Medir temperatura é inútil? Veja por que há medidas contra Covid chamadas "teatro da higiene"

Ministério Público pede que medida deixe de ser exigida. Especialistas apontam que medição e limpeza de superfícies dão falsa impressão de segurança em locais que relativizam o que realmente funciona, como usar máscara e evitar aglomeração

18:58 | Jul. 23, 2021

Por: Lais Oliveira
Os restaurantes reabriram para consumo no local na segunda fase do plano de retomada, em junho (foto: Fabio Lima)

Higienizar sapatos após sair na rua, limpar as compras de supermercado ou aferir temperatura antes de entrar em locais públicos. Até que ponto essas e outras medidas funcionam para prevenir a infecção por Covid-19? O POVO ouviu especialistas para entender a eficácia de algumas ações.

A expressão “teatro da higiene” (hygiene theater, em inglês) foi usada em julho de 2020 pelo jornalista Derek Thompson, na revista The Atlantic, para definir atitudes ineficazes ou pouco eficientes que dão uma falsa sensação de segurança em relação à prevenção contra a Covid-19.

A aferição de temperatura antes de entrar em estabelecimentos pode estar incluída neste grupo. Na segunda-feira, 19, o Ministério Público do Ceará (MPCE) recomendou ao Governo do Estado suspender a obrigação de verificar a temperatura das pessoas para permitir o acesso a lugares públicos.

Com base em parecer da própria Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa), o órgão justifica que o método apresenta baixa eficácia. Questionada sobre eventual atualização nos protocolos sanitários do Estado, a Sesa disse apenas que “a aferição de temperatura segue o decreto estadual''.

Conforme explica o infectologista Keny Colares, da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE), a medida realmente não tem tanto êxito considerando que nem todo paciente com Covid-19 manifestará febre. Ainda, a transmissão da doença ocorre principalmente entre dois a três dias antes do surgimento de sintomas.

“Nesse sentido, o ganho que a gente vai ter com essa aferição da temperatura é muito baixo”, comenta. O especialista também chama a atenção para medidas mais efetivas, que acabam sendo deixadas de lado pela maioria da população.

“Conheço pessoas que higienizam as compras e deixam o sapato fora de casa, mas entram no elevador com a gente sem máscara. Ou seja, só está cuidando do secundário e o que realmente faz diferença não está cuidando”, completa.

Além disso, aferir a temperatura no pulso das pessoas pode fornecer uma medição equivocada. O termômetro digital infravermelho é calibrado para ser utilizado na testa. Outro ponto, segundo Keny, é que a temperatura no corpo é irregular e tende a ser mais baixa nas extremidades corporais.

Limpar as compras ou não?

Outro hábito muito comum desde que a pandemia de Covid-19 começou é o de limpar as compras com álcool após chegar do supermercado. O alerta se difundiu sobretudo com a divulgação de um estudo, em abril de 2020, de que o vírus poderia sobreviver até 72 horas em superfícies, considerando um ambiente controlado.

No entanto, o microbiologista Luiz Gustavo de Almeida, do Instituto Questão de Ciência (IQC), avalia que a efetividade da medida é baixa. “A carga viral que fica nessas superfícies é tão baixa e o vírus sobrevive tão pouco tempo fora de um ambiente controlado que não faz muito sentido. É muito mais vantajoso fazer distanciamento social e usar máscara ”, avalia o especialista.

O uso de máscara, preferencialmente do tipo PFF2, continua indispensável porque o principal modo de infecção pelo Sars-CoV-2 (causador da Covid-19) é por meio da exposição a gotículas respiratórias que carregam o vírus.

Conforme o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês), cada contato com uma superfície contaminada tem menos de 1 em 10 mil hipóteses de causar uma infecção.

Mas, apesar de esse risco específico ser baixo, ele ainda existe. Por isso, higienizar as mãos com álcool em gel ou com água e sabão é fundamental, conforme salienta a microbiologista Viviane S. Alves, professora de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“O risco existe não só para o coronavírus, mas para outras doenças causadas por microorganismos, bactérias e fungos, que podem ser adquiridas pela má higienização das mãos”, reforça a também comunicadora científica.

Para Viviane, existem algumas medidas de higiene alimentar básicas que devem ser feitas independentemente da pandemia. Lavar frutas e legumes, além higienizar caixas de leite ou latas de refrigerante antes de consumir são alguns exemplos.

"Não precisa ser uma neurose na higienização, mas é importante que a gente mantenha a higiene dos alimentos", afirma.

Veja a eficácia de algumas medidas de higiene contra o coronavírus

1. Limpar compras no mercado com álcool

Baixa eficácia. Sabe-se hoje que o risco de infecção por contato com superfície contaminada é inferior a 1 em 10 mil. De fato, o vírus consegue sobreviver em superfícies e em locais fechados por um período que varia de minutos a horas. Quanto maior a umidade menor a temperatura, maior a estabilidade do vírus. No entanto, o risco ainda existe, embora baixo. A recomendação é de manter a higiene das mãos sempre.

2. Colocar a roupa para lavar assim que chegar da rua e higienizar sapatos

Depende. Se você usou uma roupa em transporte público, shopping ou supermercado com aglomeração de pessoas, ou se você é profissional de saúde da linha de frente, o ideal é chegar em casa e colocar essa roupa para lavar.

Há risco de ter partículas virais em roupas que passam por ambientes públicos e aglomerações. Contudo, o risco é maior para profissionais de saúde, que também devem ter o maior cuidado com os sapatos.

3. Aferir temperatura de pessoas antes de entrar em estabelecimentos em geral

Baixa eficácia. Nem todos os infectados com Covid-19 vão manifestar febre. Além disso, a transmissão da doença vai acontecer, geralmente, de dois a três dias antes de surgirem os sintomas. Muitos estabelecimentos utilizam o termômetro digital infravermelho para aferir a temperatura das pessoas no pulso, quando na verdade o aparelho é calibrado para fazer essa medição na testa.

4. Sanitização de locais com grande circulação de pessoas

Depende. A sanitização pode ser mais eficaz em locais específicos, como corrimões ou maçanetas de portas. Abrir as janelas de locais com grande circulação ainda é mais eficaz.

O que é comprovadamente eficaz?

1. Usar máscara

A máscara mais recomendada, devido a sua alta capacidade de filtrar partículas, é a PFF2. Evite usar máscara de pano, mas, se só tiver ela, não deixa de usar. Atenção: a máscara deve cobrir a boca e o nariz e deve ser usada o tempo todo.

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2. Abrir janelas de ambientes para o ar circular

Está cientificamente comprovado que é nos ambientes fechados onde existem as maiores chances de contaminação. É importante deixar o ar circular em todos os ambientes, especialmente aqueles com grande circulação de pessoas: mercados, escolas, igrejas, ônibus. Em um ambiente fechado, se a pessoa infectada pelo coronavírus espirra, é possível que as partículas com o vírus fiquem suspensas no ar por horas. Se existe circulação de ar naquele ambiente, as partículas se dispersam mais rápido.

3. Manter distanciamento social de dois metros

A distância segura para evitar contato com gotículas respiratórias ou aerossóis de alguém eventualmente infectado com Covid-19.

4. Manter as mãos higienizadas sempre

Lave as mãos com água e sabão, não esquecendo de lavar entre os dedos e debaixo das unhas. Use também álcool em gel.

5. Ficar em casa, quando possível

Como o coronavírus é transmitido, principalmente, de pessoa para pessoa, é importante evitar deslocamentos ou saídas não essenciais.

Fontes: Keny Colares, da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE), Luiz Gustavo de Almeida, do Instituto Questão de Ciência (IQC) e Viviane Alves, professora de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).