Desuso da máscara deve estar aliado a ampla vacinação e vírus controlado

O presidente Jair Bolsonaro solicitou estudo avaliando a possibilidade de desuso da máscara de proteção contra Covid-19 por quem já foi vacinado ou contraiu o coronavírus. Especialistas afirmam que o cenário epidemiológico do País não está preparado para decisão como essa

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) informou nesta quinta-feira, 10, que solicitou ao Ministério da Saúde um estudo avaliando a possibilidade de desuso da máscara de proteção contra Covid-19 por quem já foi vacinado ou contraiu o coronavírus. O cenário epidemiológico do País e o ritmo da vacinação, no entanto, não estão preparados para decisão como essa, conforme afirmam especialistas.

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A declaração de Bolsonaro, dada durante evento realizado pelo Ministério do Turismo, ocorre um dia depois do País chegar a 11,1% da população imunizada com as duas doses da vacina, segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa com dados das secretarias de saúde. O número não é suficiente para indicar a dispensabilidade da máscara de proteção por aqueles que já foram vacinados. Como analisa Marco Túlio Ribeiro, o baixo percentual de imunização “faz com que mesmo a pessoa vacinada tenha risco de se infectar. A vacina nos protege, principalmente dos casos mais graves. Mas mesmo as pessoas vacinadas podem desenvolver infecções leves”.

O geriatra e médico de família é integrante do coletivo Médicos em Defesa da Vida, da Ciência e do SUS. Segundo ele, a desobrigação do uso de máscara só deve ser considerada quando a transmissão do coronavírus estiver mais controlada e mais de 80% da população estiver vacinada. “Aí sim podemos pensar nessa possibilidade. Mas ainda assim é um grande mistério. A gente não sabe como é o comportamento desse vírus. Estamos aprendendo muito. Então eu recomendo à minha família e aos meus pacientes que, mesmo se vacinados, usem máscara”, declara.

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A infectologista Mariana Moura Fé, do Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ), lembra que vacinados também estão suscetíveis a se infectarem, tendo em vista que as vacinas não são 100% eficazes e “protegem mais contra as formas graves, não protegem contra infecção e tampouco contra adoecimento. E o que é mais preocupante: não protege contra transmissão do vírus”.

“Nós estendemos que todos estamos cansados, mas o que nos deixa cansados não é o uso de máscara. Estamos cansados de ver gente morrendo, ver gente adoecendo, ver gente sequelada”, reflete. “Acabamos por naturalizar milhares de mortes por dia. Não é hora de deixar de usar máscaras, definitivamente. O sacrifício das máscaras é muito pequeno. O sacrifício real é esse de tantas perdas que estão acontecendo”.

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Maior cobertura da vacinação e transmissão reduzida do coronavírus também são associadas à possibilidade de desuso da máscara pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em conferência de imprensa no último dia 14 de maio, a infectologista integrante do programa de emergências do órgão, Maria Van Kerkhove, destacou que estas questões não devem ser deixadas de lado quando considerado o desuso das máscaras.

“Ainda não estamos fora disso [da pandemia]. Existem incertezas pela frente por causa dessas variantes do vírus. Só temos que manter o curso, fazer tudo o que pudermos, em primeiro lugar, para prevenir infecções, reduzir a propagação e salvar vidas”, afirmou a especialista.

“No caso de um país que deseja reduzir ou retirar um mandato de máscara ou retirar outras medidas de saúde pública e sociais, isso só deve ser feito no contexto de considerar a intensidade da transmissão em sua área e o nível de cobertura de vacinação”, acrescentou Michael Ryan, diretor do programa de emergências da OMS.

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Para o ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Gonzalo Vecina, ter vacinados dispensando as máscaras é “uma má ideia”. “Enquanto todos não estiverem protegidos, é errado abandonar as medidas protetivas. Se a ideia prosperar será mais genocídio”, criticou. A liberação deve acontecer apenas futuramente, quando o País avançar na vacinação, segundo ele. “Quando acontecer essa cobertura [mais ampla], vamos discutir os riscos”.

Orientações contrárias ao uso das máscaras são “inconsequentes”, ponderou o governador do Ceará, Camilo Santana (PDT). No Twitter, ele escreveu que o item de proteção “continua sendo absolutamente necessário neste momento ainda grave da pandemia”. “Máscara ajuda a salvar vidas. Qualquer orientação contrária é inconsequente e deve ser ignorada”, finalizou.

— Camilo Santana (@CamiloSantanaCE) 11 de junho de 2021

O prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), argumentou que usar máscara é “mais do que autocuidado, é proteção dos que amamos, é estratégia de prevenção coletiva”. O avanço da vacinação na Capital, segundo ele, não sugere a descontinuidade dessa medida. “Depois de tudo o que vivenciamos e diante das perdas que ainda estamos sofrendo, insistir em contrariar a ciência é temerário. Chega de negacionismo!”

— Sarto (@sartoprefeito12) 11 de junho de 2021

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Além das fronteiras

Depois do anúncio do presidente, Queiroga se pronunciou sobre o assunto durante entrevista em frente do Ministério da Saúde. “Queremos que [o não uso da máscara] seja o mais rápido possível, mas para isso precisamos vacinar a população brasileira e avançar”, argumentou. No fim de março, o ministro afirmou que a “pátria de chuteiras agora é a pátria de máscaras”, se referindo ao Brasil.

Ele negou que houve pressão de Bolsonaro para liberar o desuso de máscaras. “O presidente não me pressiona, não. Sou o ministro dele e trabalhamos em absoluta sintonia. E assim funcionam as democracias do regime presidencialista. E o presidente sempre nos aconselha de maneira muito própria. E levo a ele os subsídios para que tenhamos as melhores decisões em relação à saúde pública”, disse.

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Em vídeo publicado no Twitter oficial da pasta, o ministro pontuou que o presidente solicitou a avaliação de um possível não-uso das máscaras por vacinados devido ao cenário de vacinação de outros países. A desobrigação do uso de máscaras para vacinados foi aplicada nos Estados Unidos em 27 de abril, apenas quando mais da metade da população adulta do país (aproximadamente 140 milhões de pessoas) já tinha recebido pelo menos a primeira dose do imunizante.

2.72 milhões de doses foram aplicadas apenas em 27 de abril, segundo a plataforma Our World In Data. Em relação à população total, 43% dos estadunidenses haviam recebido apenas a primeira dose à época, enquanto 29% estavam totalmente imunizados. Até ontem, quarta-feira, 9, o Brasil vacinou, com a primeira dose, um quarto, ou 24,8%, de sua população. Receberam a segunda dose 23,4 milhões de pessoas (11,06% da população).

No país da América do Norte, ainda, o desuso da máscara por vacinados foi incentivado apenas em determinadas situações. Em hospitais e transportes públicos, por exemplo, o item de proteção permaneceu obrigatório. A regra também não incide sobre estadunidenses que já contraíram o coronavírus, outra diferença da possibilidade anunciada por Bolsonaro nesta noite à população brasileira.

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Além disso, os Estados Unidos liberaram o uso de máscaras em vacinados com base nas condições sanitárias do país. Em 27 de abril, quando a agência reguladora de saúde revelou a não-obrigatoriedade, o país registrava média semanal de casos de Covid-19 de 53,8 casos. Ontem, a taxa foi de 14,9. Os dados também são da plataforma Our World In Data.

Mais de um mês antes do Estados Unidos, em 18 de abril, Israel possibilitou o desuso das máscaras. À época, pelo menos 80% da população acima de 20 anos havia recebido as duas doses da vacina. Tanto o país judeu quanto o norte-americano começaram a vacinar seus residentes em dezembro do ano passado. O Brasil só começou no mês seguinte, enquanto a Presidência deixava de responder quase 50 e-mails da farmacêutica Pfizer, que ofertava doses de sua vacina contra a Covid-19.

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