Raimundo Fagner: 50 anos do "Tri", "refúgio" no futebol e amizade com craques brasileiros
Em entrevista exclusiva ao O POVO, cantor cearense comenta importância de sua relação com futebol e relembra amizades e histórias com craques brasileiros
10:55 | Jul. 01, 2020
A rua Lauro Maia, em Fortaleza, explodia em festa no domingo em 21 de junho de 1970. A seleção brasileira acabara de ganhar a Copa do Mundo no México e fazer história ao ser a primeira tricampeã mundial. Em meio à euforia pela conquista, um ônibus foi depredado no mesmo local. O Brasil vivia os "anos de chumbo" em pleno regime ditatorial.
Presente naquela cena, reunido com amigos em uma churrascaria e com olhar perplexo, o cantor Raimundo Fagner, aos 20 anos. Esta é a memória mais viva do músico, da conquista do "Tri". Apaixonado por futebol, o cantor se dividia em sentimentos na ocasião. De um lado, a alegria pela seleção comandada por Pelé e companhia garantir a taça Jules Rimet. Do outro, a frustração por não poder comemorar como gostaria.
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Fagner se encontrava na véspera de viajar para Brasília, onde seria seu novo lar. A festa pelo "Tri" representava seus últimos momentos em Fortaleza. “Com a vitória, foi uma mistura de alegria enorme e tristeza porque não ia comemorar com meus amigos. Isso foi horrível. Queria curtir, mas não tinha tempo. Já ia embora no outro dia. Isso me marcou muito”, conta o cantor em entrevista exclusiva ao Esportes O POVO.
Aos 70 anos, o cantor relembra a seleção do "Tri", a relação com o futebol e a amizade e histórias com craques brasileiros, como Pelé, Zico e Ronaldo “Fenômeno”. Música e futebol sempre caminharam juntos na trajetória do cearense. Nos palcos, Fagner emplacou inúmeros sucessos, como "Mucuripe", "Canteiros" e "Deslizes", em mais de 40 anos de carreira. O que nem todos sabem é o quanto a pelota foi importante para o músico.
Na Copa de 1970, Fagner não acompanhava as análises sobre a seleção, que chegou sob desconfiança no México. Para o cantor, o time que tinha Pelé, Gérson, Rivelino, Jairzinho e Tostão dificilmente perderia o Mundial.
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"Aqui no Brasil é ganhou ou perdeu. Vendo bem o futebol de 1970 e 1982, a bola rodava mais e o time errava menos em 1982. Poucos erros, mas deu no que deu. A seleção de 1970 tinha uma áurea do futebol brasileiro com aquela geração, com cinco 'camisas 10'", analisa ele, que evita cravar como a seleção tupiniquim mais completa da história.
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Quando se mandou para Brasília após o "Tri", no início da carreira como músico, Fagner nem imaginava o quanto o futebol estaria presente durante toda a vida. Quatro anos depois, ele conhecia Pelé e iniciava a relação de amizade. Naquela época, o esporte já tinha papel importante para o cantor.
O cearense havia alcançado o sucesso com o lançamento do primeiro disco: "Manera Fru Fru Manera". Pouco tempo depois, brigou com um empresário. "Fiquei marginalizado. Diziam para voltar para o Ceará que minha carreira tinha acabado", conta.
Fagner morava com Afonsinho, ex-jogador, no Rio de Janeiro, e passou um ano jogando bola com os amigos. No fim de tarde, a "pelada" era certa na rua Bartolomeu Portela, reunindo jogadores como o próprio Afonsinho e Serginho Rêdes e músicos como Paulinho da Viola e Moraes Moreira. "Peguei o cartão vermelho na música e o futebol foi o meu refúgio. Minha casa virou um bunker do futebol."
HISTÓRIAS E AMIZADE COM CRAQUES BRASILEIROS
E foi nesta época que veio o encontro com Pelé, na despedida do "Rei do Futebol" pelo Santos contra a Ponte Preta. "Para chegar na concentração, tinha um batalhão de carros, de seguranças. Ninguém entrava. O Afonso parou o carro dele em frente ao portão da concentração. De repente, chega o Pelé de chapéu em um táxi amarelo. Parou o carro do nosso lado. Ele desceu, botou a mão no meu ombro e nunca mais largou. Viramos amigos. Realmente criamos uma simpatia", comenta.
Figura constante no meio do futebol, Fagner passou a disputar jogos amistosos. A amizade com Zico, com quem gravou o clipe da música "Batuquê de Praia", associou a imagem do cantor ao esporte. Aonde chegava para fazer show, tinha gente o esperando no aeroporto para o levar para participar de uma partida festiva.
Dentre os tantos amistosos e treinos que participou, Fagner tem duas histórias curiosas de quando tentaram o contratar como jogador profissional. Depois de atuar no time dos artistas contra uma equipe universitária na preliminar do duelo entre Operário e São Paulo, veio o convite no vestiário.
“Um cara se apresentou como diretor do time de Dourados. ‘Quero lhe contratar’. Eu falei que aquilo era só brincadeira, que fazia shows todo fim de semana. O cara falou: ‘você pode fazer shows. Mandamos um avião para pegar você onde você quiser, não precisa nem treinar’. Eu chamei o Castilho (ex-jogador). ‘Senhor, conte essa história para o Castilho. Só queria uma testemunha dessa história”, lembra aos risos.
O Cosmos, time onde Pelé atuou nos Estados Unidos após a despedida do Santos, quis fechar com o cantor também. Carlos Alberto Torres, capitão do "Tri", o levou para um treino. “O olheiro me viu. ‘O perna fina corre muito, joga muito’. ‘Mas ele é cantor’, alertou o Carlos Alberto."
Fagner lembra ainda do dia que serviu Ronaldo "Fenômeno" em um jogo festivo e foi advertido pelo treinador do "Tetra", Carlos Alberto Parreira.
“Peguei a bola no meio de campo, perto do banco de reserva. O técnico era o Parreira. Recebi a bola, botei na frente. O Ronaldo, correndo do meu lado: ‘dá, dá’. Eu me livre de outro marcador, quando fui chutar, o Ronaldo já tinha me pedido dez vezes. Toquei, e o Ronaldo fez o gol. Quando fui sair, o Parreira me questionou: ‘como você faz uma jogada dessa e passa a bola para o Ronaldo. Você ia se consagrar’. Eu devolvi: ‘Você já pegou a bola com o Ronaldo no seu ouvido ‘dá, dá’. Tem que dar.”
Com Sérgio Rêdes