessoa deixar de torcer por uma organização. O pensamento, o que o ídolo fala, o que ele prega, é muito importante. Então, a tendência é essa, ver pessoas que estão preocupadas com a sociedade, com os fãs, e a tendência também é torcer para o time que o ídolo for - comentou.
É difícil fazer qualquer previsão relativa a como será o futuro da relação entre torcedores, profissionais e organizações no esporte eletrônico. Mudanças como as que foram proporcionadas pelas redes sociais, por exemplo, tendem a repercutir a longo prazo e traçar panoramas antes inimagináveis de proximidade. O que se pode dizer, sem dúvida, é que as equipes têm nos jogadores grandes aliados ou também grandes concorrentes no que diz respeito ao aspecto mercadológico. É possível obter sucesso criando a própria marca, e não se aliando a uma. E os eSports, mais uma vez, são pioneiros nisso.