Animais cantores? Conheça os "artistas" criados por IA que são febre no TikTok

Com aspecto inusitado e músicas que seguem os "hits" do momento, Makaka e Boar Carter, "cantoras" criadas por inteligência artificial que vem conquistando os jovens

“Apaixonada na nova estrela pop brasileira, a Makaka”, escreveu um perfil no X. “O mundo não conhece esse talento, a Makaka é fenômeno que veio para ficar”, garantiu outro usuário no Instagram. Os comentários são sobre Makaka, uma “cantora” criada por inteligência artificial (IA) e tratada como uma verdadeira “diva pop” nas redes sociais.

A figura, que conta com todos os clichês do universo pop, surgiu nas mídias no início do mês de maio deste ano, quando sua primeira música, “Eu tô macaca”, foi lançada no Youtube.

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Atualmente, a personagem tem mais de 70 mil ouvintes mensais no Spotify e conta com cerca de 100 mil visualizações no YouTube. Ao todo, suas músicas computavam cerca de 300 mil reproduções no Spotify até as 18h da terça-feira, 23 de julho. 

Criada por internautas que frequentam o fórum Pandlr, um fórum virtual destinado à comunidade LGBTQIAP+, a “artista” é descrita nas redes como uma “cantora virtual de dance pop” nascida no Sri Lanka e que tem como inspiração artistas como Hatsune Miku e Gorillaz.

Além da Makaka, é possível encontrar pelo menos mais oito “cantoras” IAs que são representações de animais e estão viralizando no TikTok. Entre essas está Boar Carter, que "nasceu" na web no fim de junho e já conta com mais de 15 mil ouvintes mensais no Spotify.

A “artista”, que é “dona” da música “Gulosas”, produzida com a participação da Makaka, é descrita em suas mídias como a rainha do “hyperpop” selvagem. Ela se apresenta como uma javali nascida nas profundezas de uma floresta texana com talento para rimas e que tem um estilo musical que mistura Art Deco com beats de “bounce drop”.

Confira "Eu tô macaca", uma das músicas de Makaka 

Música criada por Inteligência Artificial é arte?

“O feat entre Makaka e Boar Carter é bizarro por não conseguirmos diferenciar quem é quem, já que ambas têm uma voz muito genérica”, afirma o professor Renato Gonçalves, autor do livro “Cr(IA)ção - Criatividade e Inteligência Artificial”.

Renato explica que esse fenômeno ocorre porque essas figuras são criadas a partir de inteligências artificiais generativas que conseguem varrer vários dados para gerar outros produtos através deles.

“No caso da criação de uma música pop, ela vai manejar todo um acervo pré-existente e a partir disso criar uma “média ponderada” de tudo aquilo que ela ouviu, aprendeu e assim ela vai reproduzir os padrões que ela percebeu”, afirma o professor ao mencionar as problemáticas do uso de IA para "criação" de músicas e produtos culturais.

O autor afirma ser importante deixar claro que "esses personagens não são artistas", mas produtos gerados coletivamente no fórum Pandlr e que surgiram como brincadeira, porém, acabaram se tornando uma nova trend, que visa o entretenimento.

“Achei interessante ver também que as imagens são feitas por IA, é todo um conjunto de um uso lúdico da ferramenta. É uma trending que mostra como a gente pode ser criativo com as ferramentas de IA mesmo que o resultado não seja muito impressionante, podemos brincar sem compromisso. Isso é um uso legal, já que a gente não tá ferindo nada”, avalia.

Renato relembra que essa criação de produtos a partir de Inteligência Artificial não é algo recente, um exemplo seria a música “Lésbica Futurista”, lançada em 2014, pelo o grupo GA31.

“Essa canção foi feita com IA, com a voz dessas assistentes virtuais e a real autoria de quem a produziu é desconhecida. Houve uma evolução, porque agora as ferramentas estão mais acessíveis ao grande público. Hoje você consegue criar a letra, a melodia, a batida, criar uma programação eletrônica e a IA dá voz ao texto musical”, ressalta.

O especialista porém reafirma sua visão crítica diante da atribuição de títulos como "artistas", "cantoras" ou semelhantes para personagens e obras criados com uso de Inteligência Artificial. 

O uso de Inteligência Artificial e os direitos autorais

Para a pesquisadora sobre a regulamentação de Inteligências Artificiais generativas, Cibele Alexandre, quando se fala de direitos autorais, a produção de músicas por esses personagens se torna ainda mais complicada, já que as músicas feitas por inteligência artificial como as da Makaka e da Boar Carter são derivações de obras pré-existentes. 

"Essas criações são resultado do processamento de volume realmente alto de informações, de forma que pode ser difícil saber de onde vem a referência sem informações de transparência fornecidas pela empresa ou o programador responsável pela criação"

Cibele Alexandre Leia mais em: https://www.opovo.com.br/index.php?id=/divirtase/materia.php&cd_matia=10623091&dinamico=1&preview=1 ©2022 Todos os direitos são reservados ao Portal O POVO, conforme a Lei nº 9.610/98. A publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia são proibidas

Para Cibele, a questão torna-se ainda mais complexa quando lembramos que as obras produzidas por humanos também são construídas com base em referências anteriores e também são influenciadas por nossas construções sociais.

“A real diferença não está em quem ou o quê produziu ou em como essas referências foram processadas, mas no porquê deve existir diferenças entre humanos e máquinas na criação intelectual e artística”, ressalta a sócia-fundadora do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult).

Segundo Renato Gonçalves, nesse ponto do armazenamento de referências, a IA vence, porém no quesito diferencial, o ser humano ainda está em primeiro lugar, já que a máquina ainda tem um pensamento matemático, ou seja, ela quer acertar sempre o resultado. A criatividade humana, sempre tenta criar algo diferente.

“A questão da diferenciação tem que partir do princípio de que são natureza criativas distintas, uma é o pensamento de máquina, o outro é a criatividade humana com toda a sua complexidade. As máquinas não fazem arte por si só, elas seguem um script, um briefing determinado por algum usuário que faz uso dela”, afirma Renato.

De acordo com Cibele, a criação e a difusão de obras que contenham plágio e o uso dessas obras de forma comercial, são as principais preocupações quando se fala em direitos autorais na utilização de dados para alimentar IAs generativas.

“Acredito que mesmo com o pagamento pela utilização dos dados, vamos ver casos de artistas que, existindo a possibilidade, optarão por vetar o uso de suas obras. Isso vale tanto para obras musicais, quanto para outras produções na seara intelectual e artística, que podem apresentar problemas mais imediatos, como confusões quanto à origem de alguma informação, o que pode vir a prejudicar o verdadeiro autor e, em alguns casos, lançar dúvidas quanto à confiabilidade da informação”, ressalta a advogada.

Regulamentação do uso da IA no Brasil

Com a popularização do uso de Inteligência Artificial, o discurso da regulamentação do uso de IA vem sendo pauta no mundo inteiro.

Segundo Renato Gonçalves, no Japão, por exemplo, houve a liberação do treinamento de Inteligência Artificial com toda e qualquer obra, sendo possível usar até livros protegidos por direitos autorais para ensinar essas máquinas.

Atualmente, no Brasil ainda não há legislação e nem regulamentação do uso da inteligência artificial. Para tratar do fomento e do uso ético e responsável das IAs no Brasil foi instaurada, em agosto de 2023, a Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial (CTIA) do Senado Federal.

Afim de direcionar o debate sobre a regulamentação do uso de IA no Brasil, a comissão ficou à cargo de consolidar e analisar o Projeto de Lei (PL) 2.338/2023. O texto, contudo, na análise de Cibele Alexandre, não é tão visionário como deveria.

“É importante dizer que um dos principais pontos do texto é a previsão de remuneração dos autores pelo uso de obras protegidas por direitos autorais na programação de IAs generativas, o que exige um grau de transparência muito alto das big techs para que isso seja efetivado”, afirma Cibele.

Para defender esse ponto de vista, no último dia 3 de julho, durante audiência pública, a cantora Marisa Monte ponderou a necessidade do Projeto de Lei ser revisto para inclusão da proteção de direitos autorais.

A artista afirmou acreditar que ao mesmo tempo que a IA oferece oportunidades incríveis, também levanta questões complexas sobre a criação intelectual e sobre o direito dos autores.

Cibele reforça que mesmo que uma ferramenta de IA não seja alimentada com referências estilísticas de um artista específico, é possível que ela chegue a algo parecido com o resultado por ter acesso a outras tantas referências que são necessárias para o seu desenvolvimento.

A apreciação do substitutivo do PL está prevista para ser votada na comissão após o recesso parlamentar, que vai do dia 18 ao dia 31 de julho. Este é o segundo adiamento, já que a votação deveria ter acontecido no último dia 4, mas foi transferida para a atualização do texto do projeto pelo relator.

Cibele relembra também que outros projetos de lei foram incorporados ao PL 2338/23 com o objetivo de dar maior cobertura legal no tratamento e uso das IAs, além de ter sido uma forma de tentar unificar a legislação sobre o tema.

“Existem muitos interesses políticos e econômicos urgentes para que essa regulamentação ocorra, os quais estão muito relacionados às questões autorais, por isso a previsão de pagamento pelo uso tem sido sinalizada como um ponto que não está em negociação", explica.

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