Justiça manda Fifa indenizar brasileiro inventor do spray: "Davi venceu o Golias"
Heine Allemagne, que há seis anos briga judicialmente com a Fifa, teve a causa favorável por danos causados em decorrência da utilização não autorizada do spray de demarcação de barreira em competições de futebolO brasileiro Heine Allemagne, que há seis anos briga judicialmente com a Fifa, conseguiu uma vitória importante na Justiça nesta quarta-feira. A 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou a entidade máxima do futebol a indenizar a Spuni Comércio de Produtos Esportivos, empresa de Allemagne, por danos causados em decorrência da utilização não autorizada do spray de demarcação de barreira em competições de futebol.
O Tribunal de Apelação acolheu o recurso apresentado pela Spuni e reverteu a decisão de primeira instância de julho do ano passado. Na ocasião, a juíza Fabelisa Gomes Leal, da 7.ª Vara Empresarial do TJ-RJ, havia dado razão à Fifa ao considerar que a entidade não tinha violado o uso da patente que pertence a Allemagne.
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Por unanimidade, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação determinou que a Fifa indenize Spuni e reconheceu a má-fé da entidade em razão da falta de lisura nas negociações existentes entre o inventor da tecnologia e a entidade. Ainda cabe recurso, mas a decisão desta quarta não permite mais a discussão de provas e fatos.
"O Davi venceu o Golias do futebol", afirma ao Estadão Allemagne, sem esconder o entusiasmo pela decisão da Justiça. "Vencer a Fifa, o maior órgão, a dona do futebol, dona do esporte mais amado do planeta, é um feito épico. Eu me sinto um ituiutabano, mineiro e brasileiro vencedor que fez história no futebol mundial. Hoje mais que o inventor do spray, sou o homem comum, que venceu a Fifa", acrescenta.
Relator do processo, o desembargador Francisco de Assis Pessanha Filho decidiu que a Spuni deve ser indenizada pelos danos ocorridos desde 2012. Também foi determinado que a entidade pague R$ 50 mil por ter utilizado a tecnologia na Copa do Mundo de 2014, no Brasil, ocultando a marca da Spuni. O produto fora cedido de graça.
"A Fifa, após reiterada utilização gratuita do produto, transferência de expertise e promessas de compra da patente, atuou em flagrante má-fé negocial, violando o nome da empresa autora e ficando inerte na concretização do negócio jurídico", argumentou o desembargador.
No julgamento, a defesa da Fifa argumentou que não usa inventos, não compra patentes, e que não violou patente nenhuma. O Estadão tentou contato com o departamento de comunicação da entidade que rege o futebol mundial, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.
O valor da indenização será definido em uma próxima etapa processual. Somente uma parte da indenização é estimada, na peça que inaugurou o litígio, de 2017, em mais de R$ 50 milhões. Naquela peça, o inventor pedia U$S 40 milhões. Esse é o valor mínimo que, segundo o brasileiro, a Fifa prometeu que lhe pagaria para comprar o equipamento.
"Eu falei com o (secretário-geral da Fifa) Jérôme Valcke. Na Fifa, pedimos um preço justo, e há avaliações de mercado que confirmam valores maiores do que a Fifa ofereceu", alegou Allemagne.
Em 2014, ele chegou a receber uma proposta de US$ 500 mil pela compra de sua patente, mas considerou o valor irrisório. "Eu nem respondi àquela proposta imoral. E depois daquilo, a Fifa continuou as tratativas e nos usando, continuou solicitando o uso e os testes, tanto que chegamos a treinar os árbitros da Copa do Mundo no campo do Zico e no hotel Windsor", relata o mineiro de 50 anos.
De fato, há vários registros em fotos e em vídeos dos representantes da Spuni dando treinamentos com uniformes da Fifa no hotel Windsor, no Rio, em 2014. Allegmane fez o trabalho à espera de que a promessa da compra de sua patente fosse concretizada depois do Mundial do Brasil, com uma proposta maior. Mas isso nunca aconteceu. Em vez disso, em 2015, a Fifa lançou um programa de qualidade para licenciar sprays de concorrentes e desfez a parceria com o brasileiro.
"A Fifa negar a própria história é um grande absurdo. Não honrar suas promessas mais ainda. Quem traz o discurso de Fair Play não pode ser um mal exemplo no mundo", reclama o brasileiro, que falou com nomes do alto escalão da Fifa a fim de negociar o seu produto. "Conversei com (Joseph) Blatter, João Havelange, Platini. Tive uma relação forte durante 15 anos no mínimo".
A empresa de Allemagne obteve a proteção da patente em outros 43 países além do Brasil. Embora tenha acionado a Justiça contra a Fifa em 2017, sua briga começou um pouco antes, em 2015, quando notificou o órgão pela primeira vez. O mineiro criou o spray em 2000, ano em que foi testado na Federação Mineira de Futebol e depois usado pela primeira vez por uma equipe de arbitragem na Copa João Havelange.
A CBF passou a usar o equipamento a partir de 2003 em competições oficiais, o que fez o Brasil ser pioneiro da tecnologia. Em 2009, o equipamento estreou na Libertadores e em 2013, passou a ser testado em competições organizadas pela Fifa. A Copa do Mundo do Brasil em 2014 foi a primeira a ter árbitros com o spray. E foi ali que começou todo o imbróglio que se arrasta até hoje.
"A briga judicial, em resumo, tem sido a Fifa litigando com má-fé. O tempo inteiro ela mente no processo. Chegou a mentir que não houve um programa de qualidade, negando inclusive documentos oficiais que eles enviaram e convocaram todos fabricantes do mundo", argumenta o inventor do spray.
Em paralelo à ação cuja decisão mais recente foi favorável a Allemagne, a Fifa move um processo especifico na Justiça Federal com o objetivo de anular a patente brasileira da Spuni. Ainda não houve julgamento dessa ação.
O spray de Allemagne caiu em domínio público neste ano depois de completar 20 anos de registro no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). O produto tem sido utilizado nos jogos do Brasileirão, mas, de acordo com o inventor da tecnologia, a CBF está usando mas está usando a identidade comercial dele, inclusive a marca Spuni, sem a sua autorização. Os advogados de Allemagne notificaram recentemente a entidade que comanda o futebol brasileiro e planejam mover uma ação contra o órgão.
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