Gol de Videogame: em entrevista exclusiva ao O POVO, Gustavo Villani fala sobre assumir narração do FIFA 21
Narrador da TV Globo substitui Tiago Leifert no game e a troca gerou uma reformulação total na adaptação feita para o português do Brasil. Saiba como foi o processo de mudança, que durou onze meses
“Tem gente que me pergunta ‘você trouxe o gol de videogame como bordão imaginando que um dia (ia narrar um jogo eletrônico)?’ Imagina, gol de videogame eu ouvi na linguagem dos boleiros, não foi premeditado”, garante Gustavo Villani, narrador da TV Globo e agora da franquia de games FIFA, desenvolvida pela EA Sports.
Guga, como é chamado no meio da imprensa esportiva, vai substituir Tiago Leifert, que há oito anos narra partidas virtuais de futebol nas casas dos milhões de jogadores que o game cativa. A voz de Villani vai embalar os duelos do FIFA 21, que será lançado em outubro. Caio Ribeiro segue como comentarista da franquia.
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A troca de narrador foi conduzida em um período de onze meses e só aconteceu por decisão do próprio Leifert, que resolveu passar o bastão por questões pessoais, dentre elas ter mais tempo para se dedicar à primeira filha, que nasce ainda este ano.
“Tocou meu telefone e eu não tinha o número dele registrado: ‘alô, Guga, aqui é o Tiago Leifert. Cara, vou resumir a conversa em uma pergunta: você gostaria narrar o FIFA?’. Falei, ‘claro que eu gostaria, por quê?’. ‘Porque estou de saída, acho que alguém vai te ligar nos próximos dias’. E ligaram mesmo”, contou Villani, em entrevista exclusiva ao O POVO.
A surpresa foi a mesma para a equipe de localização (que adapta o jogo para países específicos) da EA. “Quando o Tiago falou que ia sair, nossa reação foi de espanto, porque a aprovação dele era ótima, a gente tem números que provam que a popularidade dele era grande. A primeira sugestão que ele deu foi o Guga e era um nome natural na nossa lista de prioridades”, disse Daniel Perassolli, especialista e chefe da equipe que faz adaptação para Português do Brasil.
A EA Sports conseguiu convencer Leifert a gravar o FIFA 20, enquanto Vilani, praticamente em paralelo, começara a fazer o FIFA 21. Pode até parecer que foi cedo demais, mas Perassolli explica que foi o tempo ideal, pois com a troca de narrador, tudo mudou: “Quando a gente fechou com o Guga, tudo que tinha pro Tiago estava fora (dos planos). A gente não usou uma linha que o Tiago gravou, reaproveitada pro Gustavo Vilani, não faria sentido. Reescrevemos todas essas 67 mil linhas (frases), todas foram criadas pensando que seriam interpretadas pelo Gustavo”.
Uma equipe de roteiristas decupou muitos jogos com a narração de Villani na TV, transcrevendo tudo que ele falava. Depois disso, começaram a discutir que bordão se encaixava para cada momento, qual frase seria usada em determinado tipo de jogada. Tudo foi feito pensando no nele e para ele. “Decupamos palavra por palavra para entender o vocabulário-chave do narrador”, ressalta Perassoli. Guga reforça: “eu me percebia no texto”.
Com os novos textos prontos, era hora de partir para o estúdio e gravar. E foi aí que, mesmo com dez anos de narração esportiva, Gustavo VIllani sentiu a diferença entre narrar para a TV e para o FIFA 21.
Exigência física e mental
“Tem uma diferença que é elementar. Eu não tenho a imagem. Eu tenho uma carreira de mais de dez anos como narrador, de vinte anos como jornalista esportivo, mas eu sempre tive a imagem me acompanhando. O ouvinte do rádio não tinha a imagem, mas eu trabalhando no campo tinha. O FIFA não me dá a imagem, me dá uma linha, um contexto, uma frase e eu tenho que me transportar para a imagem, imaginar o lance”, compara, Guga.

Ele gravou narrações para todos os tipos de lance possíveis, desde arremesso lateral a golaços, em contextos bem diferentes (um gol cedo e um gol nos últimos minutos, por exemplo) e a base para entonar cada frase (dar a emoção) era somente o que o narrador imaginava. “Como que eu costumo narrar a cavadinha de fora da área quando sai o goleiro e ela (a bola) pega na trave? É um ‘na traaaave’ ou ‘pega na trave’? A entonação vai de acordo com a situação de jogo”, explica.
A experiência como narrador esportivo, é claro, ajudou. Villani ressalta que tudo que gravou já viu um dia, trabalhando, por isso conseguia fazer a imersão necessária para gravar o game. Uma situação bem diferente de quando Tiago Leifert assumiu o jogo, pois como ele não tinha experiência de narração, a equipe de localização teve que desenvolver uma estilo para o apresentador, onde foi usada a quebra da quarta parede, quando ele falava diretamente ao jogador, sobre comandos de jogo, sobre o controle etc.
Guga ressalta que o auxílio do time comandado por Daniel Perassolli o deixou mais à vontade, mesmo sendo uma estreia. “Fui extremamente bem recebido, uma equipe extremamente profissional, que trabalha unida e com o jogo há muito tempo, gente que sabe onde está pisando. Para um novato como eu, foi muito importante, para me guiar, me dar confiança, me dando toda liberdade de gravar, de trazer meu estilo, meus bordões, quer dizer, o narrador da televisão está chegando ao FIFA sem tirar nem pôr, não tive que mudar meu jeito pra fazer videogame”, garante.
Apesar de ser o primeiro game que narra, Villani se saiu muito bem desde o início, segundo Daniel Perassolli. O especialista garante que o maior trabalho foi pegar o que o narrador já fazia na TV encaixar no jogo de forma natural. “Numa troca (de narrador), na primeira sessão, a gente está preparado para a primeira meia hora jogar tudo fora porque não vai render. Da primeira linha que ele gravou está no jogo. Ele sentou para gravar e conseguiu fazer esse trabalho, que é quase de ator, de imaginar o que está acontecendo no campo e como ele narraria se tivesse vendo a imagem. Parece que ele nasceu para isso”, disse.
Foram 366 horas de gravação (já tirando o tempo dos intervalos), em 80 sessões de cinco horas. Um trabalho de fôlego que desgasta mais que uma transmissão esportiva, de acordo com o próprio narrador. “Uma transmissão fica no ar três horas. O FIFA são cinco horas cada sessão, com intervalo a cada hora e eu chegava a narrar intensamente, para defender o que as pessoas esperam de mim, para fazer bem feito. Chegava a fazer 20 ou 30 gols. Eu não grito isso numa transmissão de TV e de rádio”, compara.
Expectativas
Com lançamento mundial programado para 9 de outubro (com acesso no dia 6/10 para compradores das edições dos campeões ou ultimate e no dia 1/10 para assinantes da EA Play), o FIFA 21 passa pelos últimos testes da equipe de localização, que fica em Madri. Villani ainda não teve acesso e se diz ansioso para ver o resultado do trabalho que fez.
“O cara que faz o gol, se emociona com o que ele fez; ele vibra com o que fez. Eu não posso deixar esse cara na mão, tenho que estar à altura dele, tenho que tocar o coração dele. Além dele ficar feliz pelo que fez, ele tem que vibrar com minha narração”, preocupa-se o novo narrador do game.
Daniel Perassoli, que já fez testes e diz que relata algumas deles para Guga, puxa brasa para a própria equipe. “Modéstia à parte, de todos os 12 idiomas (para os quais o FIFA é traduzido), nós somos o que melhor aproveita essa liberdade de gritar gol, de fazer brincadeira, de cantarem no meio de um jogo (narrador e comentarista, acompanhando o som da torcida). A gente é o único idioma que faz isso, temos coragem que quebrar todas as paredes, todos os limites. Acho que nossa narração, de todas as que tem, é a melhor”, orgulha-se.
Villani sabe que o público que terá contato com esse trabalho extrapola o que lhe acompanha na televisão. Tiago leifert e Caio Ribeiro, já veteranos no game, o contaram que em muitos lugares não são conhecidos pelos trabalhos feitos em outras mídias (e no caso de Caio, também em campo), mas como os “caras do FIFA”. “É uma oportunidade que a vida me dá de ter um ponto de contato com diferentes públicos e estrategicamente, em especial, com as crianças. Desde que eu faça um bom trabalho, desde que eles aprovem meu trabalho, é gente que vai me acompanhar por muitos anos, seja na tabelinha televisão e videogame, seja apenas no videogame”, projeta Guga.
A voz do FIFA 21 diz que jogou bastante as duas edições anteriores do game para entender como tudo funciona. Com o trabalho feito, a expectativa agora é pela repercussão. A de anúncio está sendo positiva. Resta saber quando o jogo chegar à mão dos gamers. “Agora tá na mão do público, o jogo sai em outubro, passei a bola para saber se o pessoal vai gostar ou não”.