Novas confirmações de vacinas aplicadas fora da validade surgem no RJ

Grupo de pesquisadores considerou que os jornalistas deveriam ter tido mais "cautela" antes da publicação da reportagem. Eles apontam que a precariedade nos sistemas de informação é conhecida e não significa necessariamente que as vacinas realmente estavam vencidas quando aplicadas

22:29 | Jul. 05, 2021

Por: Leonardo Maia
No Ceará, mais de 9,5 milhões de doses de vacinas foram aplicadas contra a Covid-19 (foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Ainda que parte significativa dos estados e municípios tenham negado que aplicaram vacinas vencidas contra a Covid-19, algumas cidades constataram o erro. É o caso de Nilópolis, na Baixada Fluminense (RJ), que confirmou ter aplicado 210 doses vencidas do imunizante, de acordo com informações do portal G1. Na reportagem da Folha de S.Paulo, no entanto, o número que constava para a cidade era de 852 vacinas vencidas.

Na sexta-feira, 2, após tomar conhecimento do conteúdo divulgado pela Folha, a prefeitura de Nilópolis emitiu comunicado, informando que abriria uma sindicância para apurar o caso. “Caso se confirme, as pessoas serão imediatamente convocadas a tomar a nova imunização, no prazo de 28 dias após a dose vencida, de acordo com o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19”. Até esta sexta-feira, 25 pessoas já foram revacinadas, conforme o jornal O Globo.

Além do município fluminense, também foram identificados aplicação de vacinas com lotes vencidos, mas o problema já havia sido identificado antes da publicação da reportagem. Em Dracena, interior de São Paulo, 80 pessoas receberam o imunizante vencido. No entanto, a prefeitura percebeu o erro na mesma época, revacinando os prejudicados. Em Alagoa Grande, na Paraíba, foram 72 pessoas afetadas em maio e a revacinação começou há uma semana, por orientação do Ministério da Saúde.

Em nota conjunta, o Conselho Nacional de Secretarias da Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) defenderam que investigam a possibilidade de doses aplicadas fora da validade no País. Os órgãos representativos ponderam, contudo, que não está descartado erro do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações. “Desde o início da campanha de vacinação (o sistema) apresenta instabilidade no registro de dados”, enfatizam.

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Após a divulgação da reportagem, vários estados e municípios brasileiros se posicionaram negando que tenham aplicado lotes de vacina vencidos. Outros disseram que irão apurar os dados divulgados pela imprensa. Em Minas Gerais, por exemplo, a Secretaria da Saúde afirmou em nota enviada ao G1 que está em contato com os municípios para conferir se as aplicações foram realizadas fora do prazo. Já em Teresina, capital do Piauí, a Fundação Municipal de Saúde informou que nenhuma dose foi aplicada com prazo de validade vencido.

“Induz a equívocos”, diz grupo de cientistas sobre reportagem da Folha

Cientistas do Observatório Covid-19 BR, iniciativa independente que analisa e divulga informações sobre a doença no País, criticaram a metodologia que a reportagem da Folha de S.Paulo usou para fazer a apuração do caso. Os especialistas citam a precariedade dos sistemas de informação em que os registros de vacinas são realizados e ressaltam que os jornalistas deveriam ter mais “cautela antes de se declarar a origem do problema”.

“A matéria da Folha induz a equívocos pois, partindo de uma base de dados que possui inconsistências já há muito tempo sabidas, realiza cruzamento das datas de vacinação com validades de lotes de vacina, sugerindo que vacinas estariam vencidas no momento de sua aplicação. Não há elementos sólidos para afirmar que brasileiros tomaram vacina vencida contra Covid”, dizem os pesquisadores em artigo publicado na Folha neste domingo, 4.

Eles acrescentam que como o registro das vacinas é feito manualmente pelos profissionais de saúde é esperado que ocorram erros de digitação. As inconsistências encontradas correspondem a 0,7% das vacinas de Astrazeneca aplicadas (26 mil de 3,9 milhões), índice considerado como “compatível” para falhas nas digitações. “É preciso dar o devido destaque para a necessidade de melhorias nos sistemas de informações em saúde e à averiguação dos registros problemáticos, mas sem causar alarde desnecessário”, argumentam.

Em suas redes sociais, a jornalista Sabine Boettger, uma das responsáveis pelo conteúdo, considerou que a reportagem teve saldo positivo, com as prefeituras checando novamente seus dados informados para a base do Ministério da Saúde e revacinando aqueles que tomaram vacinas fora da validade, ainda que sejam poucos casos. “Isso é resultado de um trabalho suado de duas semanas — de pesquisa e de jornalismo de ciência e jornalismo de dados — de altíssima complexidade. Informação de qualidade salva vidas. Espalhem”, disse Boettger.