Impositivo e pragmático: veja as características de Guto Ferreira, novo técnico do Ceará

Guto foi anunciado na madrugada desta terça-feira, 18, após pedido de demissão de Enderson Moreira

10:22 | Mar. 18, 2020

Por: Vinícius França
Guto Ferreira tem a missão de manter a evolução de um Ceará em curva ascendente (foto: Felipe Oliveira/EC Bahia)

O torcedor do Ceará foi pego de surpresa na madrugada desta terça, 18, com o pedido de demissão de Enderson Moreira, que deve assumir o Cruzeiro. Talvez o sentimento de surpresa se manteve na mesma medida quando o Vovô rapidamente anunciou o novo treinador: Guto Ferreira, que tem passagens pelo futebol nordestino e já era um desejo antigo da diretoria alvinegra. O último clube do técnico foi o Sport, onde conseguiu o acesso à Série A, mas foi demitido ao ser eliminado precocemente da Copa do Brasil.

Esportes O POVO pesquisou sobre os momentos recentes da carreira do treinador, a partir de quando ganhou um destaque maior na Chapecoense, em 2016, para traçar um breve perfil de trabalho do novo comandante do Ceará e o que ele pode aproveitar do trabalho deixado por Enderson Moreira. Guto chega com a missão de manter a evolução de um time em ascensão.

Estilo de jogo

Em 2017, o Internacional amargava a Série B pela primeira vez na história e foi buscar Guto Ferreira, que na época treinava o Bahia na Série A, para comandar a equipe na tentativa de acesso. Quando foi apresentado no Colorado, o técnico citou as principais características dos times que treina: “Compactação, marcação agressiva, jogo de transição rápido e imposição de jogo”. O técnico não esconde que se inspira bastante em Tite, ex-Corinthians e hoje na Seleção.

A marcação agressiva era uma das ideias que compunham o modelo de jogo de Enderson Moreira. Apesar do uso de palavras sugerir que a marcação exigida por Guto seja mais intensa, é possível esperar um Ceará que faça marcação-pressão, buscando fechar as linhas de passe do portador da bola ao mesmo tempo em que tenta retomar a posse enquanto o vigor físico durar.

No Bahia, onde foi campeão do Nordestão e teve a confiança e o respaldo da diretoria para ter sequência de trabalho, Guto jogava com o sistema 4-1-4-1, que naturalmente tem variações para o 4-2-3-1 ou o 4-4-2. Líder de participações em gols do Vovô na temporada, Vinícius foi um dos jogadores que atuaram com o treinador, fazendo a função de meia centralizado na terceira linha.

Na campanha em que subiu o Sport para a Série A, Guto parece ter mudado um pouco suas concepções de como jogar, até pelas peças que tinha em mãos. Adotou o 4-3-3 com dois pontas abertos e um centroavante. No meio, dois volantes e um meia de criação. Um dos jogadores que mais cresceram nesse esquema foi o volante Charles, um dos destaques do Ceará. É outro atleta que, por conhecer o trabalho do treinador, pode ter um poder de adaptação maior.

Desempenho como visitante

Uma pedra no sapato de Guto em alguns trabalhos foi a postura ao jogar fora de casa. No Bahia, essa era uma das principais críticas feitas ao técnico, principalmente na primeira passagem, durante a disputa da Série B. Em texto para a ESPN em dezembro de 2017, o jornalista Elton Serra descreve esse problema:

“O time, longe de Salvador, era um esboço inacabado da equipe que jogava na Arena Fonte Nova. Com raros momentos, pareciam dois esquadrões distintos”, escreveu. Alguns meses depois, Guto voltou ao Esquadrão para comandar a equipe na Série A e foi demitido após uma derrota em casa para o Grêmio por 2 a 0. Na ocasião, Elton fez outro texto que carregava os mesmos questionamentos:

“O desempenho do Bahia como visitante é sombra do que o time mostra na Arena Fonte Nova, e a consequência é a pior campanha fora de casa entre os times da Série A. A postura, por muitas vezes covarde, potencializou a rejeição ao trabalho do treinador”.

Na Série B de 2019, Guto fez o Sport ser o segundo time que mais empatou como visitante, mas também evitou derrotas e rendeu pontos importantes. O Leão foi o time que menos perdeu fora de casa, e ainda teve a terceira melhor campanha longe dos seus domínios, conquistando 28 pontos.

Nos melhores momentos de Enderson, o torcedor do Ceará se acostumou a ver um time que adotava uma postura naturalmente mais recuada quando jogava fora de casa, mas que também procurava impor seu jogo aos poucos. No entanto, a estratégia também rendeu pontos negativos, tanto é que o Vovô foi vazado em todos os jogos fora de casa no Brasileirão de 2019.

A atitude mais pragmática de Guto não deve render tantos estranhamentos, já que o Vovô tem uma certa tradição de jogar de forma mais defensiva. Mas pode servir de “teto de vidro” para críticas dos torcedores mais desconfiados e que conhecem esse histórico. Se mantiver o estilo, o treinador poderá ter que readaptar uma equipe que mantém a organização ofensiva mesmo nos jogos que faz fora de casa.

O que aproveitar de Enderson

Enderson Moreira assumiu o Ceará com urgência após a demissão de Argel Fucks. Inserido num contexto de pressão e com pouco tempo para impor uma filosofia, o técnico conseguiu fazer com o que o time evoluísse, entregando resultado (já foram duas classificações na Copa do Brasil) e também desempenho, apesar de ter deixado algumas pontas soltas.

No começo de temporada, encarando times mais fracos, o Vovô naturalmente tinha a obrigação de impor o jogo, mas a equipe encontrava dificuldades para cumprir essa missão com Argel, marcando apenas um gol em organização ofensiva, quando a equipe tem a posse consolidada e pode circular a bola e trocar passes para achar espaços com mais tranquilidade. Quando Enderson assumiu, isso mudou.

O Ceará, que só havia balançado as redes em organização ofensiva apenas uma vez, conseguiu subir para nove o número de gols marcados nessa fase de jogo. Além disso, o Alvinegro ainda deu sequência ao que tinha dado certo com Argel, mantendo força na bola parada e na transição ofensiva. As opções de criação foram expandidas, abrilhantando o jogo de atletas como Vinícius, Rafael Sobis, Charles e Fernando Sobral.

Ainda existem algumas arestas a serem aparadas. O Vovô cria muito pelo chão, mas tem dificuldade para definir as jogadas. Apenas três gols de Enderson saíram de assistências em que o passe foi dado por baixo, enquanto todos os outros nasceram de escanteios, cruzamentos, cobrança de falta e até tiro de meta. Guto tem a missão de dar alternativas de criação pelo meio, tirando o “vício” que o Ceará ainda tem de jogar excessivamente pelas laterais.

Na defesa, o Alvinegro tem que estar mais atento às bolas aéreas e às perdas de posse. Quatro dos 11 gols sofridos pela equipe em 2020 nasceram de perdas de posse no campo de defesa, e metade das assistências dadas aos tentos dos adversários foram em escanteios ou cruzamentos.

Apesar dos percalços naturais, Guto Ferreira vai encontrar uma equipe invicta em 2020, com boas peças e que precisa de ajustes na parte tática e no elenco, mas que tem tudo para arrancar e ser mais um bom trabalho no currículo do novo treinador.