Zagallo, o último de nossos Anos Dourados
Tetracampeão mundial faleceu pouco mais de um ano após morte de Pelé, outro grande símbolo da seleçãoO ano de 2024 para o futebol brasileiro inicia com a notícia da morte de Mário Jorge Lobo Zagallo, o último dos campeões mundiais de 1958, e parecemos seguir num luto contínuo, depois de um 2023 todo dedicado à memória de Pelé, falecido nos últimos dias de 2022, este, nada mais que justo, segue para celebrar Zagallo e seu legado.
É muito sintomático que justamente neste ínterim, a seleção brasileira, tendo Pelé e Zagallo como maiores símbolos de sua secular trajetória, viva o pior ano de sua história quando se pensa na mescla organização institucional-resultados esportivos, constrangedores em todos os âmbitos ao longo de todo 2023. Tivemos piores momentos, seja esportivos, como o 7x1 em 2014, a eliminação vexatória para Honduras em 2001, institucionalmente, a prisão e/ou afastamento em série de presidentes por motivos vários, mas em todos, um lado equilibrava a outra parte da balança. Agora se há busca de equilíbrio é para baixo. O que provoca uma desesperança e uma falta de compromisso do torcedor com sua própria seleção, que para muitos já não a representa.
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A seleção brasileira é parte constituinte de um símbolo fomentador da identidade nacional, potencializado a partir do fim da década de 1930 pela proposta nacionalista do Estado Novo e cristalizado na década de 1950 e início de 1960, quando o país talvez pela primeira vez busca impor-se internacionalmente exportando uma imagética única e particular a dizer-lhe culturalmente, aproveitando a oportunidade da reorganização de forças mundiais do pós-Guerra. Em um só momento, o Brasil é campeão mundial de futebol, tênis e boxe, cria e exporta a Bossa Nova, constrói Brasília e firma o samba como símbolo maior da cultura do país. Difícil não ter uma pontinha de orgulho de ser brasileiro neste ou por esse momento, mesmo com todo o viés político embutido. Zagallo é um dos últimos símbolos desse momento, os Anos Dourados, como foi Pelé, Niemeyer, Carmen Miranda, Tom Jobim, João Gilberto, e como poucos levaram até os seus últimos dias a vontade de construção contínua de um país a partir de sua própria realidade.
Pensar em toda essa pró-atividade em prol de um sentimento de pertencimento de nação, tão exercitado em outros momentos históricos, leva-nos a um tanto de reflexões sobre a indiferença dia a dia amplificada sobre questões da representatividade nacional, onde símbolos como a seleção brasileira de futebol cada vez ficam mais à parte desse sentimento. E assim não consigo enxergar a tão alimentada mudança exigida do futebol brasileiro, sem o alicerce neste debate. A figura do Velho Lobo segue aí tão viva, para fomentar a imagem de um país que lutamos pra ver, e hoje tão só marcada por um reflexo doutras vistas sem sabermos ao certo de onde vem.
Mailson Furtado é escritor e produtor cultural
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