O que se sabe sobre o caso Celso Daniel
Este conteúdo foi originalmente publicado no site do Projeto Comprova, do qual o O POVO faz parte
10:04 | Out. 21, 2022
Comprova Explica. O assassinato do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel (PT-SP) aconteceu há mais de 20 anos, mas tem sido assunto recorrente, sobretudo em períodos eleitorais. Após ser reaberto mais de uma vez, o caso foi encerrado pelo Poder Judiciário, assim como as apurações da promotoria. Seis pessoas foram condenadas pelo assassinato e cumprem pena, mas nenhuma delas tem relação com o Partido dos Trabalhadores. Em 2016, o caso também recebeu atenção da Operação Lava Jato.
Na ocasião, o então juiz Sergio Moro relacionou o esquema de corrupção, investigado pela força-tarefa, com a morte do petista. Recentemente, Jair Bolsonaro (PL) acusou, sem provas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de ser o mentor da morte. Publicações compartilhadas pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), pela deputada Carla Zambelli (PL-SP), bem como uma entrevista da senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) também associaram o ex-presidente ao crime.
Pela falta de evidências, a ministra Maria Claudia Bucchianeri, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mandou remover os conteúdos da internet. Apesar disso, nesta reta final de segundo turno, eleitores voltaram a compartilhar publicações que relacionam Lula ao assassinato e citam o fato como “grande obra do PT”. No entanto, o nome do petista nunca foi relacionado a nenhuma das linhas de investigação sobre o caso.
Este conteúdo foi originalmente publicado no site do Projeto Comprova, do qual O POVO faz parte.
Conteúdo analisado
Corrente compartilhada no WhatsApp que associa Lula ao assassinato de Celso Daniel e a outros crimes de corrupção que são listados como “resumo das grandes obras do PT”.
Comprova explica
O ex-prefeito de Santo André Celso Daniel foi encontrado morto no dia 18 de janeiro de 2002, em Juquitiba, na Região Metropolitana de São Paulo, dois dias após ser sequestrado. O político tinha 50 anos e, conforme apontou a perícia à época, foi torturado e atingido com oito tiros. Ele voltava de carro de um jantar em uma churrascaria paulista com o empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, seu assessor e ex-segurança, que dirigia a Mitsubishi Pajero blindada que ocupavam, quando foram abordados por homens armados em três veículos. O carro foi crivado de balas e Celso raptado. Sombra saiu ileso.
O petista havia acabado de assumir o segundo mandato como prefeito e estava na coordenação da campanha vitoriosa de Lula (PT) à presidência da República. O caso foi encerrado após investigações do Ministério Público e da Polícia Civil concluírem que o político foi morto por crime comum. Inicialmente, houve divergências entre as versões apresentadas por promotores do Ministério Público (MP) e por delegados de polícia. Contudo, após uma série de versões conflitantes, a Justiça entrou em um consenso, encerrou o caso e os responsáveis indicados nas investigações estão cumprindo pena.
Inicialmente, uma versão apresentada pela promotoria indicava que a investigação policial havia sido incompleta por não apurar quem foram os mandantes do crime, por isso, apontou Sombra, considerado um dos líderes de esquema para obter propinas de empresas do setor de transporte de Santo André, na região do ABC paulista, como mentor. A princípio, seis homens, que não tinham ligação com o PT, foram condenados pelo assassinato.
Em dezembro de 2004, a Justiça também decidiu levar Sombra a júri popular, mas ele conseguiu uma decisão no Supremo Tribunal Federal (STF) para anular o processo sob o argumento de que os seus advogados não puderam interrogar os demais réus sobre o crime. O empresário e dito melhor amigo de Celso ficou preso por sete meses, mas nunca foi julgado. Ele morreu em 2016, vítima de câncer.
Conforme reportagem publicada no dia 18 de janeiro de 2004 pela Folha de S.Paulo, outras seis pessoas que tiveram algum tipo de vínculo com os acontecimentos relacionados à morte de Celso Daniel foram assassinadas em dois anos. Os jornais à época definiram as mortes como “misteriosas” e foi criada a teoria de uma suposta queima de arquivo relacionada aos homicídios. Mas a Polícia Civil concluiu que nenhum dos crimes teve relação com o caso Celso Daniel.
Mesmo encerrado, o assunto volta à tona, em especial nos períodos eleitorais, a fim de desgastar a imagem de Lula. Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mandou remover conteúdos que relacionam o candidato petista ao crime, além de determinar que bolsonaristas que compartilharam as publicações acusatórias deixem no ar em seus perfis do Twitter, por dois dias, o direito de resposta do candidato petista.
O fato é que o caso é cheio de contradições e, diante de divergências e peças de desinformação que vêm sendo compartilhadas sobre o assunto, o Comprova usará as hipóteses levantadas pelo Ministério Público e a conclusão da Polícia Civil para ilustrar os acontecimentos que cercam o crime.
Como verificamos:
O Comprova consultou reportagens jornalísticas sobre o caso e assistiu à série da Globoplay “O caso Celso Daniel”, lançada em janeiro deste ano. Entre os entrevistados para o documentário estavam delegados que estiveram à frente das investigações; promotores; integrantes do PT; a ex-esposa do político, Miriam Belchior; a então namorada do prefeito, Ivone Santana; e o irmão Bruno José Daniel Filho.
QUADRO
Prefeito de Santo André, Celso Daniel – Importante quadro do PT no início da década de 2000 e coordenador de campanha da sigla para a eleição presidencial de 2002. No mesmo ano, foi encontrado morto na Estrada das Cachoeiras, em região afastada do município de Juquitiba, na Grande São Paulo, no dia 20 de janeiro.
Empresário Sérgio Gomes da Silva, conhecido como Sombra – Dito melhor amigo de Celso, se tornou um dos principais suspeitos no caso. Ele morreu vítima de um câncer, em 2016. Dois anos antes, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia anulado parte do processo sobre o envolvimento do empresário no crime.
Dionísio de Aquino Severo – Suposto líder da quadrilha da Favela do Pantanal, acusada pelo sequestro e execução de Celso Daniel. Ele teria sido resgatado de helicóptero de um presídio em Guarulhos um dia antes do sequestro do prefeito, para organizar a ação e contatar os demais integrantes da quadrilha. O acusado foi preso meses depois, ainda em 2002, e encontrado morto no Centro de Detenção Provisória (CDP) do Belém, na zona leste de São Paulo.
Otávio Mercier – investigador da Polícia Civil que teria trocado telefonemas com Dionísio de Aquino Severo, após a fuga do suspeito da penitenciária, foi morto a tiros, em 2003.
Carlos Delmonte Printes – médico legista responsável pelo caso que assinou um laudo no qual identificava sinais de tortura no corpo de Celso Daniel, foi encontrado morto em seu escritório, em 2005. Ele teria cometido suicídio.
Antonio Palácio de Oliveira – Garçom que serviu o último jantar do prefeito antes de ser sequestrado, morreu em um acidente de moto, em 2003. Ele teria sido perseguido por dois homens antes de bater em um poste, na zona leste de São Paulo. A polícia concluiu que houve um roubo seguido de morte.
Paulo Henrique Brito – Testemunha do acidente em que o garçom Antônio Palácio perdeu a vida, foi morto com um tiro cerca de 20 dias depois.
Iran Moraes Redua – Agente funerário que reconheceu o corpo de Celso Daniel, em Juquitiba, foi morto a tiros, em 2004.
Quem era Celso Daniel
Ele era prefeito da cidade de Santo André e foi sequestrado e morto em janeiro de 2002, quando exerceria o segundo mandato. Nascido em 16 de abril de 1951, filho de Bruno José Daniel, ex-prefeito de Santo André, iniciou a carreira política em 1982, no Partido dos Trabalhadores. Formado em engenharia, sempre esteve envolvido na política e tornou-se uma liderança na região do ABC paulista.
O primeiro cargo público exercido por Celso Daniel foi no Departamento de Trânsito da Prefeitura de Santo André, entre 1974 e 1978. Depois, seguindo os passos do pai, ele concorreu à prefeitura do município pela primeira vez em 1982, mas perdeu para Newton da Costa Brandão. Seis anos mais tarde, disputou novamente e saiu vitorioso, exercendo a gestão municipal de 1989 a 1992.
Após cumprir o mandato, concorreu a deputado federal em 1993 e foi eleito, permanecendo no cargo de 1994 a 1996. Em seguida, voltou à Prefeitura de Santo André de 1997 a 2000 e venceu a eleição seguinte, com 70,13% dos votos, mas foi assassinado logo após assumir o cargo.
O sequestro de Celso Daniel, conforme relatos de autoridades ouvidas sobre o caso para o documentário da Globoplay, foi rapidamente divulgado pela mídia, pegando até familiares de surpresa. Dois dias depois, o político foi encontrado morto em uma estrada de chão no bairro Juquitiba. O fato comoveu lideranças do partido e, principalmente, a comunidade de Santo André, onde Celso era uma figura benquista.
Versão da Polícia Civil
O caso, já encerrado pela Justiça, foi alvo de diversas versões. Desde 2002, ano do assassinato, o crime teve as investigações abertas três vezes e foi centro de diversas manchetes e polêmicas.
A primeira movimentação oficial foi o inquérito policial conduzido pela Polícia Civil logo após o crime e finalizado em abril daquele mesmo ano, que concluiu que a ação se tratou de um crime comum cometido por uma quadrilha da favela do Pantanal, localizada na zona sul de São Paulo.
Os investigadores entenderam que o ex-prefeito foi vítima de extorsão mediante sequestro seguido de morte. A Polícia chegou aos suspeitos através de exames periciais na Pajero, onde estava Celso Daniel, e denúncias anônimas que apontavam para membros da quadrilha.
Em 5 de abril de 2002, foi recebida a denúncia contra Ivan Rodrigues da Silva (Monstro), José Edson da Silva (Zé Edison), Itamar Messias dos Silva Santos (Olho de Gato), Rodolfo Rodrigo dos Santos Oliveira (Bozinho), Elcyd Oliveira Brito (John) e Marcos Roberto Bispo dos Santos (Marquinho). Nessa mesma oportunidade, foi decretada a prisão preventiva dos acusados. Não foi encontrada nenhuma menção a uma suposta relação dos outros acusados com Celso Daniel antes do sequestro.
Segundo matéria do UOL, um dos sequestradores afirmou, ainda no início das investigações, que a escolha da vítima foi aleatória e visava apenas o carro utilizado. Eles só teriam descoberto a identidade de Celso Daniel por meio dos noticiários.
De acordo com o depoimento de um dos sequestradores, os homens ficaram assustados com a repercussão dos fatos, razão pela qual o líder deles teria ordenado “dispensar” o político, que era uma “bomba”. Os demais membros da quadrilha compreenderam que a ordem era matar Celso Daniel. Para a polícia, cinco suspeitos confessaram apenas que participaram do sequestro do prefeito.
Em depoimento no tribunal, os acusados se retrataram e negaram qualquer participação ou conhecimento acerca dos fatos. Entretanto, as supostas confissões feitas na fase policial poderiam ser confirmadas porque, segundo declarações dos delegados do caso, os réus foram presos em locais e épocas distintas e a versão foi coincidente nas falas deles.
A investigação da polícia concluiu, portanto, que Celso Daniel foi vítima de crime comum, já que o alvo dos criminosos era aleatório. Seis dos envolvidos no rapto e morte do político foram presos e, posteriormente, condenados em júri popular. Nenhum deles tinha ligação com o PT.
Nova denúncia e acusação contra Sombra
Em dezembro de 2003, o Ministério Público de São Paulo fez uma nova denúncia sobre o caso, incluindo Sombra entre os responsáveis pelo crime. De acordo com o MP, Sérgio Gomes da Silva fazia parte de uma quadrilha dedicada à prática de crimes contra a administração pública de Santo André e também contra particulares que concorriam com suas atividades empresariais. Sombra teria encontrado em Celso Daniel forte resistência pois, quando o prefeito tomou conhecimento do tamanho da atuação do grupo criminoso, decidiu acabar com o esquema.
“Objetivando, então, eliminar aquele obstáculo colocado para impedir o avanço de suas atividades criminosas, que lhe rendiam vultosas importâncias, Sérgio Gomes da Silva decidiu matar a vítima. Para tentar desviar a atenção sobre sua ativa participação nos fatos, optou pela elaboração de engenhoso plano de ataque, consistente na simulação de um crime comum de sequestro urbano, no que contou com a colaboração de um amigo experiente nessas questões, Dionísio de Aquino Severo”, argumentava o órgão.
Severo foi identificado como líder da quadrilha da favela do Pantanal. Para os promotores, Dionísio seria o elo entre Sombra e o restante da quadrilha.
O Ministério Público alegava que a ação simulada, então, ficou combinada em encontros pessoais entre Dionísio e os demais personagens da armação. Segundo a acusação, foram escolhidas armas que seriam usadas para não romper a blindagem da Pajero e parte do pagamento em dinheiro estaria em uma sacola no banco traseiro do veículo.
O MP afirmou, à época, que Sérgio Gomes deliberadamente estancou a marcha e abriu a trava da porta do automóvel para que Celso, como previamente acertado com os demais autores do crime, pudesse ser retirado.
A denúncia indicava que os acusados levaram a vítima para um suposto cativeiro, onde a mantiveram por certo tempo também acertado previamente para tentar passar a imagem de crime comum. A acusação mostrava ainda que os homens teriam matado Celso Daniel pouco mais de 24 horas após o suposto sequestro, e que abandonaram seu corpo em um local conhecido como Estrada da Cachoeira.
A promotoria acusou Sombra e outras sete pessoas pelo crime de homicídio duplamente qualificado, mediante pagamento ou promessa de recompensa e recurso que dificultou a defesa da vítima. O primeiro condenado foi Marcos Roberto Bispo dos Santos, julgado em novembro de 2010 e sentenciado a 18 anos de prisão.
Em maio de 2012, três acusados foram condenados pelo Tribunal do Júri da Comarca de Itapecerica da Serra. Ivan Rodrigues da Silva a 24 anos de reclusão; José Edison da Silva a 20 anos e Rodolfo Rodrigo dos Santos Oliveira Silva a 18 anos. Elcyd Oliveira Brito foi a júri em agosto do mesmo ano e também foi condenado. Itamar Messias Silva dos Santos foi julgado em novembro de 2012 e condenado a 20 anos de prisão.
Os advogados de Sombra pretendiam anular a sentença de pronúncia, que encaminha o réu para ser julgado por júri popular, alegando cerceamento de defesa, porque não puderam fazer perguntas no interrogatório de um dos corréus. O recurso foi negado, mas a defesa recorreu e teve um habeas corpus expedido pelo STF em 2015.
Sombra morreu em 2016 de câncer, em São Paulo. Em matéria do G1, o promotor do caso Celso Daniel, Roberto Wider, esclareceu que a morte de Sérgio Gomes representava o fim do caso Celso Daniel porque todos os demais integrantes da quadrilha foram julgados, condenados e o processo não foi anulado com relação a eles.
Suposições sobre crime político
Logo no início, os irmãos de Celso Daniel contestaram a primeira versão da polícia, afirmando se tratar de um crime político. Para eles, conforme reportagem do UOL, Celso era conivente com um esquema que desviava dinheiro para o PT, que teria contado com a participação do então deputado federal e presidente da legenda José Dirceu e do então secretário de Governo de Santo André, Gilberto Carvalho. Os petistas, no entanto, negam as acusações.
Mas, segundo os irmãos, ao suspeitar que Sombra e Ronan Maria Pinto, empresários ligados ao transporte público local, além do então secretário de Serviços Urbanos da cidade, Klinger de Oliveira Souza, estariam embolsando o dinheiro, Celso Daniel decidiu acabar com os desvios, fato que teria causado seu assassinato. Em entrevistas recentes (UOL e R7), os irmãos do prefeito reafirmam que podem haver responsáveis pelo crime ainda desconhecidos e descartam a tese de que o assassinato ocorreu por conta de um sequestro aleatório.
Acatando o pedido da família, portanto, o MP-SP decide reabrir o caso, em agosto de 2002, buscando apurar um eventual envolvimento de Carvalho e de José Dirceu no esquema. Nelson Jobim, ministro da Justiça e presidente do STF à época, porém, não levou o caso adiante.
Em 2005, o Ministério Público de Santo André retomou as investigações, mas chegou à mesma conclusão das apurações anteriores: tratava-se de crime comum, segundo o UOL. Neste meio-tempo, Sombra foi denunciado como mandante do crime e chegou a ficar sete meses preso, até ser solto por determinação do STF. Posteriormente, o empresário foi condenado, assim como Pinto e Souza, por conta da máfia de transportes da prefeitura.
Em 2012, em nova abertura do caso por parte do MP, a tese da promotoria apontou que Sombra teria não só planejado o assassinato como seria o chefe da quadrilha da favela do Pantanal.
Em 2016, a Justiça condenou o PT a pagar R$ 3,5 milhões por julgar procedente a acusação do Ministério Público de que a legenda se envolveu no esquema de corrupção. Também foram condenados Gilberto Carvalho, que teve suspensão dos direitos políticos por cinco anos e pagamento de multa, além do empresário Ronan Pinto, condenado a pagar R$ 3,5 milhões.
Da CPI dos Bingos à Lava Jato
A morte de Celso Daniel foi alvo de investigação até na CPI dos Bingos, instalada no final de junho de 2005, no Senado Federal. A comissão foi criada após o escândalo dos bingos, uma crise que surgiu em 13 de fevereiro de 2004, no governo Lula, depois de denúncias de que Waldomiro Diniz, à época assessor do então ministro da Casa Civil José Dirceu, estava extorquindo dinheiro de empresários com a finalidade de arrecadar fundos para o Partido dos Trabalhadores.
Na tese dos parlamentares, a morte de Celso revelaria suposto caixa dois de campanha do PT, tese que já havia sido levantada pelo MP. Segundo o então senador Romeu Tuma, que era filiado ao extinto PFL de São Paulo e pediu investigação, jogos como bingo alimentaram caixa de campanhas eleitorais. Os senadores chegaram a aprovar a convocação do irmão do prefeito, João Francisco Daniel. Os presos pelo crime também foram ouvidos.
Além disso, foram pedidas cópias do inquérito policial do assassinato e do processo de investigação do Ministério Público sobre corrupção na prefeitura de Santo André. Apesar disso, no relatório final, a CPI não sugeriu medidas sobre o caso Celso Daniel.
Onze anos depois, o caso voltou ao noticiário com a Operação Lava Jato. De acordo com reportagem do G1, na 27ª fase, que prendeu Ronan Maria Pinto — suspeito de receber R$ 6 milhões do esquema de corrupção da Petrobras investigado pela Polícia Federal —, o então juiz Sérgio Moro citou a morte do ex-prefeito de Santo André no despacho que autorizou a prisão do empresário e disse que “é possível” que o crime tenha “alguma relação” com um esquema de corrupção que existia na prefeitura de Santo André.
A Lava Jato, segundo reportagem do El País, desconfiou que esse recurso recebido era fruto de chantagem de Pinto sobre o PT para não revelar o que sabia sobre a morte do prefeito. Na 27ª fase, intitulada como Operação Carbono, segundo o G1, foram presos temporariamente Ronan Maria Pinto e Silvio Pereira, ex-secretário geral do PT. Faltou apurar, no entanto, a razão do pagamento a Ronan Pinto; qual é a relação entre o repasse e o esquema de corrupção em Santo André; e para onde foram os outros R$ 6 milhões do empréstimo. A tese sobre relação com a morte de Celso Daniel não teve continuidade.
Mortes de pessoas relacionadas ao caso
Em 2004, o jornal Folha de S.Paulo publicou a informação de que pelo menos seis pessoas que tiveram algum tipo de vínculo com os acontecimentos relacionados à morte de Celso Daniel foram assassinadas a tiros em dois anos. À época, conforme a Folha, os homicídios não haviam sido elucidados. No entanto, no decorrer das investigações, não ficou comprovado que essas mortes tiveram relação com a do prefeito.
Em 2016, o jornal Extra noticiou a morte de Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, que sofria de câncer e foi vítima de falência hepática. O jornal ainda relata que, para colocar o plano em prática, Sombra teria contratado Dionísio de Aquino Severo, resgatado de helicóptero de um presídio em Guarulhos um dia antes do sequestro do prefeito, para organizar a ação e contatar os demais integrantes da quadrilha. Dionísio foi morto dentro do CDP (Centro de Detenção Provisória) do Belém, na zona leste de São Paulo, dias depois de ser preso, em abril de 2002 – antes de ser ouvido sobre o caso.
Manuel Sérgio Estevam, o Sérgio Orelha, que teria abrigado Severo logo após o crime, foi metralhado em sua casa, em novembro de 2002. Outra morte citada pelo Extra é a do investigador de polícia Otávio Mercier. A quebra do sigilo telefônico pedida pela Justiça revelou ligações do celular do policial para Severo na véspera do sequestro. Em dezembro do ano seguinte, o agente funerário Iran Moraes Redua foi assassinado com dois tiros. Ele foi o primeiro a identificar o corpo de Daniel.
Depois, o garçom do restaurante que serviu Celso Daniel no jantar junto a Sombra minutos antes do sequestro, morreu, em fevereiro de 2003. Ele foi perseguido por dois homens quando dirigia uma moto na zona leste da capital paulista, levou um chute, perdeu o controle e bateu em um poste. Nada foi roubado.
A única testemunha que declarou à polícia ter assistido à morte do garçom, segundo o Extra, Paulo Henrique Brito, foi assassinado 20 dias depois, com um tiro nas costas. O médico legista Carlos Alberto Delmonte Printes, que constatou indícios de tortura ao examinar o corpo de Daniel, cometeu suicídio com ingestão de medicamentos em 2006.
Após ser reaberto mais de uma vez, investigado pelo Ministério Público e até pela CPI dos Bingos, em Brasília, segundo o UOL, o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa concluiu que seis pessoas participaram do assassinato. A polícia disse, à época, que os acusados sequestraram Celso Daniel por engano e que o alvo seria outra pessoa.
A relação do PT, Lula e Celso Daniel
Assim como já ocorreu em outros pleitos, o caso do ex-prefeito Celso Daniel voltou à tona nestas eleições. O tema costuma ser explorado por adversários do PT devido ao fato de Daniel ter atuado como coordenador do programa de governo de Lula, eleito presidente pela primeira vez no final de 2002, ano da morte de Celso.
Em todas as ocasiões, o partido sempre negou envolvimento no caso ao defender que o episódio foi amplamente investigado e os responsáveis pelo crime todos presos. Além disso, a sigla nega qualquer envolvimento de Lula sustentando a tese de que tanto o Ministério Público quanto a Polícia Civil não relacionam o petista nas investigações.
No primeiro turno das eleições de 2022, o caso foi novamente explorado por adversários de Lula. Em entrevista divulgada no fim de setembro pela emissora Joven Pan, a senadora Mara Gabrilli, ex-candidata a vice-presidente na chapa de Simone Tebet (MDB), disse que o petista “pagou” para não ser apontado como “mentor do assassinato” de Celso Daniel. Ela não explicou como teve acesso a essa informação.
O vídeo foi compartilhado por Flávio Bolsonaro, Carla Zambelli e pelo site bolsonarista Terra Brasil Notícias. No dia 29 de setembro, o assunto surgiu novamente durante o debate presidencial promovido pela Rede Globo, a partir de uma pergunta feita pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) à Tebet sobre a declaração de sua vice. Logo depois, Lula pediu que o Bolsonaro tivesse responsabilidade ao acusá-lo de ter sido o mandante do assassinato do ex-prefeito de Santo André.
“Celso Daniel era meu amigo. Celso Daniel era o melhor gestor público desse país. Ele foi chamado pela prefeitura para coordenar o meu programa de 2002. O TST [o correto é TSE, Tribunal Superior Eleitoral] acaba de tirar do ar o site das mentiras mentirosas [sic] da sua família que estavam hoje na rede digital sobre Celso Daniel”, disse Lula.
Segundo reportagem do Poder 360, o presidente foi orientado por auxiliares a resgatar a morte de Celso Daniel no debate. Em live eleitoral nas redes sociais, Bolsonaro já havia mencionado o caso e sugerido o envolvimento de Lula. Ele chamou o petista de “gangster” e classificou seu adversário como mentor da morte de Celso Daniel. A afirmação, no entanto, é falsa.
Em setembro, a ministra Maria Claudia Bucchianeri, do TSE, mandou remover publicações do senador Flávio Bolsonaro e da deputada Carla Zambelli, bem como uma entrevista da senadora Mara Gabrilli, que associam a morte do ex-prefeito a Lula. No dia 16 de outubro, o mesmo tribunal concedeu direito de resposta a Lula contra a rádio Jovem Pan, o portal Terra Brasil Notícias, a senadora Mara Gabrilli, o senador Flávio Bolsonaro e a deputada federal Carla Zambelli.
Também neste ano, o PT voltou a divulgar nota em defesa da sigla. Na manifestação, com o título de “A verdade sobre a morte de Celso Daniel”, o partido afirma que “o bolsonarismo, desesperado, repete fake news criminosa que tenta ligar o assassinato de Celso Daniel a Lula”.
Delação de Marcos Valério
Marcos Valério é um empresário brasileiro preso em decorrência das investigações contra o esquema de corrupção do Mensalão. Ele fechou colaboração premiada com a Polícia Federal em 2017. No dia 1º de julho de 2022, a revista Veja divulgou trechos da delação do empresário, que cita suposta relação do PT com a morte de Celso Daniel.
Segundo Valério, nas gravações divulgadas, o empresário Ronan Maria Pinto chantageava Lula para não revelar informações sobre um esquema de arrecadação ilegal de recursos para financiar campanhas do partido. O dinheiro seria oriundo de empresas de ônibus, de transportes piratas e de bingos, e, neste último caso, os repasses do dinheiro ao PT seria uma forma de lavar recursos do PCC. Pinto era dono do jornal Diário do Grande ABC, em São Paulo, e teria recebido R$6 milhões em um esquema de corrupção envolvendo a Petrobras.
Ainda segundo a delação, Celso Daniel teria produzido um dossiê com informações de quem estava sendo financiado de forma ilegal dentro do partido. Em resposta à revista Veja, o PT publicou uma nota em que afirma que a reportagem é baseada em “notícia velha, falsa e vazada ilegalmente”.
Marcos Valério chegou a ser convidado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) para falar em audiência da Comissão de Segurança Pública da Câmara. Em comunicado à Câmara, o empresário disse que o material publicado pela revista foi vazado de forma ilícita.
Em 2018, Celso de Mello validou parcialmente o acordo de delação premiada de Valério (G1, Folha de S.Paulo e Estadão). Parte dos fatos criminosos delatados não foi homologada porque, segundo Mello, referiam-se a ações penais que já tramitavam na Justiça.
Com isso, as autoridades competentes podem passar a investigar parte dos fatos narrados pelo delator. Entretanto, o teor dos depoimentos está sob sigilo até que seja recebida a denúncia criminal sobre os supostos crimes narrados. Sendo assim, não é possível ter acesso a todas as falas de Valério.
O acordo de colaboração premiada é um dispositivo processual e se caracteriza como uma possibilidade para obtenção de provas. As declarações, por si só, não podem servir de fundamento para a decretação de medidas cautelares, recebimento de denúncia ou sentença condenatória.
Segundo a lei, o acordo de colaboração premiada e os depoimentos do colaborador devem ser mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, sendo vedado ao magistrado decidir por sua publicidade em qualquer hipótese.
Por que explicamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal que circulam nas redes sociais. A seção Comprova Explica é utilizada para a divulgação de informações a partir de conteúdos que viralizam e causam confusão, como o assassinato de Celso Daniel que, 20 anos depois, ainda gera versões falsas e teorias conspiratórias sobre o assunto. Já no primeiro turno das eleições de 2022, assim como ocorreu em pleitos anteriores, declarações de políticos como o presidente Bolsonaro, assim como compartilhamentos nas redes sociais por parte do eleitorado, relacionam, sem provas, o assassinato do petista a Lula, ex-presidente e candidato à presidência.
Outras checagens sobre o tema: Dezessete anos depois do crime, o UOL fez uma reportagem “O que se sabe sobre a morte de Celso Daniel” com detalhes do caso. Em janeiro deste ano, a Globoplay lançou um documentário que traz entrevistas com pessoas envolvidas no caso, desde investigadores a familiares e testemunhas. Em outras checagens, o Comprova já explicou o que é e como funciona o orçamento secreto, o que foi feito na operação Lava Jato e o que é comprovado e o que é falso sobre a facada de Bolsonaro, ocorrida em 2018.
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