"Sopro de esperança de dias melhores", diz médico cearense vacinado contra Covid-19 em São Paulo

Júlio César Garcia de Alencar, 31 anos, foi um dos primeiros cearenses a receber a CoronaVac em São Paulo, nesse domingo, 17. Ele falou ao O POVO sobre como foi ter sido um dos primeiros a receber a vacina

19:11 | Jan. 18, 2021

Por: Mirla Nobre
Júlio é médico e supervisor do pronto-socorro da clínica médica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) (foto: Reprodução/Instagram)

O médico cearense Júlio César Garcia de Alencar, de 31 anos, foi um dos primeiros cearenses a receber a CoronaVac em São Paulo, nesse domingo, 17. O imunizante contra Covid-19 foi desenvolvido pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan e liberado para uso emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Júlio é natural de Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

O cearense é médico e supervisor do pronto-socorro da clínica médica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Júlio é formado em medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e morava no bairro Quintino Cunha, em Fortaleza, antes de ir para São Paulo. No Hospital das Clínicas, ele atua diretamente na linha de frente da Covid-19, recebendo pacientes graves da doença. Em entrevista ao O POVO, ele conta como foi ser um dos primeiros profissionais da saúde no país a receber o imunizante e quais expectativas para a vacinação no Brasil.

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O POVO: Qual o sentimento após receber a primeira dose da vacina contra Covid-19?

Júlio Alencar: Meu sentimento é de esperança renovada. A gente tá no momento da pandemia agora que, diferente do começo, que a gente via a população um pouco mais assustada, mas também um pouco mais engajada em seguir recomendações de políticas públicas e de cuidados individuais, como uso de máscara para proteção. Hoje, a gente se depara com relaxamento no meio do caminho, e é um relaxamento da população que vem junto de sobrecarga de serviço, de uma onda de aumentos de casos de Covid-19, não só em Fortaleza ou em São Paulo, mas no Brasil inteiro. É também um momento em que nós profissionais da saúde estamos cansados também. A gente tá trabalhando mais horas durante bastante tempo, então a vacina vem com quase um sopro de esperança de dias melhores pela frente.

OP: O que representa a vacina contra a Covid-19?

Júlio: A CoronaVac é uma das nossas poucas armas efetivas contra a Covid-19. No momento de tanta anticiência, nós temos agora uma forma eficaz de prevenção contra a doença. Para uma doença que não tem tratamento precoce e para um vírus onde a gente não conhece a cura. Nós temos agora uma verdadeira arma importante contra o vírus da Sars-CoV-2. Eu vejo muito essa vacina como o começo do fim da pandemia.

OP: Quais suas principais expectativas agora com a vacina?

Júlio: É que todo mundo receba logo essa vacina. Que a minha família receba a vacina, que todos os brasileiros recebam o imunizante e que a gente consiga se abraçar de novo, tá juntos de novo de uma forma sem culpa, sem ter essa sensação de tá fazendo alguma coisa errada, e que pode sim tá fazendo alguma coisa errada ao se aglomerar. Vejo a vacina como uma chance da gente recuperar um pouco dessa humanidade.

OP: Como você analisa os esforços científicos para chegar aos imunizantes?

Júlio: A gente analisa de uma ótica científica, mas que no Brasil ela se tornou política, infelizmente. Não conto as vezes que a gente chega no posto de saúde e ia lá tomar uma vacina antitetânica porque o trabalho pedia e a gente abria o calendário vacinal, e alguém vacinava a gente para duas ou três vacinas e nós nunca perguntamos a eficácia dessas vacinas. Então, eu vejo com muito bons olhos o interesse da população sobre estudo científico, pesquisa clínica e eficácia dos imunizantes. Mas eu também entendo que a gente tá no momento de fake news, de muita desinformação e de muita luta contra. Nós temos uma vacina que é produzida no Brasil, no Instituto Butantan. É uma vacina de São Paulo que vai para o Brasil inteiro. É uma vacina dos brasileiros. Uma vacina que tem uma eficácia muito boa para evitar casos graves da doença e evitar intubações e idas para as Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs). A eficácia da vacina nesses casos graves é excelente e é em cima desses números que trabalhamos.

OP: A vacina chega após uma semana intensa de novos casos e óbitos pela doença no Brasil. Como está sendo ficar na linha de frente do combate a Covid-19?

Júlio: Como médico eu passei por várias fases pessoais na pandemia. Quando começamos a entender que tinha um vírus com potencial pandêmico no mundo, um sinal amarelo dentro da Instituição já acendeu e reuniões já foram feitas, no sentido de organizar todo o processo de atendimento. Nosso primeiro livro do nosso serviço de emergência contra Covid-19, publicado ainda no primeiro semestre de 2020, nós já estávamos nos preparando para a chegada dessa doença de cunho respiratório. No começo da pandemia achávamos que estávamos preparados para receber pacientes muito graves. Nós estávamos nos preparando, a gente aprendeu muito com a doença. Com o passar do tempo, a gente aprendeu a lidar reduzindo a nossa mortalidade e aí veio aquela euforia. A cada descoberta nova vinha uma felicidade. Os bons resultados como uso de medicamentos que melhoram o quadro do paciente, número de altas, pacientes melhoraram e o número de saídas dos hospitais, a gente conseguiu ofertar para os pacientes, mesmo dentro de uma instituição pública, um serviço de extrema qualidade. Mas acontece que com o passar dos meses, é impossível que a gente não tenha a sensação de estar ficando cansados. Acordar todos os dias, vir trabalhar todos os dias, atender o paciente que vem com aquela história sempre parecida. Nós somos responsáveis pelos casos graves em São Paulo, então poucas vezes a gente via casos leves. As histórias eram muito parecidas em relação à evolução de doenças. A gente acaba ficando cansado em atender o mesmo perfil de paciente. Eu lembro que os meus últimos pacientes, eles relataram “doutor, eu abusei, passei o natal em determinado local”. Para gente, todo mundo é igual, a gente orienta paciente e família. Então, depois da vacina nesse momento crucial, exemplo quando acabou o oxigênio de Manaus deu uma partida de coração, uma tristeza e ver essa vacina agora me deixou muito feliz, muito alegre e perceber que a gente pode chegar no momento da pandemia e dizer que a gente tem uma arma potente contra o vírus.

OP: Agora com a vacina, o que você, como profissional da saúde, orienta para a população em relação às medidas de prevenção contra a Covid-19?

Júlio: A vacina chega como uma medida eficaz de proteção da nossa população com casos graves, mas essa vacina não vai chegar no tempo zero para todo mundo. Ela vai demorar um pouco para chegar na nossa população mais jovem, de acordo com o plano vacinal de cada região do Brasil. Além disso, a vacina é composta de duas doses, a maior parte delas. Você toma a primeira dose e a segunda dose após 14 a 28 dias. Então, também são vacinas que não conferem imunização no tempo zero, ou seja, depois de tomado. As medidas de proteção individual continuam todas valendo. O distanciamento social deve continuar, o uso de máscara ele também já mostrou em estudos que é eficaz, então o uso também deve continuar. Uso de álcool em gel, lavagem de mãos sempre com água e sabão. Então, todas as medidas de combate continuam mesmo nesse momento em que a gente começa a vacinação. A vacina vai trazer pra gente um respiro, um sopro de esperança. Já faz tanto tempo que a gente escuta “vai passar”, dessa vez a gente tá vendo uma luz no fim do túnel que vai passar. Não vamos continuar relaxando.