Institutos de pesquisa ficam em xeque após resultado do 1º turno
Datafolha, Ipec e Ipespe explicam divergências nos números das últimas projeções em relação ao resultado das urnasContrariando as projeções da maioria dos institutos de pesquisas, o primeiro turno das eleições presidenciais foi marcado por uma disputa acirrada entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL). Ao fim da apuração, os dois terminaram separados por uma margem de 5,23 pontos percentuais, com o petista na liderança.
Pesquisas de véspera apontavam Lula com até 14 pontos de diferença e possibilidade de vitória no primeiro turno. A discrepância entre o resultado nas urnas e o sentimento do eleitor captado pelas sondagens antes da votação colocam, neste segundo turno, uma crise potencial dos institutos de pesquisa, além de munição à estratégia de Bolsonaro de desacreditar os números dos levantamentos de intenção de voto.
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O presidente, que sempre esteve atrás de Lula nas pesquisas do primeiro turno, usava o mote da contestação para não desanimar sua militância. A despeito das projeções de todos os institutos, ele chegou a falar em vitória no primeiro turno. Após a divulgação dos resultados, a tática de desacreditar as pesquisas ganhou ainda mais força.
"Nós vencemos a mentira no dia de hoje. Estava o Datafolha aí dando 51% a 30 e poucos. Vencemos a mentira", afirmou o presidente a jornalistas em frente ao Palácio da Alvorada em seu primeiro pronunciamento após a confirmação do segundo turno. Bolsonaro ainda disse acreditar que os institutos de pesquisa não vão continuar realizando projeções após os erros de cálculo no primeiro turno.
Na véspera das eleições, dia 1º de outubro, o Datafolha apontava Lula com 50% dos votos válidos contra 36% de Bolsonaro, vantagem de 14 pontos percentuais. A diferença foi exatamente a mesma projetada pelo Ipec, antigo Ibope, que mostrou, na mesma data, Lula com 51% e Bolsonaro com 37%. Os dois levantamentos indicavam possibilidade de o petista ser eleito em primeiro turno.
Outros institutos também previam vantagem maior de Lula no dia que antecedeu a ida dos eleitores às urnas. Foi o caso do Ipespe, que indicou o petista com 49% contra 35% do atual presidente, da Quaest (49% Lula a 38% Bolsonaro), Atlas/Intel (50,30% Lula a 41,10% Bolsonaro) e do CNT/MDA (48,3% Lula a 39,70% Bolsonaro).
Todos os institutos erraram as projeções mesmo considerando as margens de erro adotadas por cada um. Os resultados mais divergentes ocorreram em relação à votação de Bolsonaro. Das pesquisas divulgadas na véspera, apenas a Atlas/Intel apontava o presidente com percentual de votos válidos acima de 40%.
Na avaliação da cientista política Monalisa Torres, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), as projeções imprecisas podem estar relacionadas a uma possível “defasagem” dos planos amostrais utilizados nas metodologias em virtude da falta de atualização dos dados do censo do IBGE que deveria ter sido realizado em 2020.
“O que pode ter acontecido é esse erro amostral, que pode impactar de forma muito significativa no resultado dessas pesquisas, porque o último censo foi realizado em 2010. É possível que a amostra considerada pelos institutos seja uma amostra muito defasada, que não representou a população brasileira”, comentou Torres.
A especialista ainda destaca que as sondagens inconsistentes no primeiro turno servem como ingrediente a mais para acirrar a “guerra de narrativas” na segunda etapa da eleição.
“Esse é um problema sério porque acaba reforçando a lógica anti-sistema, esse questionamento de que existem duas narrativas. Os fatos são ignorados, então, isso reforça um ambiente de cisão, de polarização, em que o Bolsonaro vem surfando desde o primeiro turno”, completou.
O POVO procurou os institutos Ipec, Ipespe, Datafolha e Quaest para repercutir o resultado das eleições e compará-lo com as projeções feitas no dia anterior à votação.
Por meio de nota, o Ipec alegou que a última pesquisa feita pelo instituto apontava que não era possível afirmar se a eleição acabaria ou não no primeiro turno. “Lula não ganhou no primeiro turno por 1,6% dos votos”, justificou. Sobre a votação de Bolsonaro ter superado as projeções, a empresa diz que houve migração de parte dos votos de Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB) e de indecisos para o atual presidente.
“O presidente Jair Bolsonaro obteve 6 pontos a mais do que a pesquisa mostrava, em função dos 3% que ainda tínhamos de indecisos, do índice menor de Ciro Gomes, que na pesquisa aparecia com 5% e obteve 3% na apuração, além do índice de Simone Tebet que também ficou um ponto abaixo do que a pesquisa mostrava (obteve 4% na apuração vs. 5% na pesquisa)”, afirma a nota.
O Datafolha, também por meio de nota, afirmou que “pesquisas não podem ser lidas como uma previsão do resultado da votação, mas sim um retrato das preferências eleitorais no momento em que são feitas”. O instituto ainda argumentou que suas sondagens sempre mostraram Lula à frente de Bolsonaro e que os dois candidatos tinham o maior percentual de votos cristalizados.
O desempenho de Bolsonaro acima das projeções, segundo o Datafolha, tem relação direta com o chamado “voto útil”, que desidratou Ciro e Tebet na reta final em benefício do presidente.
“Esses movimentos ocorreram entre a véspera da eleição e o dia da votação, e não puderam ser captados por pesquisas realizadas entre sexta (30) e sábado (1). A votação final do candidato do PT (48,4% dos votos válidos) se mostrou alinhada ao resultado projetado na véspera (50%) devido ao fator já citado, a consolidação na preferência pela candidatura de Lula”, explica a nota.
O instituto ainda afirma que pesquisas têm caráter “diagnóstico e não de prognóstico”, captando o sentimento do eleitor no momento em que o levantamento é realizado e não antecipando os eventuais resultados das eleições.
“Continuaremos nesse caminho, sempre buscando entregar a melhor informação aos brasileiros. Contamos para isso com o respeito ao trabalho de nossos pesquisadores que estão nas ruas brasileiras e com a liberdade de informar sem ameaças de violência ou censura”, encerrou a nota.
O sociólogo e cientista político Antônio Lavareda, presidente do conselho científico do Ipespe, não considera que tenha ocorrido “erro” objetivo dos institutos, mas sim um movimento de mudança na reta final da campanha não captado pelas pesquisas devido a fatores com tendência a serem definidos apenas no dia da votação.
“Entre eles destacando o voto estratégico (típico de sistemas pluripartidários como o nosso), o voto errático, e sobretudo, a abstenção, que nenhum instituto nosso tem condições de estimar de modo razoável, pelo fato do voto ser obrigatório e os prováveis absenteístas não revelarem essa disposição”, analisou.
O especialista observa que, nas eleições deste ano, o percentual de eleitores que faltaram às urnas foi superior ao das últimas eleições. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o índice de abstenções foi de 20,95% ante a 20,03% há quatro anos atrás.
Na avaliação do sociólogo, as ausências seriam votos potenciais de Lula e dos candidatos da chamada terceira via. “Lula perdeu 9 pontos e os candidatos não competitivos outros 9 pontos. Lula por conta da vulnerabilidade - custo de votar- do seu eleitorado mais pobre. Os demais candidatos certamente por não serem competitivos”, disse.
Lavareda ainda comenta que Bolsonaro, diante das abstenções, teve mais “resiliência” devido ao perfil socioeconômico e a “taxa de entusiasmo” dos seus apoiadores, que se sentiram mais estimulados a ir às urnas.
A Quaest, também contatada pelo O POVO, não havia enviado posicionamento oficial até a publicação desta matéria.
Pesquisas de véspera (1/10/2022)
Ipec/Globo: Lula 51% x Bolsonaro 37%
(margem de erro: 2 p.p)
Diferença: 14%
Datafolha: Lula 50% x Bolsonaro 36%
(margem de erro: 2 p.p)
Diferença: 14%
Ipespe: Lula 49% x Bolsonaro 35%
(margem de erro: 3 p.p)
Diferença: 14%
Quaest: Lula: 49% x Bolsonaro: 38%
(margem de erro: 2 p.p)
Diferença: 11%
AtlasIntel: Lula: 50,30% Bolsonaro: 41,10%
(margem de erro: 1 p.p)
Diferença: 9,2%
CNT/MDA: Lula 48,3% x Bolsonaro 39,70%
(margem de erro: 2,2 p.p)
Diferença: 8,6%
Resultado das eleições: Lula 48,43% x Bolsonaro 48,20%
Urnas apuradas: 99,99%
Diferença: 5,23%
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