BBB20 e a imprevisível jornada pela verdade
Em uma edição histórica o BBB20 nos apresentou a uma trajetória de percalços em meio a busca dos personagens pela verdade
00:00 | Abr. 27, 2020
A narrativa da 20ª edição do Big Brother Brasil poderia facilmente ter sido escrita por um roteirista de novela das nove. Pelo que sugeria nas chamadas a trama seria “famosos X anônimos”, mas na verdade a história foi engatar após um plano de teste de fidelidade, que ruiu ao ser exposto para a casa e as meninas se unirem contra os homens que tramaram tudo. A ideia era fazer as mulheres famosas traírem os parceiros dentro do reality e assim eles - os homens anônimos - terem mais chances ao prêmio.
Marcela e Gizelly não compactuaram com a ideia e, após guardarem o segredo por dias, acabaram contando tudo para as famosas. Algumas acreditaram, outras não, e Hadson - o grande articulador - foi mandado para a berlinda a fim de descobrirem a opinião do público.
Quando o público parecia ter ficado ao lado de Hadson e dos outros "vilões", em uma eliminação que ninguém entendeu, duas pessoas que estavam no mundo externo entraram no programa ao serem escolhidos pela Casa de Vidro. Já dentro da casa, contaram o que estava acontecendo: a eliminação de Petrix era mais urgente e envolvia até mesmo a Polícia. Foi quase como o mito da caverna de Platão, em que alguém traz a luz para os que estão perdidos dentro dela.
“Eu acredito em você”. Com essa frase, Daniel fez com que todas as mulheres, até as mais resistentes, acreditassem em Marcela sobre o plano dos homens e o jogo virasse. De repente, os "populares" viram que não estavam tão amados assim e, aos poucos, saíram um a um. Chumbo e Petrix já haviam ido embora, mas foi com a eliminação de Hadson e Lucas que a queda dos "chernoboys" se concretizou.
Depois disso, o que o jogo ainda poderia oferecer? As cartas já estavam marcadas, alguns disseram. Ledo engano. Um triângulo, ou quadrilátero amoroso, envolvendo Gabi, Bianca e Guilherme (e com muita insistência Victor Hugo) expôs que até o cara de fala mansa e rosto de príncipe pode ser o lobo em pele de cordeiro. Por mais que não gritasse ou tramasse diretamente planos mirabolantes - embora tenha sido quem instigou a ideia do teste de fidelidade -, Guilherme se mostrou abusivo em seu relacionamento com Gabi. Primeiro por diversas vezes trocá-la por Bianca – demonstrando até estar confuso sobre os sentimentos durante uma festa –, e depois por reprimir a cantora sertaneja em relação a falar com as amigas sobre o relacionamento dos dois, com medo de ser queimado aqui fora.
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Tarde demais. No 5º paredão foi a vez de Bianca dar tchau à casa, sendo eliminada precocemente por alguns erros dela, mas principalmente pelos erros dos homens. As pessoas haviam esquecido que por mais que ela tenha acreditado neles, ela não era um deles. Bianca saiu, em seguida Guilherme e depois Victor Hugo. O que Pyong planejou havia se concretizado: antes de mirar em Prior – o último dos chernoboys – ou Babu – agora jogando ao lado de Prior –, o coreano planejou a dissolução de um grupo que estava prestes a emergir: Guilherme, Bianca, Flayslane, Mari, Victor Hugo e Gabi. Guilherme e Bianca eram a ponte que unia essas pessoas. Com a saída deles, Victor Hugo até tentou juntar votos, mas não foi convincente o suficiente. Jogaço de Pyong.
Enquanto isso Babu seguia crescendo na sua coleção de paredões e em uma própria narrativa: quando os “vidraceiros” Daniel e Ivy entraram na casa e foram contar as informações externas, bateram a porta na cara do ator. Em todos os sentidos. Sem justificativa, não agregaram Babu, que até então era próximo e defendia a luta das meninas. Eles literalmente bateram a porta e disseram que Babu não poderia entrar no quarto pois era uma reunião de mulheres – quando na verdade tinha Pyong e Daniel lá dentro.
Junto a isso Babu começou a perceber olhares de Marcela que o incomodavam, como se estivesse acima dele, um “olhar de madame”, como ele mesmo definiu, afirmando que era assim que uma ex-patroa o olhava. Contando apenas com Prior no jogo e com Thelma na convivência, Babu foi percebendo atitudes que o segregavam: de Ivy – que fez diversos comentários problemáticos, como o classificar como monstro – e Daniel – que sempre o colocava como agressivo.
Nesse meio tempo, Prior, o último dos chernoboys, cresceu assustadoramente no jogo, ganhando a simpatia de quem se identificava com o jeito agressivo dele, e de outros que achavam que Babu precisava de um aliado como esse para permanecer no game. A amizade dos dois logo se fortaleceu aqui fora e também lá dentro, fato motivado pela insistente busca de Prior pelo papel de perseguido.
E é aí que o jogo vira. Logo os mocinhos passam a ser vistos como vilões. Sem o grupo dos homens, a Comunidade Hippie passa a comandar o jogo e a ser colocada pela edição como hegemônica nas decisões. Não é que tenham combinado votos - embora Pyong tentasse muito e conseguisse montar um jogo a seu favor várias vezes -, mas a aproximação pelo que aconteceu no início do jogo uniu eles naturalmente: Marcela, Gizelly, Thelma, Rafa, Manu, Pyong, Daniel e Ivy.
Prior se aproveitou da nova configuração e sabendo da memória fraca do público sobre seus "falecidos" amigos, usou disso para parecer que por algum motivo muito desconhecido estava sendo renegado por todos. Na verdade a única coisa que aconteceu foi que o seu grupo saiu. Se não tivesse saído e a galera da casa de vidro não tivesse entrado, quem estaria na situação deles seriam Marcela e Gizelly, desacreditadas pela casa inteira lá na segunda semana.
Não bastasse a pouca memória do público e a semiótica em cima do fato de Prior passar o dia inteiro vagando sozinho pela casa, o romance de Marcela com Daniel acabou totalmente com o favoritismo estrondoso dela. Marcela se afastou do jogo, deixou amigas de lado e teceu comentários problemáticos.
O romance dos dois custou caro à comunidade hippie inteira. Sem a melhor amiga, Gizelly poderia ter se destacado em carreira solo, mas passou a demonstrar uma personalidade mais ranzinza e com isso começou a tecer comentários bastante maldosos e que repercutiram mal com o público. Pyong, que até então poderia ganhar o prêmio, acabou importunando algumas meninas durante uma festa e passou a ser investigado pela Polícia Civil.
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Ivy e Daniel, “os vidraceiros”, irritaram pelo jeito: Daniel por agir como um pré-adolescente sempre perdendo estalecas e não ouvindo ninguém. Ivy, para além dos gritos, irritou por comentários preconceituosos sobre um pente de Babu e outros mais.
Apenas Manu, Rafa e Thelma seguiam intactas. Pois bem. Em dado momento do jogo, percebendo a exclusão que Thelma passou a sofrer por parte das meninas da comunidade hippie – chegando até a ser indicada ao monstro pelos amigos, apenas por ter defendido Babu –, Manu e Rafa se posicionaram contra o acontecido – inclusive com a Marcela, que não soube reconhecer o que fez.
Naturalmente Thelma se aproximou de Rafa e Manu, brilhando ainda mais longe de Gizelly e Marcela. Se manteve firme no game, protagonizou belíssimos jogos da discórdia e bateu de frente várias vezes com a rival Flayslane, chegando a indicá-la duas vezes ao paredão e por fim derrotando-a em uma berlinda emocionante. Manu, Rafa e Thelma agora seguiam fortes rumo à final.
Antes disso outra grande virada aconteceu. Dez anos após ser usado no BBB10, o quarto branco retornou e mudou os rumos do jogo. Após oito horas dentro do cômodo um surto coletivo tomou conta da cabeça de Manu, Prior e Gizelly, que passaram a acreditar que tudo não passava de uma charada e que o certo seria apertar o botão vermelho. PEM! Manu apertou e foi parar na berlinda.
O momento representou a transição de Manu dentro do game: deixou de ser a artista em busca de reconhecimento – como ela mesma se definia – e percebeu o quanto queria estar ali pelo game. Em seguida brigou na festa com Victor Hugo, desmascarando ele e todas as fofocas que plantava pela casa, ruindo assim qualquer chance de permanência no jogo para o psicólogo no paredão que viria a acontecer: Victor Hugo saiu com 85% dos votos.
Após trocarem ideia e se mostrarem abertos um ao outro, Manu e Prior firmaram trégua, começando até mesmo uma amizade… que não durou muito. Mas o end game para ele estava próximo.
O check mate para os chernoboys foi quando, na décima semana, Manu derrotou Prior em um paredão histórico, com 1,5 bilhão de votos. A última pá de terra foi colocada e o arquiteto teve que dar adeus à casa. Com nove mulheres no jogo e apenas um homem, era essa a resposta do público ao plano inicial que moldou toda a narrativa. Representava assim o fim. Porém, as meninas também tinham erros para serem julgados.
A essa altura até Pyong e Daniel, os homens vistos como “aliados” na luta feminina, já haviam sido eliminados. Até mesmo os que se diziam entender a causa se mostraram controversos. Pyong foi eliminado pelo episódio da festa Guerra e Paz – em que Marcela e Flayslane chegaram até mesmo a ser chamadas no confessionário -, já Daniel pelo comportamento infantil – e talvez por um comentário machista que fez e atingiu Flayslane.
A queda da comunidade já estava traçada. E tudo bem. A trama nunca foi comunidade hippie x o resto da casa. Era a luta pela verdade sobre os acontecimentos da segunda semana.
Agora, apenas com mulheres no jogo e Babu, não demorou muito para Marcela, apagada há muito tempo na trama, ser eliminada. Diferente do que muitos esperavam, não houve rejeição e a porcentagem foi mínima, decidida pelos décimos em uma votação contra Flayslane. Logo foi a vez de Gizelly ser eliminada. Ambas deixaram um legado valioso: a construção da trama que moveu toda a narrativa até o fim, que determinou todas as ações. Foi com aquela subversão das duas ao se perceberem manipuladas pelos homens que o jogo começou. Deram sua contribuição, mas foi game over para elas. Pelo bem ou pelo mal, a certeza é de que serão lembradas.
Na reta final, com apenas quatro pessoas – Babu, Manu, Rafa e Thelma – na casa, as histórias já estavam traçadas. Babu já estava em seu décimo paredão – sobrevivendo mesmo em meio à queda dos amigos e ao preconceito velado -, Manu descobriu seu lugar no jogo em uma jornada de autodescoberta, Rafa se impôs quando achou que estava certa e Thelma se reinventou após ser colocada para escanteio pelo próprio grupo.
As meninas que restaram nos deram uma lição valiosa. Contrariando Tiago Leifert em um dos discursos, elas provaram que fadas existem sim. Elas, esses seres mitológicos presentes, não são perfeitas ou corretas na maior parte do tempo como Tiago pareceu interpretar em seu discurso. Elas apenas tentam dar o seu melhor em um mundo onde suas vozes são silenciadas sempre que a levantam um pouco mais alto.
Outra lição valiosa aprendemos com Babu. Com tudo o que passou em sua trajetória, ele mostrou ao público como é ser negligenciado, como lutar por uma causa não impede alguém de ser desinteressado com outra. Mostrou que ainda temos muito a aprender. Mostrou que quem acha que sabe de tudo, na verdade não sabe tanto assim. Obrigado Babu, por ter aguentado firme.