Defensoria Pública entra com ação contra decreto que institui "Política Nacional de Educação Especial"
O tema preocupa pais, sociedade civil e órgãos públicos. Na prática, o decreto modifica a atual Política Nacional de Educação Especial, que trabalha com inclusão, e coloca a possibilidade de escolha, por parte da família, do local onde a criança com deficiência pode estudar: em escola regular ou em escola especial.No dia 1º de outubro foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) o Decreto nº 10.502, que instituiu a “Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida”. O tema tem preocupado pais, sociedade civil e órgãos públicos. Isso porque o decreto modifica a atual Política Nacional de Educação Especial, que trabalha na Perspectiva da Educação Inclusiva, vigente desde 2008, e coloca a possibilidade de escolha, por parte da família, do local onde a criança com deficiência pode estudar: em escola regular ou em escola especial.
Para a Defensoria Pública do Ceará, que entrou com ação contra o decreto no Supremo Tribunal Federal (STF), a modicação traz retrocessos à educação de pessoas com deficiências e representa mais uma discriminação contra esse público, além de ser uma atitude que fere a Constituição Federal de 1988, que em seus objetivos fundamentais promove o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor e quaisquer outras formas de discriminação”.
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Para a defensora pública Mariana Lobo, supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria, não se trata de “escolha” mas de uma perda de direitos da pessoa com deficiência. Conforme explica Mariana, o decreto prevê a possibilidade das chamadas escolas e salas de aulas especiais para pessoas com deficiência e também prevê uma linha de financiamento e investimento na criação desses locais. Isso vai contra a política de inclusão que existe hoje em consolidação em todo mundo.
A Convenção Internacional de Direito da Pessoa com Deficiência, do qual o Brasil é um dos países signatários, e a Constituição Federal vedam a discriminação. Para Lobo, essa política está na contramão do que vem trabalhando ao longo dos anos tanto na política internacional, como na nacional. "O decreto traz uma política de segregação em vez de inclusão. É muito importante, na perspectiva de não-discriminação, que as pessoas com deficiências possam frequentar ensino regular. É como se o Brasil vivesse um retrocesso de mais de 40 anos nas políticas públicas", alerta Mariana Lobo.
Segundo a defensora pública, o decreto causa estranheza e deixa instituições estarrecidas. "A Constituição veda discriminação, preza igualdade. Essa política (de escolas especiais) é antiga e já existiu. A inclusão da pessoa com deficiência no ensino regular é uma obrigação do Estado, do Governo Federal.", complementa Mariana. Ao todo, as defensorias públicas de 11 estados brasileiros e do Distrito Federal ingressaram no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação chamada Amicus Curiae, que questiona a nova política de educação especial instituída pelo Decreto 10.502.
Assinam o pedido de admissão como amicus curiae as defensorias de São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro, Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Tocantins e Distrito Federal. Ao O POVO, Mariana finalizou dizendo que está com uma boa perspectiva de que o decreto seja barrado, já que até mesmo o STF reconhece sua inconstitucionalidade. "Agora, o Supremo precisa apreciar a ação e acreditamos que ele vai. Não existe dúvida de que esse decreto vai contra todos os tratados e convenções que tratam do tema", concluiu.
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A Associação Fortaleza Azul, formada por pessoas com autismo e familiares, se posicionou sobre decreto e divulgou uma carta aberta sobre o tema:
“A escola regular é um direito de todas e todos e a inclusão escolar deve ser realizada na rede regular de ensino, podendo ser criados espaços específicos para tornar a inclusão escolar mais efetiva, de molde a permitir o atendimento das necessidades de cada aluno visando a qualidade da educação na rede regular de ensino. Nós, enquanto Associação, entendemos que a nova PNEE deve ser analisada do ponto de vista jurídico-social-educacional e, para tanto, estamos estudando os efetivos efeitos que a PNEE trouxe ou trará à inclusão no ensino, nos mantendo, paralelamente, vigilantes para combater qualquer forma de desvirtuamento do Ordenamento Jurídico em desfavor das pessoas com transtorno do espectro autista”, destaca o texto.
Ainda segundo Associação, o ambiente escolar hoje "não vem se mostrando saudável para crianças típicas, nem para as crianças atípicas". "O modelo de ensino atual se encontra defasado, e se discute, ou se deveria estar discutindo, como adequar a escola à realidade tecnológica atual, onde a forma de aprender de nossas filhas e nossos filhos passou por profunda alteração", reforça carta.
Direitos
De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão, também chamada de Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), as escolas de educação regular, pública e privada, devem assegurar condições necessárias para o pleno acesso, participação e aprendizagem dos estudantes com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento em todas as atividades realizadas no contexto escolar. Em vigor desde 2016, a legislação garante uma série de direitos relacionados à acessibilidade, educação e saúde, além de estabelecer punições para atitudes discriminatórias.
Mesmo estando no papel, a solicitação de um cuidador na escola para os alunos com deficiência é uma das principais demandas que chegam até o Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (Ndhac) da Defensoria Pública do Ceará. O primeiro indício de retrocesso do Decreto nº 10.502 está no fato de que a norma foi construída pelo Ministério da Educação (MEC) sem qualquer participação e consulta às entidades representativas do movimento das pessoas com deficiência, setores da sociedade civil, pessoas com deficiência, familiares e pesquisadoras(es) que investigam e contribuem para uma maior compreensão do complexo processo ensino-aprendizagem.
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