Compra de imóveis em dinheiro por familiares de Bolsonaro é crime? Entenda

A prática não é vista como criminosa, porém pode ser considerada como suspeita

16:58 | Set. 22, 2022

Por: Deusdedit Neto
Polícia Federal busca descobrir se pagamentos suspeitos foram pagos com uso de dinheiro público. (foto: Marcos Corrêa/PR)

No fim do mês de agosto, reportagens do Uol assinadas pela jornalista Juliana Dal Piva mostraram que o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), e membros de sua família fizeram compras de pelo menos 51 imóveis em dinheiro vivo, de 1990 até os dias atuais. Flávio Bolsonaro (Republicanos), filho 01 do ex-militar, até tentou barrar a publicação da matéria na Justiça, mas não teve sucesso.

Afinal, comprar imóveis com dinheiro em espécie é crime? Judicialmente, a prática não é vista como criminosa, porém pode ser considerada como suspeita por ter grande associação com crimes de lavagem de dinheiro. Isto porque existem algumas variáveis que dificultam a fiscalização desse tipo de negociação, mas o ponto mais importante é a subjetividade.

Ocorre que o vendedor de um imóvel tem prerrogativa de escolher o valor do seu bem. Ainda que existam outros empreendimentos próximos ao dele com características parecidas e o valor de mercado que cada propriedade possui, o proprietário pode alegar que seu bem é mais valioso por ter algum diferencial estrutural, por exemplo.

É o que explica o advogado e mestrando em Direito Livelton Lopes, que possui pesquisa voltada ao Direito Penal Econômico e Macrocriminalidade pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília.

Na teoria, operações financeiras com valores superiores a R$ 50 mil deveriam ser repassadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), unidade de inteligência financeira do Governo com atuação na prevenção e combate à lavagem de dinheiro. A entidade não possui poder de polícia, agindo apenas sob demanda.

Entretanto, o setor imobiliário não repassa todas as informações necessárias, ainda que exista previsão de multa. "Transações acima de 30 mil em espécie são indicativos de lavagem de dinheiro. A imobiliária ou proprietário precisa entrar no Coaf e informar a transação, além de fornecer outros detalhes sobre a negociação. Caso não apresente, há previsão de multa de R$ 3 mil. Entre perder a venda e levar uma multa administrativa, acabam optando pela venda", explicou Livelton. Geralmente, transações que envolvem a compra de imóveis ultrapassa - e muito - o valor da multa administrativa.

E por conta da subjetividade atrelada ao preço das propriedades, uma casa - por exemplo - que custaria R$ 100 mil, poderia ser adquirida por montante superior ao valor de mercado e, posteriormente, vendida pelo novo preço caso o objetivo do comprador seja lavar dinheiro. "Assim, o indivíduo passa a ter licitude na origem do dinheiro". A prática é vista como crime, conforme a lei 12.863/2012.

Ainda que descobertos e passem a ser investigados pelos órgãos de fiscalização, os envolvidos com crimes de lavagem de dinheiro podem passar anos esperando serem condenados. "O final do processo demora. Pra conseguir a liminar (início do processo) não demora, mas um processo penal no começo, meio e fim demora entre 5 a 10 anos", afirmou o advogado.

No caso de pessoas politicamente expostas - veja quais cargos são considerados expostos politicamente - há obrigatoriedade de declarar quais bens esta pessoa possui. Embora o tema tenha tido pico de buscas sobre o assunto por conta do presidente Bolsonaro, Livelton explica que a lavagem de dinheiro por meio de imóveis é mais comum no crime organizado.

Existem em Fortaleza duas varas penais federais que fazem esse tipo de investigação, a 11ª e a 12ª. Elas são especializadas em "processar e julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores", descreve o site do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.