Na ONU, Bolsonaro disse mentiras sobre pandemia, corrupção e desmatamento

Na solenidade, o chefe do Executivo citou em seu pronuciamento algumas informações falsas. Confira a checagem do O POVO

14:19 | Set. 21, 2022

Por: Filipe Pereira
Bolsonaro em discurso na ONU. (foto: Reprodução/ Youtube ONU)

O presidente Jair Bolsonaro (PL) discursou, nesta terça-feira, 20, na 77ª Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York (EUA). Tradicionalmente, o evento é aberto com o discurso do representante do Brasil. É uma tradição que existe desde a primeira sessão das Nações Unidas, em 1947. Durante pronunciamento, o chefe do Executivo citou algumas informações falsas. 

"Quando o Brasil se manifesta sobre a agenda da saúde pública, fazemos isso com a autoridade de um governo que durante a pandemia da Covid-19 não poupou esforços para salvar vidas e preservar empregos".

Falso: Na pandemia de Covid-19 no Brasil, o governo federal por diversas vezes minimizou a gravidade da doença e pouco se esforçou para combater o vírus. Em 2020, por exemplo, o governo de Jair Bolsonaro (PL) ignorou ofertas de imunizantes da Pfizer, o que acarretou no atraso da chegada e entrega de vacinas contra o novo coronavírus. Em outubro de 2020, um acordo que previa a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac também foi alvo de críticas de Bolsonaro. 

Ao menos 95 mil vidas poderiam ter sido salvas, segundo cálculos conservadores do epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (RS). Ou seja, os números podem ser maiores, mas essas doses de vacinas poderiam evitar no mínimo 1 em cada 5 mortes, se considerarmos que 496 mil pessoas morreram oficialmente de covid-19 no Brasil até o fim de maio de 2021.

Além disso, o governo federal entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar impedir que estados e municípios tomassem medidas de restrição de circulação e atividades, comprovadamente eficazes no combate à Covid-19, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

A atual gestão também é acusada de negligenciar a entrega de oxigênio para hospitais em Manaus durante os primeiros meses de 2021. Ao invés disso, o Ministério da Saúde decidiu priorizar a entrega e a prescrição de medicamentos sem eficácia contra a Covid-19. A consequência foi o fim do estoque do insumo básico na capital amazonense, episódio que levou pacientes à morte.

"Beneficiamos mais de 68 milhões de pessoas. O equivalente a um terço da nossa população".

Verdade: Dados do Portal da Transparência do governo federal revelam que 68,2 milhões de pessoas foram beneficiadas pelo auxílio emergencial ao longo de 2020. 

"Somos uma nação com 210 milhões de habitantes e já temos mais de 80% da população vacinada contra a Covid-19. Todos foram vacinados de forma voluntária, respeitando a liberdade individual de cada um".

Verdade: Dados do ranking mundial de vacinação contra a Covid-19 do site Our World in Data, até o dia 19 de setembro, mostram que 87,15% da população brasileira tinha sido imunizada com primeira dose da vacina contra o coronavírus, e 80,29% com segunda, números próximos dos mencionados pelo presidente. O país ocupa a sétima posição do ranking em proporção da população vacinada.

"No meu governo extirpamos a corrupção sistêmica que existia no país".

Falso: Não é verdade a declaração de Bolsonaro sobre a ausência de corrupção no governo, muito menos que a questão tenha sido resolvida no País. Integrantes e ex-integrantes da atual gestão são alvos de investigações e denúncias de casos de corrupção e outros delitos. O último caso aconteceu em junho de 2022, quando a Polícia Federal prendeu preventivamente o ex-ministro Milton Ribeiro por suposto envolvimento em esquema de liberação de verbas do Ministério da Educação. Ele é acusado de favorecimento de pastores na distribuição de verbas, além de suposta participação em crimes de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.

Além disso, o relatório da CPI da Covid-19 no Senado pede o indiciamento de Bolsonaro e seis ministros e ex-ministros por crimes como prevaricação, emprego irregular de verbas públicas, falsificação de documento particular e charlatanismo. A Polícia Federal e o Ministério Público investigam ainda por suspeitas de corrupção outros membros de governo, como o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (PL), o deputado federal Marcelo Álvaro Antônio (PL), que comandou a pasta do Turismo, além de Fabio Wajngarten, que chefiou a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom).

Além disso, um relatório da Americas Society/Council of the Americas publicado em junho deste ano afirma que as tentativas do presidente de controlar órgãos de investigação e os cortes orçamentários de agências independentes seriam sinais de recuo no combate à corrupção no Brasil.

"Somente entre o período de 2003 e 2015, onde a esquerda presidiu o Brasil, o endividamento da Petrobras por má gestão, loteamento político e em desvios chegou à casa dos 170 bilhões de dólares".

Falso: Dados da Petrobras revelam que o endividamento da empresa não chegou a US$ 170 bilhões nos governos petistas. Em 2003, os resultados divulgados à Bovespa, atual B3, demonstravam um endividamento total de R$ 63,791 bilhões (US$ 12 bilhões na cotação de segunda-feira). Corrigido pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o valor final foi de R$ 176 bilhões (US$ 33 bilhões).

Em 2015, último ano da gestão petista, a dívida estava acumulada em R$ 492,8 bilhões, cerca de US$ 93 bilhões. Com a atualização da inflação, R$ 681,4 bilhões ou US$ 130 bilhões. A diferença, portanto, é de US$ 81 bilhões em valores nominais e de US$ 93 bilhões se corrigido pela inflação. O valor é bem menor que o citado por Jair Bolsonaro.

"O responsável por isso foi condenado em três instâncias por unanimidade".

Falso: O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não foi condenado pela Justiça em três instâncias, por unanimidade. O petista foi julgado por corrupção e lavagem de dinheiro nos casos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia pela 13ª Vara Federal de Curitiba. A condenação foi confirmada por unanimidade pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). No entanto, os processos foram anulados em abril de 2021 por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), por 8 votos a 3.

Em 2022, Lula é considerado inocente pela Justiça. Dos 26 procedimentos abertos, 23 foram arquivados por motivos como falta de provas, inépcia (impossibilidade que o processo vá adiante), prescrição, trancamento, suspensão ou anulação. O ex-presidente também foi absolvido de três acusações.

"Hoje, por exemplo, o Brasil é o sétimo país mais digitalizado do mundo".

Verdadeiro: O presidente cida dados do ranking GovTech Maturity Index, elaborado pelo Banco Mundial e publicado em setembro de 2021. O levantamento avalia a qualidade dos serviços digitais oferecidos pelo poder público em 198 países. No hanking, o Brasil ocupa a sétima posição geral, com índice de 0,92. 

"Concluímos o projeto de transposição do Rio São Francisco levando água para o Nordeste brasileiro".

Impreciso: O presidente da República ignora que, quando assumiu a Presidência, 96% das obras da Transposição do Rio São Francisco já estavam concluídas. Em 2017, a gestão de Michel Temer (MDB) entregou o Eixo Leste. Em novembro de 2018, antes da gestão Bolsonaro, o Ministério do Desenvolvimento Regional informou que faltava entregar apenas o trecho final do Eixo Norte, que estava 92,5% pronto.

Além do projeto previsto desde 2013, o governo Bolsonaro anunciou que pretende retomar a proposta original da transposição, que totaliza 669 quilômetros de obras e 3.000 quilômetros de canais e adutoras auxiliares. As novas estruturas, no entanto, ainda não foram concluídas.

Todos os dados estão no site do Ministério do Desenvolvimento Regional

"Desde junho, o preço da gasolina caiu mais de 30%".

Verdadeiro: Em junho deste ano, segundo levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o litro da gasolina comum no Brasil custava R$ 7,39, valor registrado entre os dias 19 e 25 daquele mês. Dados coletados pela agência entre 11 e 17 de setembro mostram que o litro do combustível foi vendido no período, em média, a R$ 4,97, o que representa queda de 32,7%. A porcentagem se aproxima da dita por Boslonaro. 

"Como afirmou a diretora-geral da Organização Mundial do Comércio em recente visita que nos fez: 'Se não fosse o agronegócio brasileiro, o planeta passaria fome'".

Verdadeiro: A fala condiz com o que disse a diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Ngozi Okonjo-Iweala, em 18 de abril, em encontro com a bancada ruralista da Câmara dos Deputados, em Brasília: “Eu sei que o mundo não sobrevive sem a agricultura brasileira. Precisamos pensar nos desafios futuros, não só do Brasil, mas do mundo todo.”

"Pois, alimentamos mais de 1 bilhão de pessoas ao redor do mundo".

Falso: Um levantamento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em março de 2021, aponta que a produção e a exportação de grãos e de carne bovina brasileira foi responsável por alimentar 772,6 milhões de pessoas em todo o mundo em 2020, não 1 bilhão de pessoas, como diz o presidente.

"Dois terços de todo o território brasileiro permanecem com vegetação nativa que se encontra exatamente como estava quando o Brasil foi descoberto em 1500".

Falso: Não é verdade afirmar que o Brasil possui dois terços de sua vegetação intacta desde a chegada dos portugueses, em 1500. Em 2021, dados do MapBiomas revelam que o país contava com 66% do território coberto por vegetação nativa. Porém, não é verdade afirmar que essas áreas não sofreram ação humana, pois ao menos 9,3% da vegetação nativa do país é secundária, ou seja, está localizada em áreas que já foram desmatadas e convertidas para uso humano ao menos uma vez.

Nos espaços que não sofreram com o desmatamento, há ainda regiões que já foram degradadas pelo fogo ou pela exploração de madeira.

"Na Amazônia brasileira, área equivalente à Europa Ocidental".

Impreciso:área ocupada pela Amazônia Legal (5 milhões de km²) é superior à da Europa Ocidental (cerca de 1 milhão de km²), o que desmente o que afirmou Bolsonaro. 

"Quero também destacar aqui a prioridade que temos atribuído à proteção das mulheres".

Falso: Não é verdade afirmar que o governo federal atribuiu prioridade à proteção das mulheres. A verba destinada a ações de combate ao tipo de violência caiu na atual gestão, é o que revela dados do Siga Brasil, portal de transparência do Orçamento. Em 2019, no governo de Michel Temer (MDB), foram pagos R$ 55 milhões (em valores corrigidos pela inflação) em políticas de igualdade e enfrentamento à violência contra as mulheres. Em 2020, já com Bolsonaro, esse valor veio para R$ 6,4 milhões, R$ 2,1 milhões em 2021 e, neste ano, foram gastos R$ 3,4 milhões para essa finalidade até 18 de setembro.

Uma reportagem da Folha de S.Paulo mostra ainda que o orçamento do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos caiu 90%, e, neste ano, teve R$ 9,1 milhões. No projeto de Orçamento de 2023, está previsto um leve aumento na verba para proteção das mulheres. Porém, a quantia ainda é menor do que o necessário e pode fazer com que o serviço Ligue 180, canal de denúncias de violência doméstica, seja paralisado no ano que vem.

"Queda de 7,7% no número de feminicídios..."

Falso: Diferente do que afirma o presidente, não houve queda na taxa de feminicídios no Brasil. Em 2018, último ano de Michel Temer (MDB) na Presidência, a taxa era de 1,1 a cada 100 mil mulheres. Em 2019, subiu para 1,2. Em 2020, o número foi para 1,3 e, em 2021, últimos dados disponíveis, voltou a 1,2. As informações são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O levantamento considera os assassinatos por motivos ligados ao gênero, tanto relativo à violência doméstica quanto em decorrência de misoginia.