Trecho de tese de jornalista cearense é usado como texto motivador na redação do Enem 2021
Realizada por cerca de 2,3 milhões de pessoas, a prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) usou trecho da tese da cearense Fernanda da Escóssia para um de seus textos motivadores nesse domingo, 21Tendo como tema “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”, a prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021 utilizou para um de seus textos motivadores um trecho da tese da jornalista e professora cearense Fernanda da Escóssia. Com 147 páginas, a tese virou um livro, publicado em outubro deste ano, intitulado “Invisíveis”.
Nesse domingo, 21, cerca de 2,3 milhões de pessoas compareceram ao primeiro dia de provas do Enem em todo o País. Na redação, o primeiro texto motivador, que tem a função de nortear os candidatos sobre o tema, dizia: “Toda sexta-feira, o ônibus azul e branco estacionado no pátio da Vara da Infância e da Juventude, na Praça Onze, centro do Rio, sacoleja com o entra e sai de gente a partir das 9h”.
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O trecho continua: “Do lado de fora, nunca menos de 50 pessoas, todas pobres ou muito pobres, quase todas negras, cercam o veículo, perguntam, sentam e levantam, perguntam de novo e esperam sem reclamar o tempo que for preciso. Adultos, velhos e crianças estão ali para conseguir o que, no Brasil, é oficialmente reconhecido como o primeiro documento da vida - a certidão de nascimento”.
Recebendo o nome “Invisíveis: uma etnografia sobre identidade, direitos e cidadania nas trajetórias de brasileiros sem documentos”, a tese da professora cearense fala sobre três milhões de pessoas indocumentadas no Brasil que vivem sem certidão de nascimento e todos os demais documentos que garantem direito à cidadania. Atualmente, Fernanda transformou a tese em livro, tendo sido publicado no último dia 25 de outubro.
"O livro mostra que muitos indocumentados passam anos buscando atendimento, no que chamo de síndrome do balcão - a prática de empurrar essas pessoas de um lugar a outro, de um balcão a outro dentro do arcabouço burocrático estatal. Presos, pessoas em situação de rua, adolescentes em medida socioeducativa, muitos desses brasileiros e brasileiras têm sua reintegração à sociedade dificultada por não terem documentos, ou terem perdido os documentos e não conseguirem uma segunda via", explica a jornalista.
Sendo a abordagem sobre indocumentados considerada uma temática não tão conhecida e, por isso, complexa para algumas pessoas, a presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Maria Helena de Castro, afirmou em entrevista à CNN que o assunto é “complexo para a média dos estudantes que prestam o Enem”. Por essa razão, Fernanda considera de fundamental necessidade uma maior abordagem sobre o assunto de forma a informar e gerar conhecimento.
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“Tenho dito que a questão dos brasileiros indocumentados exige a atenção de vários campos do saber: sociologia, história, jornalismo, medicina, psicologia, geografia, direito, antropologia, matemática, tecnologia da informação etc. E, agora, que bom, língua portuguesa, minha disciplina favorita”, comenta a professora.
Apesar de ser pouco abordado e conhecido, Fernanda enxerga a importância do tema ter sido utilizado para aplicação da prova de redação do Enem. “É a chance de ter milhares de professores discutindo o assunto e milhões de candidatos pensando nele, propondo algo a ser feito para resolver uma questão social tão grave e excludente. Porque é isso, quem não tem documentos está excluído do mundo dos direitos”, pontua.
Além disso, a jornalista acha essencial fortalecer o compromisso nacional pela erradicação do Sub-Registro Civil de Nascimento, implementado em 2007, de forma a promover e fiscalizar para que todos os estados do País criem seus comitês, como prevê o plano. “Outra providência importante, no caso do sub-registro de crianças, é garantir que as unidades interligadas, postos dos cartórios dentro dos hospitais, sejam mantidos, para que a criança já saia registrada”, completa Fernanda.
Outra proposta sugerida pela jornalista é "melhorar a interligação e a troca de informações entre os cartórios e entre estes e os sistemas estaduais de emissão de identidade". Por fim, ela considera que os centros sociais e as escolas podem ser um ponto na busca ativa pelos indocumentados e de encaminhamento deles a um local que possa solucionar o problema. "Precisamos sair da nossa indiferença e entender que, enquanto permitirmos que essas pessoas sigam indocumentadas, estamos aceitando dois níveis de cidadania no mesmo país", finaliza a professora. (Colaborou: Luciano Cesário)
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