Trecho de tese de jornalista cearense é usado como texto motivador na redação do Enem 2021

Realizada por cerca de 2,3 milhões de pessoas, a prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) usou trecho da tese da cearense Fernanda da Escóssia para um de seus textos motivadores nesse domingo, 21

23:30 | Nov. 23, 2021

Por: Marília Serpa
a prova de redação do Enem 2021 utilizou para um de seus textos motivadores um trecho da tese da jornalista e professora cearense Fernanda da Escóssia (foto: Reprodução/Redes sociais)

Tendo como tema “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”, a prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021 utilizou para um de seus textos motivadores um trecho da tese da jornalista e professora cearense Fernanda da Escóssia. Com 147 páginas, a tese virou um livro, publicado em outubro deste ano, intitulado “Invisíveis”.

Nesse domingo, 21, cerca de 2,3 milhões de pessoas compareceram ao primeiro dia de provas do Enem em todo o País. Na redação, o primeiro texto motivador, que tem a função de nortear os candidatos sobre o tema, dizia: “Toda sexta-feira, o ônibus azul e branco estacionado no pátio da Vara da Infância e da Juventude, na Praça Onze, centro do Rio, sacoleja com o entra e sai de gente a partir das 9h”.

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O trecho continua: “Do lado de fora, nunca menos de 50 pessoas, todas pobres ou muito pobres, quase todas negras, cercam o veículo, perguntam, sentam e levantam, perguntam de novo e esperam sem reclamar o tempo que for preciso. Adultos, velhos e crianças estão ali para conseguir o que, no Brasil, é oficialmente reconhecido como o primeiro documento da vida - a certidão de nascimento”.

Recebendo o nome “Invisíveis: uma etnografia sobre identidade, direitos e cidadania nas trajetórias de brasileiros sem documentos”, a tese da professora cearense fala sobre três milhões de pessoas indocumentadas no Brasil que vivem sem certidão de nascimento e todos os demais documentos que garantem direito à cidadania. Atualmente, Fernanda transformou a tese em livro, tendo sido publicado no último dia 25 de outubro.

"O livro mostra que muitos indocumentados passam anos buscando atendimento, no que chamo de síndrome do balcão - a prática de empurrar essas pessoas de um lugar a outro, de um balcão a outro dentro do arcabouço burocrático estatal. Presos, pessoas em situação de rua, adolescentes em medida socioeducativa, muitos desses brasileiros e brasileiras têm sua reintegração à sociedade dificultada por não terem documentos, ou terem perdido os documentos e não conseguirem uma segunda via", explica a jornalista.

Sendo a abordagem sobre indocumentados considerada uma temática não tão conhecida e, por isso, complexa para algumas pessoas, a presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Maria Helena de Castro, afirmou em entrevista à CNN que o assunto é “complexo para a média dos estudantes que prestam o Enem”. Por essa razão, Fernanda considera de fundamental necessidade uma maior abordagem sobre o assunto de forma a informar e gerar conhecimento.

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“Tenho dito que a questão dos brasileiros indocumentados exige a atenção de vários campos do saber: sociologia, história, jornalismo, medicina, psicologia, geografia, direito, antropologia, matemática, tecnologia da informação etc. E, agora, que bom, língua portuguesa, minha disciplina favorita”, comenta a professora.


Apesar de ser pouco abordado e conhecido, Fernanda enxerga a importância do tema ter sido utilizado para aplicação da prova de redação do Enem. “É a chance de ter milhares de professores discutindo o assunto e milhões de candidatos pensando nele, propondo algo a ser feito para resolver uma questão social tão grave e excludente. Porque é isso, quem não tem documentos está excluído do mundo dos direitos”, pontua.

Além disso, a jornalista acha essencial fortalecer o compromisso nacional pela erradicação do Sub-Registro Civil de Nascimento, implementado em 2007, de forma a promover e fiscalizar para que todos os estados do País criem seus comitês, como prevê o plano. “Outra providência importante, no caso do sub-registro de crianças, é garantir que as unidades interligadas, postos dos cartórios dentro dos hospitais, sejam mantidos, para que a criança já saia registrada”, completa Fernanda.

Outra proposta sugerida pela jornalista é "melhorar a interligação e a troca de informações entre os cartórios e entre estes e os sistemas estaduais de emissão de identidade". Por fim, ela considera que os centros sociais e as escolas podem ser um ponto na busca ativa pelos indocumentados e de encaminhamento deles a um local que possa solucionar o problema. "Precisamos sair da nossa indiferença e entender que, enquanto permitirmos que essas pessoas sigam indocumentadas, estamos aceitando dois níveis de cidadania no mesmo país", finaliza a professora. (Colaborou: Luciano Cesário)

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