"Tenho uma vida que já necessita de isolamento", diz escritora cearense Ana Miranda

A artista cearense, reconhecida nacionalmente, falou sobre as mudanças na rotina com a pandemia, que segue com restrições mesmo após quase um ano do registro dos primeiros casos da doença no Ceará

17:00 | Fev. 09, 2021

Por: Leonardo Maia
Escritora vê a leitura como uma forma de alívio para a mente. (foto: Sara Maia, em 02/03/2012)

“Está em nossas mãos nos defender, precisamos acreditar”. Com essa frase a escritora cearense Ana Miranda, que reestreia coluna no Vida&Arte, contou um pouco sobre porque segue cumprindo todas as medidas de isolamento social para impedir o avanço da pandemia do novo coronavírus. A ação é necessária especialmente após alertas de que a nova cepa do vírus, possivelmente mais perigosa, pode estar circulando no Ceará.

Miranda é a terceira entrevistada de série do O POVO que se propõe a contar histórias de pessoas que, mesmo após um ano dos primeiros casos da pandemia no Ceará, seguem empenhadas em evitar aglomerações — que parecem cada vez mais recorrentes — e cumprir a quarentena imposta pela disseminação do vírus, que seguimos sem conhecer com propriedade. 

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"Não poder abraçar é a pior parte", afirma ativista Silvinha Cavalleire sobre prática do isolamento

“Olha, vou pegar a estrada agora para (a praia de) Picos, mas quando chegar lá nos falamos”. Dessa forma, a escritora respondeu ao meu primeiro contato, solicitando a entrevista. O cenário paradisíaco, localizado no município de Icapuí, foi onde Ana decidiu usar de refúgio para manter o isolamento social durante a pandemia.

A viagem, obedecendo a todos os cuidados recomendados, tornou-se uma exceção para a artista, que até então havia se acostumado a uma vida repleta de aglomerações — seja para o lançamento de um novo livro ou em alguma das várias cerimônias de premiação em que levou um troféu para a casa. Apesar disso, ela pondera que o ato de escrever já exige um certo distanciamento, então a quarentena não tem sido o pior dos mundos.

“O isolamento é muito difícil para as pessoas, mas os escritores já tem uma vida que necessita isolamento e concentração. Há muita ansiedade de abraçar as pessoas, de ver quem você ama: netos, filhos… Vontade de beijar, de encontrar todo mundo”, compartilha a escritora. Ela defende, ainda assim, que tudo isso precisa ser substituído pelo contato virtual, ainda que não seja a mesma coisa.

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Miranda fala que em algumas situações já tem aberto exceções, mas sempre com “pouquíssimas pessoas” e de forma “muito restrita”. Uma visita especial que ela narrou foi a visita a sua mãe, de 103 anos, que mora em Brasília. “Com muito cuidado e cercada apenas de pessoas muito conhecidas”, alertou. Durante a vida, ela passou parte de sua juventude na capital federal e também viveu no Rio de Janeiro.

“Aprendi a ter muito mais amor pela casa”, diz a escritora

Uma das principais mudanças na rotina de Miranda durante a pandemia foi a intensificação dos cuidados com a casa, que passaram a ser ressignificados. Ela lembra que, apesar de serem afazeres indispensáveis, as atividades também podem ser encaradas com prazer. “Eu varro a casa com maior prazer, lavo a louça com carinho… Eu sabia cozinhar um pouquinho, mas agora tô sabendo cozinhar muito melhor”, relata.

Ela conta ainda que teve que estabelecer um limite mais rigoroso para o tempo que gasta no celular durante o novo cotidiano. “Com a sensação de isolamento, você vai buscar o contato com as pessoas e atrapalha muito as tarefas do dia a dia”, pondera. Miranda ressalta ainda a relevância da informação de qualidade e da necessidade de se manter conectada com o noticiário.

Para seguir bem em relação à saúde mental, a escritora tem mantido atividades que conservou durante a vida: leitura e atividades físicas. “A leitura alivia e a saúde mental também está relacionada à condição física. Quando você movimenta o corpo, passa uma mensagem de potência, quando fica parado, tem a sensação de impotência”, aconselha.

“Um pesadelo”, afirma Ana Miranda sobre ter contraído a Covid-19

Mesmo com todos os cuidados necessários, a escritora acabou contraindo a doença e alerta para a letalidade do vírus. “As pessoas acreditam que é uma doença que mata apenas quem tem situação de saúde comprometida ou idosos, mas não é verdade. É uma doença que pode matar qualquer pessoa, de qualquer idade, situação…”, enfatiza.

Ela compara a "invisibilidade" do novo coronavírus, em que a situação acaba sendo traduzida principalmente por números, com a crise da febre amarela. "Você andava na rua e via as pessoas mortas, então aquilo tinha um choque muito mais imediato”, lembra. Ela afirma que mesmo com muitos anticorpos contra a Covid-19, segue tomando cuidados. “Os procedimentos sociais não são para proteger apenas a mim, mas a outras pessoas”.

“Certa vez vi uma propaganda do Governo de Portugal que falava o seguinte: ‘você prefere ser paciente ou se tornar um paciente?’. Acho que isso ilustra bem a situação que vivemos e pode ser um alerta para quem já está ‘cansado’ de cumprir o isolamento”, finaliza.