Fala de Damares sobre suposto abuso sexual de crianças circula na internet como ficção desde 2010

Narrativa dita pela senadora eleita contém diversas semelhanças com um suposto crime descrito no site 4chan, plataforma que reúne textos de ficção, sem oferecer nenhuma prova e não assinados

10:54 | Out. 13, 2022

Por: Filipe Pereira
(Brasília - DF, 15/05/2020) Palavras da Ministra da Mulher, da Família e dos DH, Damares Alves. Foto: Carolina Antunes/PR (foto: Carolina Antunes/PR)

A história contada durante um culto religioso em Goiânia por Damares Alves (Republicanos-DF) envolvendo crianças da Ilha de Marajó, no Pará, circula em fóruns da internet como ficção desde 2010. Um relato anônimo de 12 anos atrás, que contém diversas semelhanças com o suposto crime descrito pela senadora eleita, foi escrito no site 4chan, conhecido por seu conteúdo satírico e de violência extrema. 

Segundo apuração do jornalista André Duchiade, do jornal O GLOBO, o lema do site é “as histórias e informações aqui encontradas são obras artísticas de ficção e falsidade. Só um tolo tomaria qualquer coisa encontrada aqui como fato”. Os textos da plataforma costumam ser chamados de “textos verdes” (“greentexts”). O termo se refere a um subgênero narrativo da internet  onde são contadas experiências bizarras e chocantes, sem oferecer nenhuma prova, ou seja, uma ficção.  

Além de não trazer evidências concretas dos relatos, os textos não são assinados. No entanto, por ser amplamente reproduzidos e alterados, os conteúdos passam a ser considerados realidade por pessoas que os ouvem de terceiros.

Umas das narrativas deu força a uma teoria chamada QAnon, em que quase todas as instituições políticas americanas estariam dominadas por pedófilos satanistas, que o ex-presidente Donald Trump combateria secretamente. Segundo informações do O Globo, a teoria saiu do fórum e ganhou credibilidade dentro do Partido Republicano, nos EUA, onde 15% dos correligionários acreditam na teoria. 

Comunidades de apreciadores de “textos verdes” compartilham um conto com semelhanças ao relato de Damares, apelidado de “Lolitas escravas brinquedos". A conta no Twitter de Fabiana Iglesias foi a primeira a notar a semelhança entre os casos. Na história, um suposto cirurgião relata sequestrar crianças, arrancar seus dentes e alimentá-las com líquidos.

No entanto, na narrativa original, o lugar do conto é o Leste Europeu, enquanto Damares afirma que o suposto caso estaria acontecendo na Ilha de Marajó, no Pará. "Os seus dentinhos são arrancados pra elas não morderem na hora do sexo oral. Essa nação que a gente ainda tem irmãos. Nós descobrimos que essas crianças, elas comem comida pastosa para o intestino ficar livre para a hora do sexo anal", disse a senadora eleita.

No conto da internet, o autor diz: “Tiro os dentes da boca. Depois de tirar todos os seus dentes, implanto uma camada de silicone com uma camada superior macia em seus maxilares. Ela [a criança] ainda poderá chupar, mas não poderá mais morder”.

A estratégia de Damares remete ao QAnon. O movimento se refere a Trump como o salvador contra a seita satânica secreta, em uma luta do bem contra o mal. Já Damares faz o mesmo com Bolsonaro:

“Nós vamos atrás de todas elas” [crianças], e o inferno se levantou contra esse homem. A guerra contra Bolsonaro, que a imprensa levantou, que o Supremo levantou, que o Congresso levantou, acreditem, não é uma guerra política. É uma guerra espiritual", disse Damares.