Vice do Ferroviário aponta "vícios jurídicos" no processo de SAF; Conselho rechaça

Ao Esportes O POVO, Pedro Bruno Amorim contou que teve um requerimento recusado para alterar as datas das assembleias, apontou alterações posteriores em documento público e detalhou bastidores do contato com os investidores. Abdon Paula, presidente do conselho, rechaçou a denúncia

O Ferroviário passa por um processo de venda de sua Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Contudo, o marco tem gerado controvérsias internas. Ao Esportes O POVO, o vice-presidente do clube, Pedro Bruno Amorim, aponta problemas na condução do processo, indicando supostas irregularidades jurídicas, falta de transparência e revelando os valores detalhados do que será investido. Abdon Paula Neto, presidente do conselho do clube, rechaçou as acusações e detalhou o que é previsto no estatuto.

A proposta atual prevê venda de 90% das ações da SAF para um grupo europeu. O Esportes O POVO antecipou a informação de que seria um investimento de R$ 110 milhões ao longo de 12 anos, além do pagamento das atuais dívidas do Tubarão. Contudo, o vice-presidente aponta que esse valor inclui a somatória dos orçamentos anuais, previstos em R$ 10 milhões — patamar que o clube já atingiu em 2023, por exemplo —, com o time cearense recebendo apenas R$ 500 mil de aporte inicial dos investidores.

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A minuta de proposta inclui a reconstrução do Centro de Treinamento (CT) Elzir Cabral, melhorias nas categorias de base e investimentos no futebol profissional. Pedro Bruno destaca que, até a presente data, a proposta oficial não foi apresentada ao conselho de forma definitiva.

“O aporte inicial é R$ 500 mil. Estão prometendo que vão ter um orçamento anual de R$ 10 milhões. O Ferroviário já teve. Ferroviário fechou o ano com R$ 11 milhões em 2023. A folha do salário na Série C era de R$ 700 mil. R$ 500 mil é a promessa de investimento inicial. Em estrutura, é de R$ 9 milhões, sendo R$ 2 milhões nos próximos 24 meses e o resto em 48 (meses)”, conta.

O presidente da diretoria executiva do Ferroviário, Aderson Maia, foi procurado pelo O POVO. Caso responda aos questionamentos, a matéria será atualizada.

Possíveis vícios jurídicos e alterações questionadas

De acordo com Pedro Bruno, o primeiro ponto controverso ocorreu em 20 de dezembro, quando o presidente do Conselho Deliberativo, Abdon Paula Neto, convocou duas reuniões que datavam os dias 26 e 30, com o objetivo de apresentar e discutir a proposta da SAF.

Para o vice-presidente do clube, as datas foram escolhidas de forma estratégica pela proximidade às festas de fim de ano. O requerimento de Pedro solicitando alteração foi recusado, apesar de, segundo ele, o prazo de divulgação do dia da votação da mudança estatutária não ter sido cumprido.

O processo, segundo Pedro – também advogado e ex-Secretário Geral da OAB-CE – sofreu modificações sem justificativa clara. Ele aponta como grave a alteração do edital de convocação, que mudou o termo “deliberar” para “apreciar” — o que, na prática, transformou as reuniões em apenas informativas, sem votação.

“Como iria ter uma deliberação sobre a SAF, ela por si só já altera o estatuto, muda a competência da presidência, muda a competência do conselho, as disposições financeiras mudam, porque toda receita vai para a SAF, assim como o departamento de futebol. Ele indeferiu. Antes de indeferir, houve uma alteração do próprio texto do edital e isso é o maior absurdo que eu já vi. Eles alteraram o texto e tiraram ‘deliberar’ (voto dos conselheiros), seria só apresentação”, critica.

“Eu entendo que essas reuniões são nulas, pois houve uma alteração de documento público. E, para nossa surpresa, no dia 26 não foi apresentada a proposta. O que apresentaram foi um slide, um 'powerpoint' de quatro linhas, dizendo mais ou menos como seria, porque ele não apresenta o contrato propriamente dito”, complementa.

Ao Esportes O POVO, o presidente do Conselho Deliberativo do Ferroviário, Abdon Paula Neto, indicou que não procedem as irregularidades apontadas e que teria seguido o estatuto do clube à risca.

"Não há nenhuma irregularidade. O requerimento que foi apresentado alegava que a data de convocação da reunião do Conselho Deliberativo estava fora do prazo estatutário por que não obedeceu o prazo de 10 dias úteis. Ocorre que tal prazo deve ser obedecido, segundo o estatuto, apenas quando se tratar de reuniões ordinárias e extraordinárias apenas nas hipóteses de reforma do estatuto do clube ou vacância de cargo de presidente, e não se tratar nem de um caso, nem de outro", argumenta.

A Assembleia Geral Extraordinária, marcada para 3 de janeiro de 2025, será o momento crucial para decidir o futuro do Ferroviário. Apenas sócios-torcedores adimplentes há pelo menos três anos e conselheiros do clube poderão votar. Contudo, Pedro Bruno alerta que ainda não há uma lista de votantes definitiva.

“É no mínimo imoral se fazer a venda de um clube na maneira que está acontecendo [...] Eu entendo que o Conselho deveria ter tido acesso à proposta para deliberar melhorias, assim como os sócios-proprietários e os sócios-torcedores, e depois encaminhar a proposta final para a Assembleia”, indica.

“Poderia ser vendido nos termos que está, mas desde que houvesse um mínimo de democracia, um mínimo de debate, que os votantes que ninguém sabe nem quem são até hoje, eles pudessem pelo menos saber o que estão fazendo, que é o mínimo”, reafirma o mandatário da vice-presidência executiva.

Abdon reforça que não houve qualquer alteração em documentos públicos, contrariando o que apontou Pedro Bruno: "Não houve nenhuma alteração de documento público. A convocação dos conselheiros se deu através de uma publicação no site oficial do clube na data de 24/12/2024 e permanece inalterado até a data de hoje, convocando para 'apreciar e discutir'".

Investidores já participaram de contratações e escolheram o técnico

O grupo europeu que negocia a compra da SAF participou da montagem do elenco na Copa Fares Lopes e já se mostrou disposto a implementar um modelo profissional inspirado em clubes do exterior. A proposta também prevê bônus financeiros vinculados ao cumprimento de metas esportivas, o que pode atrair novos patrocinadores e ampliar a base de torcedores.

Pedro Bruno confirmou que os investidores já trabalham dentro do Ferroviário, participando de contratações e na escolha do treinador, o português Tiago Zorro. “É público e notório que desde a Fares Lopes eles estão dentro do Ferroviário. O Ferroviário está num grande centro, que hoje é o Ceará no futebol, e eles viram a possibilidade de fazer um grande negócio, porque aparentemente eles vão comprar a SAF a preço zero”.

Conforme apurou o Esportes O POVO, que também adiantou a escolha pelo técnico português, entre os investidores portugueses estão Nuno Patrão, agente de jogadores e proprietário da empresa Footis, e Pedro Roxo, ex-presidente da Associação Acadêmica de Coimbra e do B SAD (Sociedade Anônima do Desporto).

O trio, com a adição do também europeu Alexander Tolstikov, ex-jogador de futebol na Moldávia e na Rússia e agora empresário — esteve no Boavista-RJ no Campeonato Carioca deste ano avaliando investimento da SAF, mas não concretizaram proposta.

O que muda no clube caso com a possível venda

Segundo o vice-presidente Pedro Bruno, a venda da SAF altera o estatuto de clube de forma direta, por isso as reuniões precisavam atender à data limite prevista em 10 dias de antecedência na convocação. Ao Esportes O POVO, o dirigente detalhou o que a venda, caso concretizada, mudaria a parte administrativa do clube, sendo direcionado à SAF.

“Na criação da SAF e na venda da mesma, iria todo o departamento de futebol para a SAF, mais as categorias sub-20, sub-17 e futebol feminino. Disposições financeiras também, porque as receitas do departamento de futebol iriam para ela. A criação da SAF vai tirar ali o departamento de futebol da associação. Todas as receitas de camisa, de patrocínios, de cotas de participação de competições, tudo vai diretamente para a SAF. O CNPJ e tudo mais”, explica.

Ainda assim, Pedro Bruno Amorim rechaça estar contra a SAF. Para ele, é um movimento necessário para que o clube saia de "situação de gangorra". Detalha ainda que a posição dos conselheiros contrários é a mesma, de que a restrição se refere aos atuais trâmites. A ideia de se tornar SAF, à princípio, chegou a ser unânime dentro do clube, conforme apurou o Esportes O POVO à época.

“Que fique muito claro que eu sou a favor da SAF. O que a gente não pode aceitar é o trâmite às escuras da forma que está sendo. Ainda mais imposto nas datas que estão sendo impostas, atravessando, atropelando todos os prazos e sem nenhuma discussão”, conclui.

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